28 abril 2014

O Acachapante Poder do Imperador

 Cadeira Imperial ― Museu Histórico Nacional

Por Levi B. Santos



Faz parte de nossa tradição considerar que, abaixo de Deus, está o Imperador no comando do destino de nossa Colônia. Para confirmar o fascínio que os líderes carismáticos exerciam sobre o povo, o escritor Cassiano Nunes, em seu livro - “Cartas do Povo Brasileiro ao Presidente”, mostra com fortes cores o sentimento de inferioridade dos colonos ante os poderes “divinos” dos imperadores.

Quem estudou História do Brasil, sabe muito bem como os missivistas do tempo de nossa colonização se dirigiam ao Rei. Curvando-se até o chão imploravam “A nossa esperança está primeiramente em Deus e depois em Vossa Excelência”. A sentença era certeira: qualquer um que duvidasse ou discordasse dos decretos imperiais o destino seria o calabouço.

Mas lá se vão mais de 120 anos, e o rescaldo dessa cultura, de forma aparentemente sutil, ainda permanece enraizada em nosso inconsciente. Hoje, os calabouços funcionam com outras nuances. Os métodos que os reis da Venezuela e do Brasil usam e abusam contra seus opositores podem até não tirar a vida, mas tiram o pão, e castram a alma da vítima, maculando seu passado e seu presente, além da perseguição que brutalmente atinge até os familiares dos inconformados no meio da sociedade.

O Jornalista Adriano Ceolin, em um recente artigo, veiculado pela Revista VEJA desta semana, intitulado ― “Um Grito de Não à Fraude” ― trata do dilema de um servidor demitido sumariamente por mostrar que sua consciência não estava à venda. Diz o autor do texto: “Há dois tipos de servidor público. Um deles serve aos políticos e, por isso, ascende na hierarquia e acumula prestígio e patrimônio rapidamente. O outro serve ao país, enfrenta interesses poderosos e, por isso, muitas vezes passa dissabores no trabalho". Leonardo Rolim sentiu nos ombros o faro de pertencer ao segundo grupo. Segundo o “status quo”, esse técnico de carreira caiu na besteira de corrigir um erro crasso que estimava ser o rombo da previdência em 40 bilhões, ao invés de 50 bilhões, e terminou sendo mandado para a geladeira. O seu superior hierárquico, o ministro da previdência, sob pressão do governo, e para não perder a boquinha, fez essa ignominiosa declaração à imprensa: “O Rolim é um ótimo técnico, mas não é hábil politicamente. O Rolim por não aceitar a FARSA (maquiagem estatística pré-eleitoral - grifo meu) perdeu o cargo".

José Júlio Senna (PhD em Economia pela Universidade de Baltimore, EUA), em seu livro “Os Parceiros do Rei” (Editora Topbooks), mostra que esse vil procedimento vem de muitas eras. “Eras em que os vassalos  dependiam da vassalagem para o próprio sustento, ao passo que os vassalos não podiam prescindir da proteção oferecida por seus superiores".

Institutos de pesquisas, como o IBGE, com oito décadas de existência, vêm sofrendo pressões e mais pressões do governo para maquiar para baixo a taxa atual de desemprego no país. O IPEA, segundo a Folha de São Paulo, forja dados para afagar o ditador “mui amigo”, Maduro, da Venezuela. Aqui no Brasil, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) tornou-se um grande cabide de empregos para os parceiros do Rei. A Petrobrás virou instrumento de arrecadação para campanhas políticas e enriquecimento pessoal, tendo até entrega de dinheiro em domicílio.

A CGU está aí a apontar o Ministério da Saúde como o campeão de desvio de dinheiro nos últimos dez anos. (VIDE LINK). Às barbas do ministro Padilha (aquele do Mais Médicos) funcionava um esquema criminoso que montou um laboratório de fachada  para lavar dinheiro, envolvendo nada mais e nada menos que o vice-presidente da Câmara, segundo o que foi noticiado no mundo inteiro pela imprensa e Televisão.

