Quase
todo o fim de tarde, a meninada juntava-se em frente a minha casa, um
“bangalô” antigo da rua Treze de Maio em Alagoa Grande – Pb, para as irrecusáveis peladas.
─
Quem vai, quem vai jogar pelada hoje?
Quem vai? ― Gritavam os peladeiros.
O campo de jogo era a nossa própria rua, de chão de barro
batido, cheio de pedregulhos, que vez ou outra arrancava unhas e pedaços de
“couros” de nossos pés ao chutarmos a bola de mau jeito. No final dessa rua,
descambando para a Lagoa, ficava a padaria de seu Abdias, onde sempre àquela
hora, exalava um cheiro de pão assando, que nos estimulava o olfato.
Na parte intermediária da rua,
ficava a “venda” de seu João Batista, e no outro extremo a venda de seu Zé
Rufino. Seu João era um homem bruto e muito rigoroso que sempre implicava com a
gente quando conseguíamos convencer os seus filhos - Tota e Pedro Buchudo, a
completar o time pela ausência dos titulares. Estes, eram grossos, e faziam muitas
faltas com os seus pesões de número quarenta e dois.
Dois tijolos, distante um do
outro cerca de dois metros formavam as traves. Vez ou outra, quando faltavam
goleiros, diminuíamos a distância para mais ou menos oitenta centímetros –
era a
“barra oca”. Os capitães, que
tiravam a sorte no par ou ímpar para a escolha dos jogadores, eram Eu e Milton
de Tia Olívia. Assim eram formadas as equipes com quatro ou cinco para cada
lado. Lembro-me bem de alguns astros de pelada, como: Luiz de Mila, Galego de
Seu Tininho, Adolfo de Dona Nevinha, Cristóvão do Zumbi, Antonio da Burra,
Novinho, e meu irmão Davi apelidado de Galo de Raça por Tia Olívia, devido as
suas constantes brigas com o seu filho Milton. É que este último saía sempre
com os olhos marejados de lágrimas para casa, abandonando a pelada devido à
grossura de Davi, no trato da bola. Era quando a minha Tia aparecia à janela de
sua casa, que ficava a dois metros da lateral do campo, gritando:
── Vem galo de raça.... Vem p’ra aqui, p’ra ver
se tu não toma o bonde errado. Eu não sou como tua mãe não. Eu não aliso,
“branco sarará”! Tu sabe bem como eu
sou!
Davi respondia fazendo gestos
provocantes, arremedos e caretas. Não levava desaforo para casa. Rara era a
pelada que não terminava em briga e palavrões sempre envolvendo o Milton, que
tinha o “pavio curto”. Galego, o menor de todos e o mais tímido (talvez por
isso, era sempre escolhido para goleiro), ao levar o primeiro, o segundo e o
terceiro gols, era expulso de campo pelo capitão Milton com intenso bombardeio
de palavras de baixo calão:
─
Tira esta rapariga da trave, essa puta veia não pega nada! “Pia” mesmo, uma
bola desta, bem fraquinha, o infeliz deixa passar. Frangueiro, frangueiro! ―
Deixa a barra ôca mesmo − completava,
vermelho de raiva.
Sempre
que o Galego engolia frangos, eu e meus companheiros de time tentávamos
contornar a briga, implorando ao Milton para que fosse mais condescendente com
o goleiro. Argumentávamos assim: “Olha
rapaz, não foi culpa do Galego. Não deixaram ninguém lá atrás para marcar.
Olha, que a gente não joga desse jeito. A bola vai de pé em pé, não somos
fominha quanto vocês”.
Lá vai o
Milton marcar o Davi, que mais franzino e mais rápido não driblava, mas ficava
ciscando com a bola entre as pernas, terminando sempre por levar uma rasteira. Sempre
que ele derrubava um adversário, uma onda de gritos de gritos surgia: “foi falta..., foi falta.! Pára...., pára!”.
Era quando Milton, a sua maneira, replicava furiosamente:
― Falta não! Não aceito! Esse “bosta”
aqui, só porque o time dele está ganhando, quer segurar a bola sem sair do
canto. Não quer jogar, dá lugar a outro. E assim, terminava mais uma dramática
partida de fim de tarde.
Em outros momentos éramos muito solidários ─, quando após um daqueles tortos
chutões, a bola entrava pelas janelas das casas, quebrando alguns utensílios,
fugíamos juntos em poucos segundos, ficando a rua deserta.
