Nas quatro vezes que a vi em minhas visitas na UTI
do Hospital Regional de Guarabira – Pb, pude perceber que a fuga do tempo havia
parado para ela. Um relógio na parede marcava as horas para mim, não mais para
ela. Para minha mãe que exibia um aspecto tranqüilo, como nunca tinha visto nas
últimas semanas, aquele relógio de parede andava inutilmente. Ela, pouco tempo
antes de morrer, ante a minha fala sussurrada ao pé do seu ouvido, disse um
tremulante “Não”, em resposta a minha
pergunta, “se queria voltar para casa”.
Nessa hora solene não havia canção, nem arpejos de qualquer instrumento musical.
Só silêncio. Foi naquele ensurdecedor silêncio que pude perceber que dali ela
não mais sairia para o seio da família.
Ali, de pé, olhando seu corpo quase inerte, pude
perceber pelo seu semblante que o amargo poço das coisas passadas tinha
evaporado, e aquilo que mais desejava em seu íntimo estava bem perto de
acontecer. Subitamente senti que seus terrores antigos tinham caído por terra;
os pesadelos enfim afrouxaram, abrindo espaço para os sonhos sublimes que por
tanto tempo alimentaram a sua alma.
Seu semblante, ali, no ambiente frio e silencioso
da UTI falou mais alto como se estivesse a revelar que nada mais absolutamente
lhe interessava. A tranqüilidade que irradiava em seus últimos momentos
fazia-me entender que já não tinha mais pressa de retornar à velha casa em sua
querida cidade.
Bazinha (26/06/1926 — 13/08/2012) partiu porque não
havia mais estrada a percorrer, deixando somente a imorredoura saudade nos
corações dos filhos, noras, genros, netos, bisnetos e amigo(a)s.
Adeus, Velha
Guerreira...
Guarabira, 14 de agosto de 2012
10 comentários:
Força aí, meu amigo guerreiro!
Quando chega o momento de partir, muitos percebem em seu íntimo. Talvez até entre os que não se mostram "conscientes".
Enquanto o misterioso fôlego de vida encontra-se em nossos corpos, o desejo de nos movimentarmos permanece forte.
Desejo-lhe conforto nesta hora e acredito que ainda tem muita estrada nesta vida.
Abraço fraterno.
Força amigo! Ela Cumpriu seu Dever aqui na terra . Mãe,avó e uma pessoa muito boa,apesar de puco contato que tive pois foi vizinha do meu pai. Que o Criador o coloque em um bom lugar...
Caros Rodrigo e Nel Santos
A dor da separação daquela que nos deu os primeiros alentos, nos deixa um vazio intenso.
Como esse tipo de perda faz parte da vida, só nos resta, mesmo com o coração cheio de saudades, olhar para a frente e caminhar, caminhar, até que chegue a nossa vez.
Abraços,
Levi, você disse tudo de forma poética e realista:
partiu porque não havia mais estrada a percorrer
Vivo também essa expectativa, meu amigo, de ver minha mãe a cada dia ser abatida pelo Alzaheimer.
Ela também em breve irá para onde sempre quis ir: para os braços do seu amado Jesus.
Faço ideia, Levi. A morte prematura de meu pai ainda na infância trouxe-me um sentimento que me deixou sem chão por um longo tempo. Foi uma dor mais forte do que a perda dos avós, algo que só ocorreu na minha fase adulta.
Meses atrás você compartilhou em meu blogue que sua mãe preferiria morrer partir em casa e não na fria sala de um CTI, mas lendo este seu relato, verificoq ue até disso ela se desapegou.
Confesso que não gostaria de partir num hospital, mas, por outro lado, reconheço ser mais fácil desta maneira pensando no bem dos que ficam depois da partida. Digo por causa das questões burocráticas.
Não tem nem um ano que as duas avós faleceram e ambas estavam hospitalizadas. A avó paterna deixou-me repentinamente enquanto que a mão da mamãe padeceu por vários dias em seu leito.
