Hipócrates, 400
AC, baseado nos quatro elementos da natureza (Terra – Ar - Fogo e Água), criou os
quatro modelos biotipológicos para enquadrar os seres humanos
• O Melancólico ― seria o sujeito triste,
deprimido, poético e artístico.
•O Fleumático ― seria aquele indivíduo
tímido, lento, racional e coerente.
• O Colérico ― seria o impetuoso,
energético e apaixonado
• O Sanguíneo ― era aquele afetuoso,
alegre, otimista e confiante.
Mas essa coisa de rotular os seres humanos
dentro de instâncias estanques é coisa do passado. Nos idos de 1966, a minha
mestra e psiquiatra, Maria de Lourdes Pereira, em umas de
suas aulas práticas no manicômio Juliano
Moreira, (João Pessoa), quando pagava a cadeira de Psicologia/psiquiatria
disse algo que ficou gravado indelevelmente em minha mente: “Todos nós temos doses dos sintomas das
pessoas rotuladas como loucas. Tudo é questão de grau, não existe essa tal de
normalidade tão sonhada”.
Mas
o que o pai da medicina viu, para incluir os poetas e artistas no rol dos
melancólicos? Seria o melancólico aquele que vive de ilusões?
Os
antigos astrólogos diziam que os melancólicos eram pessoas que tinham sido
atingidas pelo mal de Saturno, caracterizados pela tristeza, o horror, enfim, o
”negro da coisa” ― daí, o nome de “doença da bile negra”. O termo “negro”, aqui
usado no sentido pejorativo, talvez, evoque a primeira dor, o primeiro luto, o
primeiro desamparo.
O
que me levou a fazer esse breve preâmbulo, foi um trecho (diálogo entre um
senhor e uma madame) que li recentemente, de autoria do poeta e cientista dinamarquês, Jans
Jacobsen (falecido em 1885), colocado em destaque na primeira página do
livro — “A Crueldade Melancólica”
—,do psicanalista Jacques Hassoun (1936 ― 1999). O brilhante excerto, que replico
aqui, com os devidos créditos, é uma espécie de “Ode à Melancolia”. Esse afeto
sombrio e cruel tem tudo a ver com o desejo atormentado de encontrar o impossível
que foi perdido em um tempo distante, lá nas nossas origens. Mesmo sabendo que
nada será como antes, procuramos incessantemente esse elo perdido:
― A
senhora não sabe, Madame ― retomou Sti Horg, em voz lenta, aparentemente constrangido e sem saber se devia
falar ou se calar —, a senhora não sabe, Madame, que há no mundo uma sociedade
secreta que se poderia chamar de “a companhia dos ‘melancólicos”? São pessoas que, desde
o nascimento, são diferentes das pessoas comuns; elas têm o coração maior e o
sangue mais vivo, querem e desejam mais, aspiram com mais ardor e suas paixões
são mais violentas, mais ardentes que as do homem comum[...]. Só que buscam na
árvore da vida flores que outros nem imaginam a existência, flores que ocultam
sob as folhas mortas e os ramos ressecados. E os outros, conhecem eles a
volúpia da tristeza ou da desesperança?[...]
— Mas por
quê? — perguntou Maria, dele desviando seus olhos com indiferença. — Por que o
senhor os chama de “melancólicos”, já que, afinal, só pensam na alegria e nos gozos da vida e não
no que é difícil e doloroso?
— Por quê?
— exclamou ele, impaciente e com entonação desdenhosa. — Por que toda a alegria
terrestre é breve e corruptível, falsa e imperfeita; porque a volúpia, apenas
aberta como uma rosa, perde suas folhas como uma árvore no outono; porque cada
prazer soberbo da vida, resplandecente de beleza e em plena floração, no
instante mesmo em que vai apoderar-se de nós, é corroído por um câncer, de modo
que nele percebemos, assim que se aproxima dos lábios, o espasmo da
decomposição[...]. E a senhora pergunta por que os chamo de “melancólicos”, pois toda a volúpia,
uma vez alcançada, muda de rosto e se torna fastio, pois cada transporte de
contentamento é só o último suspiro de alegria, pois toda a beleza é a beleza
que mente; toda a felicidade, uma felicidade que se rompe. (Jans Peter Jacobsen)
O
drama do melancólico é o drama de Sísifo, personagem da mitologia
grega, condenado indefinidamente a levar nas costas um bloco de mármore em
direção ao cume de uma montanha, sem, no entanto, chegar a atingi-la, pois, quando está prestes a conseguir, o bloco escapa de si, rolando para o
precipício. Sísifo fracassa ao não conseguir o objetivo idealizado, e, desamparado, retorna ao ponto de partida para uma repetição sem fim de sua desventura.
Os
poetas são melancólicos na medida em
que retira do seu exaustivo e cruel percurso (ou do seu “sobe e desce da
montanha existencial”), farto material para construir um poema; os escritores, de uma maneira geral também
o são, ao brincar de palavras para não perceber o tempo passar; da mesma forma o
oleiro, que diuturnamente contorna seu
vazio, emoldurando-o em forma de vasos; ou o músico que faz da sua dor um acalanto, ou uma lânguida melodia.
“O
melancólico é uma pessoa que perdeu o amor pela vida, e aspira à morte como uma
bênção” — afirmou o Pai da Medicina. Mas o filósofo grego, Aristóteles, fez um contraponto a Hipócrates(seu contemporâneo), com esta emblemática pergunta deixada no ar: “Por
que razão todos os homens que se dedicaram a poesia ou as artes são
manifestamente melancólicos?”
Talvez,
o desejo de normatizar o que é são e
o que é doentio tenha influenciado o
velho médico a conceituar a melancolia
como um “mal” a ser tratado ou extirpado. Já o
filósofo, aquele que cria e recria o seu "sublime/sombrio", aceitando a bipolaridade dos afetos, não hesita sorver a seiva “bile negra”, o “mal” (a
volúpia da melancolia), para contrastar com aquilo que é rotulado de “bem” (a volúpia da alegria).
Por Levi B. Santos
Guarabira,
27 de novembro de 2013
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