Em uma dessas ocasiões, após um “bicudo”, a
bola entrou pela janela da casa da beata Dona Santa, quebrando o seu quadro do
Coração de Jesus, que estava pregado em local bem visível na parede da sala. Ainda
guardo na memória a nossa carreira desabalada, e a rapidez com que nos escondemos,
sob uma saraivada de lamentos, e “pragas” impublicáveis. Encolhidos, atrás de
um muro cheio de trepadeiras, de longe, ficamos a ouvir os gritos da devota,
totalmente fora de si:
─
Ave meu Senhor do Bonfim, quebraram o meu Coração de Jesus! E agora que vou
fazer? Na certa, foram aqueles
molestados jogando bola!
Por
uma brecha da parede, podíamos ver a velha de óculos na ponta do nariz, saindo
para a calçada, caminhado na rua de um lado para outro, praguejando:
─ Eles vão me pagar, nem que seja nos quintos
do inferno!
Esse grave incidente foi o
bastante para encerrar de forma triste mais uma pelada. Nesse dia Dona Santa
junto com suas amigas que lhe foram prestar solidariedade saíram para se
queixar das mães dos jogadores. Lembro que, Davi (meu irmão) e Eu, apanhamos
“surras”, com “peia” de dar em jumento. Depois da sova veio a sentença: uma
semana sem jogar bola.
Como
éramos fanáticos por bola, esquecíamos rápido, a surra da véspera. Tanto é, que
no dia seguinte já estávamos de novo em outra rua jogando pelada. Noutra
ocasião, fomos mais felizes com o incidente: a bola, mal chutada, entrou por
uma das seis portas da “venda” de Seu José Rufino. Sob intensa correria, ouvíamos
só o tilintar de vidros estilhaçados pela pelota. Achávamos o José Rufino um
cara muito legal, pois não nos prejudicava, nem reclamava os malfeitos às nossas
mães.
Certa
vez, perguntamos a Laerte ―
um dos filhos de Seu José que algumas vezes jogava conosco —, sobre os objetos quebrados pela pelota na
venda de seu pai, naquele dia fatídico A sua reposta nos deu um enorme alívio: Naquele dia, vocês quebraram uns “cascos” de
refrigerantes (guaraná Dore, Sanhauá, Crush e Grapette), que por não valerem
quase nada, papai nem chegou a se ligar.
Depois soubemos que Zé Rufino era
doido por futebol. Não perdia um jogo do seu time, o Tabajaras Futebol Clube,
nas tardes de domingo. Enfim, tínhamos encontrado a razão pela qual ele não
reclamava das bolas que involuntariamente eram disparadas contra sua mercearia.
Já com as donas de casa, a conversa era outra: com facas bem amoladas e com ar
zombeteiro, cortavam a bola em duas metades, jogando-as bem no nosso nariz. O careca Zé Rufino não tinha este
descabimento. Gostando de futebol como ele, seria um enorme pecado não devolver
a pelota intacta, mesmo quando a danada se encontrava suja de lama do esgoto da
rua, que descia beirando as calçadas. Só penso que o danado do Zé, era bondoso
conosco, porque em sua imaginação, devia ver nos peladeiros de rua, os futuros craques
do seu idolatrado Tabajara. E não é que um dos seus filhos, o Carlinhos, veio a
ser, anos depois, um dos mais afamados atacantes do seu Time de coração ─, safra das nossas tão saudosas
peladas?!
Por Levi B. Santos
3 comentários:
hehehehehe ri a valer e lembrei dos meus irmãos, que escondido, levavam suas meias para fazer pelotas e chegavam com aquelas topadas terríveis no dedão do pé.
Este era um grande pecado que meus pais não conseguiam jamais fazer meus irmãos parar de cometer. Ainda bem que não tinha vizinhas reclamando das boladas..
Você teve uma vidinha bem parecida com a nossa. rsrs
Bem Lembrado, Guiomar
Ainda peguei esse tempo de bola de meia. Ela era realmente um suplício para o dedão do pé direito.
Tempo bom aquele, hein? (kkkkkkk)
Beleza, Levi. Mas rapaz, você tem uma memória e tanto, hein? Lembra nomes e apelidos!! lembro-me muito pouco dos nomes dos colegas de pelada da minha época de garoto. Sou um pouco ruim de cabeça com nomes!!
A maior tortura que nós, peladeiros mirins, podíamos sofrer, era ver a bola sendo rasgada ao meio por algum vizinho mau humorado...rssssss
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