17 abril 2014

Lessing e a “Parábola dos Três Anéis”




No dizer de Hannah Arendt em seu livro ―“Homens em Tempos Sombrios” ―, o escritor e poeta Gotthold Ephraim Lessing (1729 ― 1781), considerado o fundador da literatura alemã, “nunca em sua vida se sentiu impedido de travar amizade com um judeu piedoso, um muçulmano convicto e um cristão crente. Qualquer doutrina que, de princípio, barrasse a possibilidade de amizade entre dois seres humanos seria rejeitada por sua consciência livre e certeira. O que lhe interessava era ser amigo de muitos homens, mas não irmão de nenhum homem”.Seu pensar não era uma busca pela verdade, visto que toda a verdade que resulta de um processo de pensamento necessariamente põe fim ao movimento do pensar”.

Lessing, em “Nathan, o Sábio” escreveu o emblemático ensaio ― “A Parábola dos Três Anéis” ―, com o intuito de realçar a sonhada tolerância que, na sua ótica, deveria existir entre as três crenças religiosas ocidentais.

 Nathan – o Sábio, respondendo a pergunta do sultão sobre qual seria a religião verdadeira ― o cristianismo, o judaísmo ou o islamismo ―, narra a história de um pai e seu anel verdadeiro, símbolo do poder:

 “Ao chegar à hora de sua morte, e tendo apenas um anel muito valioso, o pai manda fazer duas imitações do anel legítimo. Os três filhos não conseguindo descobrir o anel verdadeiro chegam a uma conclusão: provavelmente perdeu-se o anel verdadeiro” (Gotthold  Ephraim Lessing)

Nas palavras de Anatol Rosenfeld, Lessing, como nenhum outro literato alemão, “era portador de uma linguagem clara, sagaz e astuta..., e deixou um dos mais preciosos legados que a ilustração alemã deixou aos pósteros.”

Segundo Hannah Arendt, o que o pai dos literatos germânicos queria ressaltar em sua parábola, é que “se um dia existira o anel verdadeiro, ele se perdera. Se o verdadeiro anel existisse, significaria o fim do discurso, e portanto da amizade, e portanto da humanidade”.

A praga do convencimento que cada uma das três religiões ocidentais deseja possuir, vem da falsa convicção de ser, cada uma, portadora do “anel legítimo” ―, fonte de toda querela religiosa. Como disse certa vez, Nilton Bonder (presidente da Congregação judaica no Brasil): “Tanto o convencido quanto o que convence são perdedores. Um dia iremos concordar que só existe um parâmetro externo para definir o “certo” e o “errado”. Certo é qualquer coisa que não queira convencer ou impor a vontade de um sobre outro; errado é a postura do convencimento”.

Hannah Arendt, discorrendo sobre Lessing em sua obra “Homens em Tempos Sombrios”, mostra algo de extremo valor reflexivo para nossa época. Época em que grupos com a mesma afinidade se sentam à mesa para torcer pela “verdade” de seu deus, mantendo distância das pessoas com quem poderiam entrar em conflito.


“A Sabedoria de Nathan consiste apenas em sua presteza para sacrificar a verdade à amizade.” (Hannah Arendt)



Por Levi B. Santos
Guarabira, 17 de abril de 2014

Site da Imagem: educacaopublica.rj.gov

10 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi,

Bem interessante esse conto dos anéis! É certo que cada uma dessas três religiões monoteístas vai sempre reivindicar para si a propriedade sobre Deus, digamos assim. Trata-se de um ponto irremediável, exceto quando a autenticidade do "anel" deixa de estar na sua aparência e passa a ser vista em essência. Aí a joia que cada filho se utiliza (quer seja a Torá de Moisés, o Evangelho de Jesus ou o Alcorão de Maomé) torna-se mero símbolo da Instrução do Eterno. A verdade deixa de estar na letra para ser descoberta na Palavra que motivou a revelação de ada um desses profetas.

Feliz Páscoa!

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo

O “anel verdadeiro” é o que as lideranças de cada ramo monoteísta ocidental deseja possuir para mostrar como trunfo do triunfo sobre as demais.

Mas como dizia Nilton Bonder: Jerusalém se transformou em símbolo do triunfo, e se há algo que a Paz não é...é ser fruto do triunfo.

Foi esse desejo de triunfo teológico que nos últimos dois milênios banhou o oriente de sangue cristão, muçulmano e judeu.

Os três irmãos do pai monoteísta bem que poderiam se contentar com a imitação do anel verdadeiro, para acabar com o maniqueísmo infantilizado de querer ser o filho de que o pai gosta mais.

