Foi
lendo a “A
Essência do Cristianismo” ― maior obra, de Ludwig Feuerbach (1804 ―
1872) —, ainda hoje muito polêmica, que pude compreender o “por quê” de Freud
(1856 ― 1939) ter dedicado tanta afeição e reverência a este discípulo de Hegel,
a ponto de o considerar seu filósofo por excelência. Se Freud foi o pai da
psicanálise, porque não dizer que Feuerbach foi o avô desse campo da
investigação da psique humana?
A
antológica obra de Feuerbach, publicada pela primeira vez em 1841, continua muito
atual e, muitos dos seus conceitos são objetos de análises no campo das
ciências humanas.
Nesse
fenomenal livro há um capítulo emblemático que despertou a minha atenção de
forma especial ― o de número VII ―, que consta de oito páginas, o qual versa
sobre o “Mistério da Trindade e da Mãe
de Deus”. Talvez, a minha militância
no meio protestante, durante a minha meninice, tenha influído em maior grau no
desejo de devorar com avidez o denso livro desse humanista, filósofo e
antropólogo alemão, nascido em Heidelberg ― Alemanha.
Não
resisti, e resolvi trazer à tona alguns trechos em que ele descreve com uma
perspicácia incomum, como o religioso percebe dentro de sua essência psíquica o
que se convencionou como o “Mistério da
Trindade”.
Esse
inteligente autor, tão combatido pela elite religiosa do seu tempo, revela
verdades profundas da psique, tanto do católico, quanto do protestante;
conteúdo que transcrevo aqui, retirado das páginas 96 e 97 da recente tiragem
do livro pela Editora Vozes (2007) ― edição, ao que parece, já esgotada:
“O filho (refiro-me aqui
ao filho natural, humano) é em si e por si um ser intermediário entre a
essência masculina do pai e a feminina da mãe, é ainda meio homem, meio mulher,
não tendo ainda a consciência autônoma total, rigorosa, que caracteriza o homem
e que se sente mais inclinado para mãe do que para o pai. O amor do filho pela
mãe é o primeiro amor da essência masculina pela feminina. O amor do homem pela
mulher, do jovem pela moça recebe a sua consagração religiosa (a única
verdadeiramente religiosa) no amor do filho pela mãe. O amor do filho pela mãe
é o primeiro anseio, a primeira submissão do homem à mulher.
Por isso a idéia da Mãe
de Deus está necessariamente unida à idéia do filho de Deus ―
o mesmo coração, o de um filho de Deus necessita de uma mãe de Deus. Onde
existe o filho não pode faltar a mãe, o filho é inato ao pai, mas não o pai
para o filho. Por que Deus o filho só se tornou homem na mulher? Por que outro
motivo a não ser pelo fato ser um anseio pela mãe, pelo fato do seu coração
feminino, carinhoso só ter encontrado a sua expressão correspondente num corpo
feminino? Na verdade o filho permanece, enquanto homem natural somente durante
nove meses sob a proteção do coração feminino, mas indeléveis são as impressões
que ele aqui recebe; a mãe nunca sai da mente e do coração do filho. Por isso,
se a adoração do filho de Deus não é uma idolatria, também não é a adoração da
mãe de Deus uma idolatria. Se devemos reconhecer o amor de Deus por nós pelo
fato dele ter sacrificado para a nossa salvação o seu filho unigênito, o que
ele mais amava, podemos reconhecer ainda mais esse amor se um coração materno
palpita por nós em Deus[...].
[...] O protestantismo
deixou de lado a mãe de Deus; mas a mulher preterida vingou-se seriamente dele [...].
[...] O antropomorfismo é certamente disfarçado ao ser excluída a essência
feminina, mas só disfarçado, mas não anulado. Certamente não tinha também o
protestantismo nenhuma necessidade de uma mulher celestial, porque acolheu de
braços abertos a mulher terrena. Mas exatamente por isso, deveria ser
suficientemente coerente e corajoso para, junto com a mãe, abandonar também Pai
e Filho”.
Foi
com sua Trindade bem humana que Feueurbach
demonstrou que os afetos (essência) entre “filho-mãe-pai” estavam divinizados
no homem. Para ele a Trindade reunia
as qualidades ou capacidades psíquicas do UNO, consideradas separadamente. Freud,
na formulação do “Complexo de Édipo”,
se valeu da mesma “essência”
Feuerbachiana para mostrar o quanto o ser humano ocidental em seus primeiros
momentos de vida encontra-se alienado a mãe para, em uma etapa posterior, se
tornar ambivalente com fases ora de submissão ora de hostilidade, ora de amor e
ódio ao pai.
Quem
já foi criança guarda lembranças, nem que sejam tênues, do reino dessa Trindade
“Pai-Mãe-Filho”, onde as fantasias e
mentiras bem pregadas suplantavam as dores
dos castigos e das proibições.
Por Levi B. Santos