20 novembro 2011

Revisitando a “Pietá” de Michelangelo



Foi após concluir a sua maravilhosa escultura, a Pietá, na Basílica de São Pedro no Vaticano que Michelangelo foi aclamado como o maior escultor da época. Olhando o conjunto da obra não há como deixar de se emocionar. “A figura do Cristo morto ainda parece ter vida correndo nas veias. Os olhos abaixados da Virgem, ao contrário da tradição, emocionam pela dor e pela resignação. Seu manto, majestosamente drapeado, arranca do mármore uma leveza inimaginável. Na visão idealista de seu autor, a profunda beleza das duas figuras é a melhor tradução de sua nobreza de espírito” retratou o site VEJA na História, sobre a insuperável obra desse artista.

A revista Superinteressante – arquivo 1992 traz a seguinte informação sobre esse grande escultor, contemporâneo de Leonardo da Vinci:

“A morte da mãe, quando tinha 6 anos, marcou sua personalidade e toda sua vida. Entregue a uma ama-seca, na família de um canteiro, um operário que cortava a pedra para construções, ele próprio considerou fundamental para sua vocação de escultor este período em que se misturavam afeto familiar, cuidados maternos e pedra entalhada”.

O Pai da psicanálise, via naquela escultura o resgate da figura feminina, que por longo tempo foi tida como protagonista principal da maldição do pecado original pregada pelo cristianismo. Sabemos que na formulação dos conceitos psicanalíticos que vigoram até hoje, a mãe serviu de base para o entendimento do psiquismo masculino e feminino. Desde a concepção, o bebê vive uma relação simbiótica com a mãe. Nos gens da mãe e do pai estão toda a potencialidade da criatura que irá se desenvolver. A mãe é o veículo responsável pela herança do filho. Filho, que ao receber o patrimônio filogenético dos pais, está sempre a pedir para ser reconhecido e amado.

A psicanalista, Françoise Dolto, uma das fundadoras da Escola Lacaniana de Psicanálise, disse certa vez: "Cada um de nós, ao nascer, é a linguagem do desejo dos pais".

O psicanalista, Rubem Alves, em um texto publicado no Caderno Sinapse da Folha de São Paulo de 12/10/03, se referindo a “Reverência pela Vida”, assim falou: Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a Pietà de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo”.

A Pietá nos transmite uma força emocional arrebatadora ante a resignação de uma mãe que no momento de intensa dor se separa de uma parte de si, gerada em suas entranhas. O que pensa aquela mãe com seu filho inerte bem aconchegado no seu colo, vítima de uma violência brutal? A tentativa de apreender a intenção que o artista imprimiu na sua magistral obra de arte, me faz reportar à saga das mães brasileiras que perderam e ainda perdem seus filhos em plena flor da idade, vitimas de incompreensões e injustiças de uma sociedade violenta e hedonista.

A fotografia da Pietá de Michelângelo no topo desse ensaio é tão harmônica e perfeita que, a um olhar atento e minucioso, não há como impedir que se seja afetado pela irresistível, apaziguante e poderosa atração que dela emana. Talvez, quem sabe, na sua contemplação, esteja eu me reportando a um tempo idílico de minha tenra idade, quando em meio às doenças da primeira infância, era embalado e consolado pelas saudosas cantigas de ninar no aconchego do colo materno.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 20 de novembro de 2011

9 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

A obra de um certo modo inspira grande revolta contra os assassinos de Jesus e, sem dúvida, de algum modo retrata a injustiça.


"O Pai da psicanálise, via naquela escultura o resgate da figura feminina, que por longo tempo foi tida como protagonista principal da maldição do pecado original pregada pelo cristianismo"

Bem aí fico a pensar a que preço se deu este resgate. Pois considerando a ideia católica sobre Maria, tem-se ali uma pobre mulher judia, que totalmente privada do prazer sexual e do único filho, vivendo de um modo distinto das outras mulheres de seu povo (em Israel semrpe foi vergonhosa a virgindade a ponto da filha de Jefté ter chorado pela sua condição). Logo, se esta imagem resgatou a mulher tão depreciada no cristianismo católico foi de maneira muito injusta, não concorda?


"A Pietá nos transmite uma força emocional arrebatadora ante a resignação de uma mãe que no momento de intensa dor se separa de uma parte de si, gerada em suas entranhas. O que pensa aquela mãe com seu filho inerte bem aconchegado no seu colo, vítima de uma violência brutal?"

Talvez a obra passe a ideia de identificação, no sentido de que a sofredora Maria teve uma grande perda por causa da injustiça praticada. Mas eu ainda prefiro quando Jesus, na cruz, fala a ao discípulo que amava que ali estava sua mãe e diz também a ela que aquele discípulo era seu filho. Ou seja, é mais confortante e reanimador que uma mãe que perde prematuramente o filho reconheça a existência de outros filhos deste mundo para cuidar e amar.


