06 junho 2011

Sarney: “Meu Passado, Presente e Futuro”



O escritor − poeta − romancista é aquele ser que está sempre deixando o reflexo de si mesmo na escrita. A escrita funciona como um espelho que revela o que nós somos fundamentalmente. Por isso é que se diz que deixamos um pouco de nós em cada frase que editamos.

O imortal − presidente do nosso Senado − sempre escreve uma coluna às sextas-feiras na Folha de São Paulo. Lí, reli e refleti bastante sobre o seu último ensaio (de 3 de junho último) cujo título “Tempo Presente”, levou-me a viajar no tempo.

Em seu artigo Sarney, que está nos holofotes da política há cinco décadas, passa para o leitor o seu mal estar existencial, ao iniciar a sua fala dessa forma: “Estou, ultimamente, certo de que um fenômeno está surgindo no mundo atual: a compressão do tempo. Ele está cada vez mais chato e achatado. Parece que a cada dia fica mais curto”.

Ora, como poderia não estar exausto e sentindo a chatice dos dias, uma pessoa que, aos 81 anos de idade, ainda mantém o mesmo jogo de cintura que o fez se adaptar ao regime de exceção dos militares, que o fez e ainda o faz dançar conforme a música, tanto é que vem se mantendo incólume como político influente em todos os governos, seja de direita ou de esquerda, não importando a cor partidária? Como não se sentir cansado e enjoado um homem que esteve nos últimos 50 anos, no centro de vitórias políticas e sorvendo derrotas acachapantes, como as dos tempos do cruzado, em que incitava invasões de supermercados e currais de gados para baixar a inflação galopante de 100% ao mês? Como não sentir no corpo e na alma, o refluxo do peso das aflições quando foi submetido às pressões vindas de todos os lados, por envolvimento nos mais polêmicos escândalos nacionais?

Hoje, aos sessenta e quatro anos de idade, posso afirmar que Sarney povoou o meu passado. Ele está no meu presente. Nos meus tempos de idealista eu tinha esperança no futuro. Mas esse futuro chegou, e com ele veio colado o espectro “Sarney”. Sarney, é, portanto, meu presente, passado e futuro.

Em um trecho do seu ensaio na Folha, ele assim escreve: “Santo Agostinho perguntou e respondeu: ‘Mas o que é o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei, mas se eu tentar explicar não sei’”

Modéstia das modéstias, Sarney, você é o tempo, cara!!! O tempo do cidadão brasileiro dos da minha idade, registra, do começo ao fim a sua passagem.

Mas, o sábio e astuto imortal, no final do seu texto, sem querer querendo revela um movimento de sub-reptícia “eternidade”, quiçá, de sua verdade escondida, ao citar este trecho do grande poeta T. S. Eliot: “Tempo presente e tempo passado/Estão ambos talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo passado”.

O ensaio de Sarney na Folha de São Paulo teve o condão de evocar em mim fatos de um passado, que não é presente, nem futuro, posto que ficou definitivamente enterrado. Sei que de nada vai adiantar, mas não custa nada trazer um trecho utópico do velho idealista Rui Barbosa, que eu recitava de cor na sala de aula diante de minha professora, nos tempos em que me iludia com meus gastos livros de História do Brasil:

“A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal de nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo o nosso descrédito é a miséria suprema desta pobre nação”.

P.S.: Sarney, para o bem ou para o mal, pelo menos na política à brasileira, você é meu passado, presente e futuro!


Ensaio por Levi B. Santos

Guarabira, 07 de junho de 2011

Imagem: http://www.nanihumor.com/2011/02/sarney-e-cadeira-1.html

4 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

levi, sua reflexão sobre o onipresente sarney provocou em mim até um quê de nostalgia.

eu era um jovem e também vibrei com o cruzado do sarney e do funaro. enfim, pensei, a brasil derrotou a inflação e seríamos um país melhor e mais justo. vã esperança...

em todos os planos que vieram depois era o mesmo sentimento: agora a economia entra nos eixos; mas plano a plano, a frustração aumentava.

quando o sucessor de sarney, o senador collorido veio com aquela lenga-lenga de que só "temos um tiro para matar o tigre da inflação" eu não tinha mais esperanças, sabia que mais uma vez, tudo iria para o ralo.

e quando apareceu a urv? e depois o real? você acreditou que a inflação enfim, daria uma trégua? eu não.
nosso imperador de licença presidencial disse que o plano era eleitoreiro e quem podia dizer que não?

mas como é a história...deu certo!! o pt votou contra o plano real e durante vários meses lula atacou sem dó nem piedade o governo fhc.

e quando foi eleito não parava de dizer que recebeu uma "herança maldita".

mas sim, o tema é o sarney. dizem que ele é até um bom escritor. você já leu algum livro dele?

outro dia, numa feira de livros usados, achei um exemplar de um livro do sarney: "o dono do mar". aí pensei: por que comprar, por que não comprar, compreio-o-o. mas ainda não li.

vou lê-lo; quem sabe o escritor é melhor do que o político?

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Também me lembro do Plano Cruzado e do (des)governo Sarney. Se foi melhor ou pior com Sarney, também não saberia dizer, mas o certo é que ele expressou (e ainda expressa) o que sente esta nação. Ter ele chegado á Presidência, mesmo que pelas indiretas, sendo vice de Tancredo, foi uma permissão da sociedade brasileira. Em 1984, ano das "Diretas Já", o povo já não desejava mais os militares, mas consentiu em apoiar uma candidatura moderada composta por um líder moderado do MDB e um oportunista da ARENA. Com toda sinceridade, desejo que este seja o último mandato de Sarney e espéro que os brasileiros e brasileiras possam evoluir pensando em opções melhores para a política do país. E falo isto não só em relação ao Sarney, mas também a FHC, ao Lula e à própria Dilma. Temos que começar a construir o novo!

Levi B. Santos disse...

EDUARDO

Sarney é imortal e eterno.

Ele é o Alfa e ômega.
Ele estava no princípio do nossa república vestido de Rei na pele de Dom João VI - nos idos de 1808, quando no dizer de Laurentino Gomes, uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. (rsrs)

Levi B. Santos disse...

Rodrigão

Temos que começar a construir o novo!

Sei não, caro amigo, esse Brasil velho está como a cantiga da perua: "Tá pior, tá pior, tá pior..."

As heranças mal resolvidas de 1822, passados quase duzentos anos, continuam assombrando o futuro dos brasileiros e brasileiras (como o senhor Sarney começava seus discursos - rsrs)