Há razão demais para entender porque o poder acachapante do Governo não mais admite alternância no posto maior da colônia. O ensaísta J.R. Guzzo, em seu mais recente artigo, elenca os motivos, pelos quais, “o projeto do PT não pode cair”. Diz ele em  “A Casa Não Pode Cair”:

“Em vez de trabalhar para construir um Brasil mais justo, confortável e promissor para os brasileiros, todo o esforço do partido se concentra em não largar o osso do governo. O que muda, se saírem, não é nada que tenha a ver com idéias, princípios ou valores; o que muda no duro, é a sua vida material: Vão se embora 20.000 altos empregos que tem no governo federal. Vão-se embora as oportunidades ilimitadas de negócios com o poder público. Vão-se embora as Passadenas, os mensalões. Ficam as fortunas criadas nos porões da Petrobrás. Ficam as rosemarys, os youssefs e milhares de outros com eles. Ficam o caviar de Roseana Sarney, os jatinhos, os planos médicos milionários. Ficam as diárias de hotel a 8.000 euros. Fica um STF obediente.Mas que tudo, fica garantida a impunidade”.

Pasmem! E vejam a que nível chegou o poder imperial em suas estripulias:

 Segundo a Folha de São Paulo, O PT, na Páscoa, criou um evento para treinar ativistas (um exército digital) a fim de nas redes sociais divulgar ações positivas do governo Dilma-Lula e rechaçar notícias negativas. O PT estadual de São Paulo (com os impostos dos contribuintes) arcará com as despesas das estruturas. LEIA MAIS AQUI


Guarabira, 28 de abril de 2014


17 abril 2014

Lessing e a “Parábola dos Três Anéis”




No dizer de Hannah Arendt em seu livro ―“Homens em Tempos Sombrios” ―, o escritor e poeta Gotthold Ephraim Lessing (1729 ― 1781), considerado o fundador da literatura alemã, “nunca em sua vida se sentiu impedido de travar amizade com um judeu piedoso, um muçulmano convicto e um cristão crente. Qualquer doutrina que, de princípio, barrasse a possibilidade de amizade entre dois seres humanos seria rejeitada por sua consciência livre e certeira. O que lhe interessava era ser amigo de muitos homens, mas não irmão de nenhum homem”.Seu pensar não era uma busca pela verdade, visto que toda a verdade que resulta de um processo de pensamento necessariamente põe fim ao movimento do pensar”.

Lessing, em “Nathan, o Sábio” escreveu o emblemático ensaio ― “A Parábola dos Três Anéis” ―, com o intuito de realçar a sonhada tolerância que, na sua ótica, deveria existir entre as três crenças religiosas ocidentais.

 Nathan – o Sábio, respondendo a pergunta do sultão sobre qual seria a religião verdadeira ― o cristianismo, o judaísmo ou o islamismo ―, narra a história de um pai e seu anel verdadeiro, símbolo do poder:

 “Ao chegar à hora de sua morte, e tendo apenas um anel muito valioso, o pai manda fazer duas imitações do anel legítimo. Os três filhos não conseguindo descobrir o anel verdadeiro chegam a uma conclusão: provavelmente perdeu-se o anel verdadeiro” (Gotthold  Ephraim Lessing)

Nas palavras de Anatol Rosenfeld, Lessing, como nenhum outro literato alemão, “era portador de uma linguagem clara, sagaz e astuta..., e deixou um dos mais preciosos legados que a ilustração alemã deixou aos pósteros.”

Segundo Hannah Arendt, o que o pai dos literatos germânicos queria ressaltar em sua parábola, é que “se um dia existira o anel verdadeiro, ele se perdera. Se o verdadeiro anel existisse, significaria o fim do discurso, e portanto da amizade, e portanto da humanidade”.

A praga do convencimento que cada uma das três religiões ocidentais deseja possuir, vem da falsa convicção de ser, cada uma, portadora do “anel legítimo” ―, fonte de toda querela religiosa. Como disse certa vez, Nilton Bonder (presidente da Congregação judaica no Brasil): “Tanto o convencido quanto o que convence são perdedores. Um dia iremos concordar que só existe um parâmetro externo para definir o “certo” e o “errado”. Certo é qualquer coisa que não queira convencer ou impor a vontade de um sobre outro; errado é a postura do convencimento”.

Hannah Arendt, discorrendo sobre Lessing em sua obra “Homens em Tempos Sombrios”, mostra algo de extremo valor reflexivo para nossa época. Época em que grupos com a mesma afinidade se sentam à mesa para torcer pela “verdade” de seu deus, mantendo distância das pessoas com quem poderiam entrar em conflito.