A saudade fica e a maneira como somos consolados ocorre na própria caminhada com novas conquistas e a felicidade dos descendentes.
Mais uma vez meus sentimentos, Levi e força aí nesta caminhada que talvez tenha muitos quilômetros pela frente.
Abraços e boa semana!
Edu,
Que dor tem sido esta que você suporta ao ver sua mãe sofrer de um problema que torna a pessoa inconsciente.
Foi quase a mesma coisa que passei com o meu avô durante anos. Lembro muito bem quando fui visitá-lo em meados de 2000, na mineira cidade de Juiz de Fora. Foi chocante aquele dia em que ele mal me reconheceu e já não conseguia mais manter um diálogo. Pois seu corpo ainda animado despertava amis ainda as lembranças boas e ruins que focaram arquivadas na memória, antecipando a saudade e trazendo a tona os mais desagradáveis sentimentos dos males não reparados que pratiquei em minha adolescência.
Força aí! Que Deus abençoe sua mãe e nunca deixe de orar pela saúde dela. Creia e entregue tudo nas mãos do nosso Pai Celestial em nome de Jesus.
Edu e Rodrigo
Por falar em Alzheimer, lembro do que um médico dono de uma clínica me contou. Ele tinha entre os seus pacientes uma mulher idosa com este tipo de doença degenerativa cerebral.
O médico, todo santo dia via o filho visitar sua mãe mais de uma vez. Um dia encontrando-o em meio ao corredor do Hospital, resolveu fazer-lhe uma pergunta:
“Meu amigo, se você sabe que sua mãe perdeu a memória e não mais lhe reconhece, porque razão, você sai de seu emprego todos os dias para visitá-la?
Ao que ele prontamente respondeu:
Doutor, é certo que ela não mais me reconhece, mas eu sei quem ela é
Foi bem certeira a resposta fdo visitante. Acredito que tenha sido por isto que continuei visitando meu avô durante os quase cinco anos em que ele permaneceu inconsciente.
Levi, impossível não chorar, apesar da sua dor, o que me alegrou o coração foi a tranquilidade comprovada por você, que invadia o ser dela. Lembrei-me da palavra: "Preciosa é para o Senhor a morte dos santos".
Que Jesus, para quem ela foi, lhe prepare o reencontro na eternidade, após você percorrer completamente a sua estrada.
Perdoe-me por não haver compartilhado da sua dor, quando sua mãe partiu, mas só hoje fiquei sabendo. Abraço meu amigo.
GUI
Pouco tempo depois da morte de minha mãe, enviei a carta abaixo à Revista Veja, a qual foi publicada na secção “LEITORES”, em referência a um artigo de Capa desse periódico – que discorria, na época, sobre a ORTOTANÁSIA (Caso em que o doente decide morrer):
“Há poucos dias, eu, aos 66 anos de idade, como médico aposentado, vivi um drama quando assistia, em domicílio, minha mãe de 87 anos, portadora de um quadro clínico irreversível. Ela expôs a vontade de abandonar, como abandonou, os sete medicamentos que vinha tomando, alegando que seu viver não tinha mais sentido diante de tanto sofrimento. Disse-me que, a partir daquele momento, estava tudo entre ela e Deus, e que deveriam respeitar sua decisão. Fiel ao juramento que fiz ao término do curso de medicina ― o de utilizar todos os recursos para aliviar o sofrimento dos doentes ―, decidi, contrariamente a sua vontade, levando-a ao CTI de um Hospital. Lá, ela ficou monitorizada por dois dias. Tranquilizou-me perceber que, durante o período de assistência intensiva, a atroz agonia que lhe consumia tinha, enfim, sido aliviada, apesar da ausência dos entes queridos junto ao seu leito. Levi Bronzeado dos Santos Guarabira, PB ”
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