Na Gastronomia é comum se dizer: “o melhor fica para o fim!”. E isso
eu comprovei em minha infância, quando nos almoços festivos dos domingos na
casa de minha mãe, sempre deixava a moela e as gemas cozidas de galinha caipira
para serem degustadas no final da refeição. Por sinal, a minha primeira neta, Ana
Gabrielle, de 6 anos de idade,
já incorporou esse costume ancestral de nossa cultura.
Dito isto, trago o ditado em pauta, para ser
inserido no campo da Literatura, uma vez que é bastante comum, os ensaístas
colocarem o melhor de seus textos no desfecho do livro, como se estivessem
guardando para o final o melhor de sua lavra para apreciação do leitor.
Foi lendo a coletânea de ensaios reunidos no livro “Contra Um Mundo Melhor” (Editora LeYa) ― do filósofo, psicanalista e colunista da Folha de
São Paulo — Luiz Felipe Pondé, que pude corroborar o aforismo gastronômico,
“Do Melhor Fica Para o Fim”.
Achei todos os ensaios do autor,
maravilhosos. Ele nada contra a maré das fórmulas e manuais de felicidades tão
em voga na mídia, quando diz no prefácio do seu livro: “Sou cético e carrego comigo uma sensibilidade trágica. Por que? Porque
o que nos humaniza é o fracasso. Tenho medo de pessoas muito felizes”.
Como que confirmando o ditado
popular aqui ventilado, foi o último
dos seus ensaios, com o título — “No Sinai” —, que despertou em mim uma
maior empatia. Ele se encontra dividido em três partes e, dentre os três capítulos,
de novo, em harmonia com o adágio popular, “fiquei com a última parte”, que passo
a reproduzir, para a degustação daqueles que amam a boa literatura.
NO SINAI (parte III)
Nunca
deixei de ser filosoficamente ateu. A passagem da condição de ateu para a de
não ateu (não sou propriamente religioso) se deu assim como quem sai de casa
num dia ensolarado e é apanhado por uma tempestade. Mas, apesar de ser uma
tempestade tão concreta quanto a chuva, só aprendi a nomear sua substância quando
fui á tradição: trata-se daquilo que muitos místicos chamaram de misericórdia. Às vezes, preciso fugir para um abrigo para
respirar. Quando olho à minha volta, vejo estranha misericórdia sem causa a
escorrer pelo céu. E por alguma razão que desconheço, o cético e trágico que
sou é obrigado a contemplar isso contra todas as faculdades intelectuais e
volitivas que me constituem. Sou apenas alguém que, sem até hoje saber a razão, passou a ser
constantemente visitado — no sentido mais comum que a expressão tem, por exemplo, na tradição do
cristianismo ortodoxo — pela sensação de que o mundo é sustentado pelas mãos de
uma beleza que é também presença que fala.
Passei
a estudar textos místicos para entender o que acontecia comigo. No fundo, para
não me sentir só. Nesse sentido é que, dentro da sorte que sempre tem marcado
minha história de vida, encontro pessoas, assim como eu, descontentes com seus
“grandes números” e sua banalidade. Saúdo assim a voz de todas as pessoas de
boa vontade à minha volta, como quem ouve a beleza da misericórdia, escorrendo
por suas palavras e letras, que inunda o mundo. Vejo, com estes meus olhos
feitos de pó, esta beleza contemplar meu vazio. Nesse momento, sinto-me no SINAI, o gosto do deserto na boca e nos elementos naturais à minha volta,
que anunciam o fim de tudo que existe, e a força da graça que transforma o nada
em matéria e espírito. (Luiz Felipe Pondé)
Por último, trago aqui uma palhinha de Felipe Pondé no programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, onde ele fala sobre Preconceito, Religião,
Moral, Fundamentalismo e conceito filosófico de Deus:
P.S.:
Por incrível que pareça, o vídeo postado tem no seu FINAL a parte mais empolgante, em consonância com o adágio
que diz: “O melhor Fica Para o Fim”
Guarabira, 29 de agosto de 2012
Site da Imagem: luizfelipeponde.wordpress.com
9 comentários:
Realmente, o quê nos humaniza é o fracasso!
Realmente, o quê nos humaniza é o fracasso!
É isso aí, meu nobre colega Arivânio
O sucesso faz com que do alto enxerguemos os outros no andar inferior do edifício da VIDA.
Os erros e fracassos nos fazem descer do pedestal imaginário para nos tornar mais humanos. São as decepções, angústias e tombos em nossa caminhada que nos fazem ver que nunca seremos nem estaremos plenamente realizados.
Abraços, e apareça sempre nesse recanto.
O fracasso quebra as nossas ilusões sobre nós mesmos, trazendo-nos para a realidade. Bom é quando o ser humano se abre para aprender com os fracassos. A profundidade do poço muitas das vezes pode variar conforme a dureza de cada um em reconhecer os próprios erros. Abraços.
Muito bom, Levi. Fui lá no youtube e baixei as outras partes do programa para degustar melhor esse papo legal.
E por alguma razão que desconheço, o cético e trágico que sou é obrigado a contemplar isso contra todas as faculdades intelectuais e volitivas que me constituem.
O Mistério que nos impele, que nos fascina, que nos faz olhar outros tons de cores na existência além do monocromático que a razão nos impõe diante da volatividade da vida.
p.s. Saiba, ó príncipe dos escribas blogueiros, que você está no grupo no face Logos e Myhtos. Lá é uma extensão da nossa igreja querida blogal. Apareça, seu dízimo é importante para nós...rsss
Sou apenas alguém que, sem até hoje saber a razão, passou a ser constantemente visitado — no sentido mais comum que a expressão tem, por exemplo, na tradição do cristianismo ortodoxo — pela sensação de que o mundo é sustentado pelas mãos de uma beleza que é também presença que fala.
Levi meu caro esta sensação nos abrasa o tempo todo e se não descermos do pedestal fica difícil de sentir.
Edu e Gil
O “filosoficamente ateu”, Luiz Pondé, tem colocações que deixam muita gente desarmada. O que vocês acham dessa, que republico abaixo? (rsrs):
Pouco importa ser ou não ateu.
... O temperamento (o acaso de você ter nascido "assim ou assado") é quase sempre o juiz do comportamento humano e não "valores" religiosos ou éticos seculares (não religiosos) .
Pouco importa ser ou não ateu.
... O temperamento (o acaso de você ter nascido "assim ou assado") é quase sempre o juiz do comportamento humano e não "valores" religiosos ou éticos seculares (não religiosos) .
Levi eu concordo com ele quando usa a palavra "quase sempre" não necessariamente sempre. Os "valores" sejam eles quais forem podem alterar o acaso ou intensificá-lo.
O filosoficamente ateu se rende ao místico às vezes rsrs... Creio que o temperamento sim, se sobrepõe ao juízo de valor religioso ou moral,o que torna irrelevate, neste contexto, o 'ser ou não ateu'.
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