Foto do Club Recreativo 31 ― Alagoa Grande ― Construído em 1920
Sempre
que acontecia baile no clube recreativo 31
de minha cidade natal ― Alagoa Grande (brejo
paraibano), sem ser convidados, lá estávamos nós no parapeito de uma das janelas
brincando de arremessar bolinhas de papeis, apostando quem acertava mais as
cabeças dos casais que dançavam no majestoso salão da famosa agremiação.
Sentíamos excluídos daquele ambiente em que uma classe rica dançava sem
perceber ao menos que existíamos. Até ríamos de nós mesmos, por nos vermos imaginariamente
dentro do recinto pedindo a mão daquelas ricas meninas para dançar e sendo por
elas humilhados, rindo de nossas caras.
Não
sabíamos que estávamos, ali, exercendo a nossa gozação: era como se lá das
profundezas do inconsciente, uma voz estivesse a nos dizer: “são
seus alvos, acertem neles!”. Quem sabe se nesse atirar de bolotas de
papel não estaríamos à procura dos nossos próprios corpos nos corpos alheios
que dançavam ao som de belíssimos boleros executados pela grande orquestra paraibana,
Tabajara,
do inesquecível maestro Severino Araújo.
A
minha patota, pela incapacidade de enturmar-se com os rapazes e as moças
dançarinas, se via excluída de gozar as “delícias” daquela festa. Jogar peteca
nas cabeças dos dançarinos era uma maneira de compensar a nossa baixa
auto-estima. Ao mesmo tempo, ali, nas pontas dos pés, agarrados ao gradil da
janela, sem nem perceber a frieza da madrugada, o nosso grupo conquistava um
lugar no mundo — o de reagir sem ser
visto.
Está
certo a psicanálise, quando diz: “contestar ou criticar, não deixa de ser uma
maneira de conquistar um lugar ao sol”. Quando também afirma: “O
homem necessita das excitações exteriores para agir. Em outras palavras sua ação é
no fundo uma reação.”
E
não é que comecei a perceber àquela massa esfuziante da sociedade como
ridícula?! Naquele tempo nada sabia de Freud, para, pelo menos entender que
me tornara um crítico destrutivo.
Eles (os de dentro do clube) eram, naquela ocasião, a minha instância crítica.
Comecei a achar àquela empolgação dançante regada a uísque, uma farsa. Ali,
senti desprezo pela facilidade com que muitos se entregavam a frivolidade.
Guimarães
Rosa narra de maneira impar o “jogo dos dois espelhos”, representativos do querer e do não
querer, contidos em nosso ser ambivalente, se não vejamos:
“Os dois espelhos — um de parede e outro de
porta lateral, em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por um
instante, foi uma figura, perfil humano desagradável ao derradeiro grau,
repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto,
eriçamento e espavor. E era — logo descobri... era eu, mesmo!. ― O senhor acha
que algum dia eu ia esquecer essa revelação?.”
Mas
a revelação “Guimarães-Rosiana” me
diz que o adolescente que não conseguia se
entrosar com os de dentro do clube, ainda existe escondido num porão secreto de
minha psique. Às vezes ele se manifesta contestando os avanços insossos da
modernidade; outras vezes, esse
adolescente rebelde, até parece pertencer a um grupo avesso à sua família
originária, querendo se afirmar como independente. De certa forma, ele continua
atirando petecas de papeis nas cabeças dos que não fazem parte de seu grupo — uma
maneira de, pelo menos em fantasia, reviver o prazer de bater naqueles que,
ilusoriamente, não lhe davam bolas, lá no “gueto festivo” do Clube 31.
A exclusão que cultivávamos era percebida
reativamente sob a forma de
ressentimento, como se nela estivesse encerrada a condição que considerávamos
perfeita de olhar o mundo, tudo, porque nos esquecíamos de olhar o lado avesso
― coisa que uma sutil pergunta poderia
revelar a cada um do grupo a que pertencíamos ―, tipo: ”Eles são ridículos porque nos
excluem, ou somos excluídos por não enxergamos o ridículo que há em nós?”
Por Levi B.
Santos
Guarabira,
07 de setembro de 2012
3 comentários:
jogando bolinhas de papel na "elite", Levi?? Quando jogamos bolinhas na elite estamos atacando a elite enquanto elite ou estamos atacando a nossa infelicidade de não sermos elite??
Caro, Edu ― Pastor da “Logos e Mithos”
Levando o tema para onde mais você lida e gosta, não custa nada lembrar o que disse o barbudo Nietzsche em seu conflito interno, já experimentando a “auto-imolação” psíquica:
...como eu poderia suportar a frustração de não ser Deus? (rsrs)
A exclusão perpetrada pela elite é horrível. Ainda mais a elite de antigamente em que os clubes excluíam a pessoa baseando-se no status, etnia, reputação moral e poder econômico. Tais lugares eram considerados importantes só porque eram frequentados pelas famílias da alta sociedade local.
Como valorar uma situação dessas sem levar em conta a responsabilidade maior daqueles que estão por "cima"? E, sendo assim, o ato de jogar bolinhas, não deixa de ser também um tipo de reação, algo que Marx a seu modo explicaria como sendo produto da "luta de classes".
É certo que nem tudo se explica apenas por este prisma. Os aspectos psicológicos muito bem abordados no texto são bem pertinentes, sendo certo que nem todos os jovens desenvolveram o mesmo sentimento contra a elite.
Agora fica aí uma pergunta para pensarmos. Como será que Jesus reagiria numa situação dessas? Como ele pode ter se posicionado quando deixava a poeirenta cidadezinha de Nazaré e caminhava pela vizinha Séforis ou mesmo nas festas de Jerusalém e encontrava os ricos nos seus banquetes?
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