“A Sabedoria de Nathan consiste apenas em sua presteza para sacrificar a verdade à amizade.” (Hannah Arendt)



Por Levi B. Santos
Guarabira, 17 de abril de 2014

Site da Imagem: educacaopublica.rj.gov

04 abril 2014

Abrindo a Voz Para o Tempo Cantar




 Tornamo-nos adultos, é certo. Entretanto, lá dentro de nós, a criança que um dia existiu não nos abandonou por completo. Ela permanece inconscientemente adormecida, até que algo estimulante do agora ou do presente a faça aparecer. Aí então é quando um passado longínquo nos invade, quase sempre, evocando uma prazerosa nostalgia.

É bom revisitar o passado para entender que o “tempo” é quem fala através do sujeito, como essas duas estrofes da Canção Buarquiana ― “Tempo e Artista” ― tão bem traduz:


“Modelando o artista ao seu feitio
O tempo, com seu lápis impreciso
Põe-lhe rugas ao redor da boca
Como contrapeso de um sorriso”.

“Já vestindo a pele do artista
O tempo arrebata-lhe a garganta
O velho cantor subindo ao palco
Apenas abre a voz, e o tempo canta”.


Como dizem os poetas: “o passado tem sempre algo a dizer ao presente”. Walter Benjamin (1892 - 1940) dizia: “toda a imagem do passado que não se deixe reconhecer como significativa pelo presente a que visa, pode desaparecer”.

Em seus trabalhos, os artistas, os poetas, os filósofos e os psicanalistas, fazem uso do método retrospectivo. São arqueólogos da alma que, ao cavar no terreno inóspito, composto de camadas endurecidas pelo tempo, re-descobrem e re-significam fatos e atos de um passado remoto. E nessa espécie de revisitação são montados os fragmentos do quebra-cabeça, e, instaurado imaginariamente o éden perdido. Winnicott, dizia que “o cientista no silêncio de seu gabinete lê e escreve, pesquisa e cria, no mesmo estado de alheamento e concentração de uma criança que brinca”.

Freud, que se aventurou pelos meandros da mente explorando o ser humano desde seus primeiros vagidos, como uma criança que enfeita seu quarto com brinquedos, colecionava antiguidades. As peças arqueológicas que mantinha sempre à distância de suas mãos eram uma maneira de revisitar o seu passado.  As peças de museus que colecionava queriam significar, acima de tudo, um tempo em que se deleitava com os brinquedos de seu tempo de menino. O velho barbudo, afinal, demonstrou que em algum recanto de nossa mente existem arquivos indeletáveis. Neles, brota o gás que mantém aceso o pavio de nossos desejos utópicos. E quando acessamos esses arquivos, pelo menos em imaginação, retornamos à lugares de nossa tenra infância que nos causaram deslumbramentos e êxtases.

Sobre esses arquivos que produzem o sentimento nostálgico, Rubem Alves, em seu livro,  “Retorno e Terno”, assim se expressou: “Enquanto depender de mim, os campos ficarão lá. Enquanto depender de mim os cerrados ficarão lá. Porque tenho medo de que, se eles forem destruídos, a minha alma também o será”.

Não há nada mais tocante para ativar esses arquivos do que as letras poéticas de certas canções. Elas ainda têm o condão de desafogar a frágil criança interior, levando-nos a formidáveis devaneios. Como um caramujo que ora aparece e desaparece de dentro de sua concha, lá dentro de cada um de nós, de vez em quando, surgem ecos das modinhas inexpugnáveis para lembrar algo que se tinha como perdido: algo como um porão esquecido, repleto de fantasias rotas e pedaços de brinquedos que um dia povoaram nossos sonhos. Sonhos sonhados que impregnaram nossa infância, formatando a maquete dos desejos e das paixões que hoje regem o nosso comportamento de adulto.

O prazer nostálgico seria algo como navegar para trás, como tão bem ressalta a letra da melosa e imperdível canção ―“Xote da Navegação” de Dominguinhos e Chico Buarque, que abaixo reproduzo:



Por  Levi B. Santos

Guarabira, 04 de abril de 2014