12 agosto 2012

Eu Não Olhei Sinhá




Do CD lançado recentemente por Chico Buarque de Hollanda em parceria com João Bosco, uma canção me tocou profundamente. No dolente samba quem narra suas dores é o próprio escravo que, sentenciado a ter o corpo talhado, pede clemência ao seu senhor. Na última estrofe de "Sinhá", Chico, o artista de olhos claros, herdeiro dos Buarques de Hollanda, e ao mesmo tempo sogro de Carlinhos Brown, avô de netos sarará, como que fundindo-se com a ficção poética, faz uma magnífica construção introspectiva:

E assim vai se encerrar/ o conto de um cantor/ com voz de pelourinho/  e ares de senhor/  cantor atormentado herdeiro sarará/ do nome e do renome/  de um feroz senhor de engenho/  e das mandingas de um escravo/ que no engenho enfeitiçou sinhá.


O escravo, coitado, que chora em Iorubá mas ora por Jesus, na descrição do escritor e jurista pernambucano Joaquim Nabuco tinha a sua moral estribada no medo e, não podia venerar seus deuses africanos, rendendo-se a exterioridade dos ritos católicos impostos a ferro e fogo, cujo Deus era o barro, cujo Jesus era o crucifixo, e o tronco do pelourinho o inferno sagrado de seus suplícios.

A historieta musicada e magistralmente  inspirada do velho Chico merece ser escutada. Tudo começa quando Sinhá, mulher enérgica de um ciumento marido/senhor, no seu banho de açude  é surpreendida pelo olhar "involutário" do seu negro capataz de "confiança". 

Guarabira, 12 de agosto de 2012
Site da imagem:  metamorfoseonline

2 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Bem interessante.

E nas velhas senzalas, debaixo de muito sofrimento e exploração do trabalho praticada pelos sinhôs, formaram-se as tradições populares afro-brasileiras hoje tão valorizadas culturalmente e curiosas pelo seu sincretismo, das quais a carioca Umbanda seria uma das filhas gerada em tempos republicanos.

Segundo Leonardo Boff:

"O nome Umbanda é carregado de significação. É composto de OM (o som originário do universo nas tradições orientais) e de BANDHA (movimento incessante da força divina). Sincretiza de forma criativa elementos das várias tradições religiosas de nosso pais criando um sistema coerente. Privilegia as tradições do Candomblé da Bahia por serem as mais populares e próximas aos seres humanos em suas necessidades. Mas não as considera como entidades, apenas como forças ou espíritos puros que através dos Guias espirituais se acercam das pessoas para ajudá-las. Os Orixás, a Mata Virgem, o Rompe Mato, o Sete Flechas, a Cachoeira, a Jurema e os Caboclos representam facetas arquetípicas da Divindade. Elas não multiplicam Deus num falso panteísmo mas concretizam, sob os mais diversos nomes, o único e mesmo Deus. Este se sacramentaliza nos elementos da natureza como nas montanhas, nas cachoeiras, nas matas, no mar, no fogo e nas tempestades. Ao confrontar-se com estas realidades, o fiel entra em comunhão com Deus."

Eu, embora não siga e pouco me identifique com a Umbanda, busco oportunidades para transmitir os profundos significados do Evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo em todas as línguas e religiões. Daí penso ser importante que as boas novas tornem-se acessíveis também em língua iorubá, ao invés dos cristãos criarem incompatibilidades culturais conforme inúmeras igrejas evangélicas e vários padres (principalmente os da renovação carismática) ainda continuam fazendo por aí.

Abraços.

valdo disse...

olá meu professor , gostaria de saber em que parte da musica vc consegue entender que ele é um capataz ?
r vc poderia me explicar o que ele quis dizer em :
Eu estava pra Xerém .
E como vc sabe que ele chora em Lorubá ?
fico muito grato se vc me responder
Desde já Obrigado