Em
uma entrevista o Alemão, Fritz Buchtger (1903 – 1978),
afirmou: “Eu acho que a música é o
reflexo de um mundo interior de essência espiritual, no qual cada pessoa vive nas profundezas do seu inconsciente. O inconsciente, mansão de
muitas moradas, não é uma única sinfonia. É antes, um tocador de CDs os mais
variados. Muitos são tristes, como a sonata ‘Marcha Fúnebre’ de Chopin”.
Mas
o que tem a ver uma sonata de Chopin, de Beethoven ou de Mozart,
com o nosso mundo psíquico?
Os
estudiosos já chegaram a uma conclusão inequívoca: existe uma relação íntima entre
os afetos humanos e a música.
Alain
Didier, psiquiatra e amigo de Lacan, disse: “Diremos, por hora, que o impacto da música
não é rememorar, e sim comemorar o tempo mítico desse começo absoluto pelo qual
um ‘real’, tendo se submetido ao significante, adveio como essa primeira coisa
humana, no nível da qual, aquilo que era absolutamente exterior ― a música da
voz materna ― encontrou o lugar onde as notas poderão dançar.”
Quem
poderá negar o óbvio, de que em nossa vida de adulto estão a reverberar ou se
repetir movimentos relacionados a fatos de um tempo que se encontra insepulto na aurora do nosso entendimento,
que apesar de não termos dele lembrança, o sentimos lá no nosso mais íntimo
recanto?
A sonata é tão demasiadamente humana, que
os movimentos registrados em sua partitura são expressos por signos que revelam
a intensidade dos afetos humanos. Entre outros, citemos: andante (como o andar
humano); allegro (alegre e ligeiro); adágio (terno e
patético); allegro ma non tropo (alegre, mas não muito); presto
(veloz e animado); grave (divagar e solene); mesto (triste).
Na
consecução dessa sublime música, o compositor cria variações ou movimentos
sinfônicos, em tudo, idênticos ao desenrolar de nossa vida afetiva. Geralmente,
os temas que aparecem no seu começo são repetidos no final. É como se a música
estivesse a nos dizer: “Eu sou o Alpha e o Ômega”.
Assim
é a nossa vida: todos os temas ou movimentos de nosso relacionamento que foram
gravados lá nas nossas origens, aparecem ou se repetem de forma saudosa, quando
evocados no ocaso de nosso périplo por este mundo. As variações que
experimentamos pela vida afora, são, na verdade, recapitulações dos nossos
primeiros passos, de nossas primeiras reações ante um mundo tremendo e
fascinantemente belo. Tanto em nossa vida
quanto nesse tipo de execução sinfônica
caminha uma coletânea de fragmentos indivisíveis e unidos, à guisa de desvelar
a verdade oculta e fugidia, desafiadora das nossas convenções banais.
Os
sentimentos que nos perpassam em nossos relacionamentos de adultos, em analogia
ao que acontece na sonata, estão
incessantemente repetindo alguns aspectos de nossa vida primitiva. Toda empatia
que demonstramos em nosso meio relacional, hoje, foi pela primeira vez
experimentada junto aos nossos pais, avós e mestres. Tudo que ocorre do nosso Éden
Humano para frente, não passa de variações de um tema previamente
gravado em nossa formação biopsíquica.
Na grande teia da partitura constituída pela
família e a sociedade, o “modo particular
de ser” de cada indivíduo, inconscientemente, é trazido para as mais
diversas interações que cotidianamente fluem. E nessa interação, os reflexos de
nossa história de desejos, decepções, medos e alegrias infantis se repetem e se
reciclam com outras nuances ou tonalidades, como na sinfonia clássica. Então,
de uma forma metafórica, podemos dizer que nossa vida é uma SONATA.
Não
custa nada lembrar o que, cientificamente, já foi comprovado: a música tem o
poder de equilibrar o psiquismo em
níveis profundos, apaziguando os “monstros”
e os “anjos” que o compõem.
P.S.:
Convido agora o caro leitor, a uma viagem interior através do
relaxante tesouro melódico ― a sonata “Ao Luar” de
Beethoven
―, executada pelo nosso renomado
pianista, Nelson Freire:
6 comentários:
Levi, "E nessa interação, os reflexos de nossa história de desejos, decepções, medos e alegrias infantis se repetem e se reciclam com outras nuances ou tonalidades, como na sinfonia clássica. Então, de uma forma metafórica, podemos dizer que nossa vida é uma SONATA."
Parece que o que mais ouvimos neste mundo sem Edén, é a Marcha Fúnebre de Chopin.
LEVI
O que tenho descoberto nesses dias é que a razão não dá conta de explicar tudo, e para este "tudo" que ela não explica, como, por exemplo, esta "assombrosa" musica, temos que apenas que contemplar e sentir, e deixar que a musica nos "leia".
Que é que isso, Guiomar!
Você como exímia poeta, sabe muito bem que o monstro sagrado autor da célebre Marcha Fúnebre, foi inspirado pelo que você denomina E.S.
Chopin, como ninguém, soube retratar a alma daquele que perde um ente muito querido.
Através dessa suave e melancólica música, sentimos como se uma parte de nós estivesse sendo arrancada. Todos nós, guardamos um pouco do “poeta maior” em nosso peito, quando reconhecemos que morremos aos poucos, à medida que os do nosso convívio íntimo vão desaparecendo.
Caro amigo e pensador Marcio
Você foi muito feliz ao dizer que a música nos “LÊ”.
Plagiando Pascal, eu diria:
“A música erudita tem mistérios percebidos pelo coração, que a razão desconhece”. (rsrs)
Levi, te assustei? Então, eu tenho razão. O Espírito Santo sabe que a cada dia morremos um pouco. Ele então inspirou o Chopin para suavizar a nossa morte ao som do que tocava mais belo no seu ser. Bendito somos.
Levi, acho que não temos mais como negar que isso seja uma verdade:
Tudo que ocorre do Éden Humano para frente, não passa de variações de um tema previamente gravado.
Quanto a influência da música, vi em algum lugar que o diretor de um presídio pôs para tocar nos alto-falantes da prisão música clássica. O resultado depois de um tempo foi que os presos se mostraram mais calmos e mais tratáveis.
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