O que mais me entristece é que belíssimas obras como as de Michelângelo certamente foram manipuladas pela "santa igreja" afim de instigar o ódio contra os judeus. Não que o artista tivesse tido tal desejo.

Levi B. Santos disse...

“O que mais me entristece é que belíssimas obras como as de Michelângelo certamente foram manipuladas pela "santa igreja" a fim de instigar o ódio contra os judeus. Não que o artista tivesse tido tal desejo” .


Rrodrigo, vou me deter no trecho acima, retirado de seu comentário, e esperar a sua tréplica (rsrs)

Mas será que essa fixação pela “mãe do Senhor” — como descrita por Isabel(prima de Maria) no evangelho de Lucas, não é algo mas arraigado ao inconsciente coletivo religioso?

A figura da Madona que fornece o seu leite para alimentar o seu Filho não se tornou um símbolo poderoso na igreja católica, porque faz parte de um arquétipo feminino que estrutura e equilibra a nossa psique?

Conta a história que logo após a morte de Cristo, quando o apóstolo João se dirigiu com a Mãe de Jesus para Éfeso, lá, erigiram uma estátua ao lado da imagem de Diana, para ser venerada. Quer dizer, Maria, de certa forma, foi mitologizada como deusa, bem no início do cristianismo primitivo.

Jung estabelece um vínculo psicológico entre essas duas imagens arquetípicas: a obediência de Eva a serpente e a obediência de Maria ao anjo da Anunciação.

Para Jung, estas simbolizações são eventos paralelos, percebidos como opostos, tendo em vista que ocorrem em diferentes estágios do desenvolvimento do EGO.

Segundo Jung a qualidade de mãe era originariamente um atributo do Espírito Santo, que um grupo de cristãos dos primeiros tempos chamou de ”Sophia-Sapientia”.
Não era possível extirpar de todo, esta propriedade de feminina, e ela perdura ligada, pelo menos ao símbolo do Espírito Santo: a ”Columba spiritus sancti”
. (Psicologia da Religião de Jung, página 78)

Na psicologia jungueana a mulher é um arquétipo que ele chamou de anima

Hillman (1972, 1975) investigou e elucidou a psicologia da anima. Insiste em que é ela quem personifica a inconsciência de toda nossa cultura ocidental e pode ser a imagem pela qual seremos liberados imaginativamente.

Abraços,

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Interessantes essas visões do Jung e do Hillman!

Não resta dúvidas de que, quando os gregos criaram o cristianismo, foram bem inteligentes e souberam oferecer um bom substituto ao judaísmo que, no início da era comum, já crescia dentro do Império Romano conquistando prosélitos no mundo de cultura helenizada. Para conterem a ameaça cultural semita, nada melhor do que inventarem um judaísmo grego...

Bobos, aqueles padres do século II (os pais da igreja) não eram nada. Eles souberam perceber aquilo que muito bem você chamou de "inconsciente coletivo religioso" e fizeram de uma jovem judia um poderoso arquétipo feminino que se mostrou talvez mais eficiente do que Eva, Sara ou Diana para submeterem as consciências, trazendo os prosélitos convertidos ao judaísmo de volta para a cultura grega.

Não acho que esta mitologização de Maria tenha ocorrido bem no início do cristianismo primitivo. Pra mim, ela foi uma construção que ocorreu no decorrer dos séculos. Tanto é que o mito da assunção da Nossa Senhora não é bíblico e foi inventado lá pelo século VI como um acréscimo aos registros dos Evangelhos, sendo que, somente em 1950, foi que o papa Pio XII reconehceu como dogma obrigatório aos católicos esta crença através da encíclica Munificentissimus Deus.

Ressalte-se que como a virgindade enquanto ideal de vida era algo ofensivo à cultura judaica, é lógico que a concepção virginal de Jesus foi inventada pelos gregos afim de simbolizar um suposto reinício da história salvífica a partir d eum material desprezível aos olhos humanos - o útero virgem, em que Deus arquitetaria sua nova obra.

Assim como o Jesus histórico o judeu Yeshua que viveu no século I, jamais teria atribuíudo a si uma condição divina (esta é a visão de muitos especialistas acerca da origem e autoria dos evangelhos), considero inverossímil Maria ter se percebido enquanto "mãe divina", o que faz das palavras atribuídas à personagem Isabel uma outra invencionice dos gregos.

Abraços.

Eduardo Medeiros disse...

Levi,

de fato, a Pietá é uma obra-prima desse gênio. Gostei demais desse teu artigo.

"A Pietá nos transmite uma força emocional arrebatadora ante a resignação de uma mãe que no momento de intensa dor se separa de uma parte de si, gerada em suas entranhas"

Creio que isso retrata muito bem o significado psicológico dessa obra magnífica.

