03 janeiro 2012

Estava Lá No Começo (Ou Descomeço)





Segundo Martin Heidegger, “o que origina o pensamento é a palavra, e não o contrário”. Françoise Dolto, psicanalista de crianças, em seu livro “Tudo é Linguagem”, corrobora com o pensador alemão, ao reafirmar a primazia e a importância da palavra, que tem na hora do nascimento do ser humano o vagido, como a primeira expressão de comunicação com a mãe.

É durante os primeiros meses de vida que iniciamos a construção de nossa biblioteca mental. Com o decorrer do tempo vamos acumulando palavras nos meandros intricados do nosso cérebro. Algumas delas não nos lembramos mais. São palavras que, de tão bem guardadas ou escondidas, acabaram por nós “esquecidas”. Apesar de não conscientes, estas palavras ainda agem sobre nós, determinando o que somos hoje. O certo, é que temos no nosso cérebro, arquivos acessíveis e inacessíveis à consciência.

O ser humano é nomeado ou recebe um nome antes de nascer. Ele ganha um nome para ser falado ou usado pelo outro ―, seu semelhante. “O ser humano antes de o ser, é essencialmente um ser falado. Ele é falado antes mesmo do seu nascimento” ― já dizia, Jacques Lacan.

Em analogia ao prólogo do evangelho atribuído a João, podemos afirmar: “NO  COMEÇO ERA A PALAVRA...”

Toda essa divagação preambular, foi no sentido de deter-me na sublime arte da poesia, uma vez, que o ato poético é da ordem da palavra. Diz-se do poeta que “ele é o artesão das palavras, que forja o verbo com martelo e bigorna”. Por que não dizer que a poesia é uma centelha divina (dádiva dos deuses ao homem), composta de palavras ordenadas ou desordenadas onde o leitor arranca ou extrai a mensagem singular que irá suavizar a sua realidade amarga.

No filme “Janela da Alma” há uma declaração muito interessante do poeta matogrossense, de Cuiabá, Manoel de Barros. Ele diz: “Eu sou muito abrigado pelo primitivo... Eu acho que o primitivo é que manda na minha alma, mais que os olhos. Eu não acho que entram pelo olho as coisas minhas. Elas não entram, elas vêm, elas aparecem de dentro, de dentro de mim [...]. O olho vê. A lembrança revê as coisas, e é a imaginação que transvê, que transfigura o mundo para o poeta e para o artista de forma geral”.

O poeta, o sonhador, é aquele que consegue enxergar dentro do peito, a criança que foi. É bem nos momentos de solidão que esse filhote imaginário explode, falando, delirando, como se ali estivesse a provocar estremecimentos pueris num corpo já maduro e cansado. O poeta é aquele que faz das palavras o seu brinquedo predileto, é aquele que dentro de si tem uma criança delirando com palavras. Se o poeta é aquele que goza o seu delírio particular, por que não dizer que somos, todos nós, eternos delirantes?!

Aprecio muito os delírios do poeta Manoel de Barros. Foi ele quem, num verso profundamente maravilhoso, traduziu os vagidos infantis inconscientes, aproveitando-se da desconstrução do prólogo Joanino.

Deixe a imaginação fluir, e se detenha, caro leitor e amigo, no significativo trecho poético que fala do nosso começo (ou descomeço):


No descomeço era o verbo
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para a cor, mas para o som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.
(Manoel de Barros)


Site da imagem: faloutchau.com.br

Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 03 de janeiro de 2012

5 comentários:

Esdras Gregório disse...

ha muito tempo ja nao lia nada seu neu caro Levi, pois to precisando, tenho me alimentado mal por ai rsrs, facebook tem muito publico mas ninguém que produza coisa boa sem sensacionalismo, portanto vou ser se participo um pouco das coisas aqui para não atrofiar o celebro rsrs abraços, bom texto como sempre e sua escrita esta cada vez mais clara e agradável,ate parece que tem um editor profissional por trás de voce rsrs daqueles que aperfeiçoa o texto para o publico se deliciar com a leitura rsrs

Eduardo Medeiros disse...

Levi, seu paraibano delirante, teu texto provocará doces delírios em quem o ler escutando a cor do passarinho.

Trouxe até o debandado Esdras de volta...rss

Levi B. Santos disse...

Edu


Será que é o Esdras mesmo que está entre nós, ou estamos todos delirando?

Edu, meu amigo, Ele parece que gastou toda herança intelectual no mundo do Facebook. (rsrs)

Contudo o recebamos com festa, como o pai recebeu o filho pródigo.

Mas há um hino avulso que no meu tempo era muito cantado na igreja. Vou oferecê-lo ao músico Esdras que a orquestra retorna. Substituirei algumas palavras do penoso hino por outras entre parênteses:


Eis a mensagem vinda lá de cima

Para você que desprezou os (seus)

Tu preferiste abraçar o mundo

E não quiseste levar tua cruz.

Lá na (Confraria) que tu congregavas

O teu lugar ainda vazio está,

Mas os (amigos) ainda estão (torcendo),

Estão implorando pra você voltar.



No dia que você foi embora

O Santo Espírito se entristeceu.

Também o som daqueles belos hinos

Que tu cantavas desapareceu.

Lá no coral faltou a tua voz

Faltou na banda o instrumento teu

Hoje a voz (fraterna) te convida

Enquanto tens vida

Volta, irmão meu!

Esdras Gregório disse...

kkkkkkkkkkkkkkk nao precisa bajular, devagar eu to de volta rsrs

Eduardo Medeiros disse...

Levi,

se esse hino tão penoso não comover o coração duro do Esdras, não haverá mais esperança para ele; e restará a nós, ficarmos aqui chorosos com a sua perdição!!