Mas mudando de assunto, você não recebeu o convite para a confraria teológica?

Eduardo Medeiros disse...

Sobre a opinião do Rodrigo,

"Não acho que esta mitologização de Maria tenha ocorrido bem no início do cristianismo primitivo. "

Mas não seria o nascimento virginal exposto em Mateus e Lucas já uma primeira mitologização de Maria?

Mas de fato, Paulo que escreveu a maioria das suas cartas antes dos evangelhos canônicos, nunca chega a falar sobre o nascimento virginal de Jesus, é bem provável que ele nem mesmo conhecesse essa história.

Parece certo que a mitologização plena de Maria como substituta das deusas tão populares no império romano veio depois e nele também entrou outro ingrediente para a construção da "pureza virginal de Maria": a intolerância cada vez maior por parte do clero com o sexo feminino, que começava a ser visto como um mau. (vide a caça às bruxas pela Inquisição)

João Crisóstomo, Pai da Igreja do início do século V escreveu:

"Há no mundo um grande número de situações que enfraquecem a conscientização da alma. A primeira e mais importante delas é o comércio (sic) com mulheres...pois o olho da mulher toca e perturba a nossa alma, e não apenas o olho da mulher descontrolada, mas o da decente também" ("Responsun Gregorri, citado em Ranke-Heinemann, Eumuchs for the Kingdon of Heaven, p 121, citado por Michael Baigent autor de "O Santo Graal e a linhagem sagrada".

Ou seja, começava a ideia que o ideal de mulher era a virgem imaculada, que nunca desviou um homem para o mau com seus encantos libidinosos...rss

Levi B. Santos disse...

Edu

Eu acho que o Jung tem razão, quando acha que a Trindade para ser completa necessita do arquétipo feminino, no caso representado pela imago POMBA, que desceu sobre Cristo.

Veja aí se a sua teologia consegue acrescentar alguma coisa ao que Jung escreveu:

“Segundo Jung a qualidade de mãe era originariamente um atributo do Espírito Santo, que um grupo de cristãos dos primeiros tempos chamou de ”Sophia-Sapientia”.
Não era possível extirpar de todo, esta propriedade feminina, e ela perdura ligada, pelo menos ao símbolo do Espírito Santo: a ”Columba spiritus sancti”. (Psicologia da Religião de Jung, página 78)


P.S.:
Edu, não encontrei o convite para participar da nova confraria na minha caixa de mensagem, cujo e-mail é: “glauberbronzeado@uol.com.br”

Levi B. Santos disse...

Edu e Rodrigo


No “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna, que creio que vocês já assistiram, há uma mensagem muito humana que, talvez, não encontramos no Protestantismo.

A peça desse fenomenal católico nordestino mostra com humor e uma clareza fora do comum, o homem passível de erro, sendo perdoado por uma mãe terna, a compadecida Maria, que na igreja católica é a intercessora dos pecadores junto a Jesus Cristo.

A peça teatral em que a compadecida é um dos personagens centrais da trama, nos mostra uma interpretação mais humanizada e até condescendente com as vicissitudes humanas, onde todo mundo pode notar que a reprovação do vício e da maldade humana, em prol da modéstia e da humildade é uma tônica que permeia todo o enredo mítico.

Muitos protestantes fazem cara feia para essa trama bem engendrada por Ariano Suassuna, que os católicos em sua maioria adoram. (rsrs)

Acho que Jung, fosse vivo, iria adorar e publicar alguns trabalhos psicanalíticos, baseados nos elementos míticos dessa fenomenal peça que, tão bem, traduz de forma popular os arquétipos que estruturam a psique humana.(rsrs)

Que dizem vocês?

Eduardo Medeiros disse...

Levi,

eu concordo com o teor psíquico de uma figura feminina na "Trindade masculina". A Sabedoria foi pessoalizada no pensamento judaico antigo como se fosse uma "filha de Deus". E de fato, é interessante que Mateus tenha simbolizado o Espírito como "uma" pomba e não, "um" pombo!

O Auto da Compadacidada é genial. Ariano é genial! E faltou durante muitos anos e ainda falta hoje no protestantismo, essa condescendência materna com nossas vicissitudes.

EE quem sou eu para acrescentar alguma coisa num texto de Jung...rsss

vou enviar-lhe o convite outra vez.

Levi, aproveita e manda um novo convite para mim para a confraria anti-religiosa, pois a conta antiga está cheia de vicissitudes...rssss

Manda para este aí:

eduardo42@ig.com.br

Anônimo disse...

Levi,

o e-mail do Ig escrevi não serve...

manda o convite para este que eu abri exclusivamente para a confraria.

eduardo46@gmail.com

valeu