Esse negócio de Jerusalém é minha ou sua? ― com enquetes pela internet para ver quem é o preferido do pai não aproxima ninguém de ambos os lados. É puro jogo político-dominador.
Bernardo Sorj - PhD em História do Povo Judeu da Universidade de Haifa, diz algo profundamente pungente:

“O Judaísmo moderno, tanto o secular como o religioso tem uma forte tendência a querer legitimar sua existência pela contribuição do judaísmo à cultura universal ― como se o direito de existir dependesse da produção de prêmios Nobel. A nova cultura Israelense mostrou-se limitada tanto em termos de incapacidade de aceitar e integrar a vivência dos judeus da diáspora, como em sua difusão entre os habitantes de Israel. Na prática, o judeu pós-moderno lembra de seu judaísmo só em contextos particulares ― nascimentos e mortes, casamentos e Bar/Bat-Mitzov ― e em momentos especiais de trajetória pessoal. O judaísmo passou a ser, desse ponto de vista, um supermercado cultural-existencial no qual se entra e do qual se sai segundo necessidades circunstanciais, escolhendo, da vasta prateleira de produtos àqueles mais adequados ao momento. O Judaísmo moderno acabou, mas não sabemos como enterrá-lo. [...] Para aonde vamos?” [Judaísmo Pós Moderno e Diáspora – Bernardo Sorj -= Zahar Editora]

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Na verdade, Levi, as pessoas e as religiões deveriam focar nas atitudes e não nesse improdutivo convencimento intelectual do outro acerca das doutrinas de seu respectivo segmento. Já que Abraão, o pai dos três "filhos", já partiu dessa para uma melhor, é preciso reconhecer que judeus, cristãos e muçulmanos têm diante de si desafios comuns para serem alcançados, entre os quais podemos citar: a proteção do meio ambiente, a saúde das pessoas, o controle da criminalidade, o combate da fome no mundo, a escassez de água e de alimentos, o desemprego entre os jovens, etc. Mas não só por causa da divergência de valores e, principalmente pelas lutas de poder, os governantes dos países juntamente com as lideranças religiosas fazem das preleções um discurso de guerra. Por ex., os muçulmanos, ao invés de cooperarem com o planejamento familiar para que não tenhamos uma população muito numerosa, desejam exportar para o mundo novos seguidores de Allah. Muitos deles sonham em tornar a Europa muçulmana daqui algumas décadas. Portanto, urge colocar em prática os bons valores espirituais sendo que, neste aspecto, os anéis são todos iguais em essência.

Levi B. Santos disse...

“Mas não só por causa da divergência de valores e, principalmente pelas lutas de poder, os governantes dos países juntamente com as lideranças religiosas fazem das preleções um discurso de guerra”. (Rodrigo)

Mas o discurso de guerra, Rodrigo é sagrado: “O Deus invocado é sempre o deus dos exércitos” - como é muito citado no V.T.

Todas as três religiões monoteístas são autodestrutivas na medida em que adotam a idéia de que é um dever sagrado combater Satã ― que na imaginação do fiel, está escondido atrás de pessoas que não são do seu grupo.

As recomendações do profeta Zaratustra que viveu no século X a.C de como reagir aos inimigos ainda vigoram com toda força no ocidente. É difícil fugir do maniqueísmo de: ”se meu Deus é verdadeiro, os outros deuses não passam de demônios malignos”.

Quando os profetas de cada uma dessas religiões desejavam ansiosamente matar as suas insatisfações interiores, sonhavam com seus deuses os estimulando a destruir os outros de um deus “inferior”. O poder a honra e a glória pertencem aos deuses guerreiros que de um lado destroi o Iraque e de outro lado destroi as Torres Gêmeas nos EUA.

Estamos fadados a malhar em ferro frio no que tange a extinção do “Conflito Sagrado” que está arraigado no inconsciente coletivo religioso. Zola, que combateu os inimigos de Dreyfus já dizia que o “o ódio é sagrado”, por que na mente humana é percebido como o nutriente que alimenta e sedimenta a “glória” dos deuses.

O que vemos na pós modernidade é o rescaldo do passado medieval em forma mais sutil, onde cada uma das religiões monoteístas apregoam uma falsa coerência de compaixão auto-justificatória, quando na verdade o centro do suposto poder sagrado é legitimar sua própria identidade tribal.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Mas em todas as três religiões há quem caminhe no sentido da paz. De qualquer maneira, Levi, caímos numa questão ainda não respondida por muitos pensadores fora da gaiola. Tentaremos mudar as religiões ou buscaremos a via de trabalharmos fora delas? Eu continuo com a minha Bíblia e não a descarto como uma poderosa ferramenta para mudar o mundo

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Tanto a jihād dos muçulmanos quanto as mensagens sobre guerra na Bíblia podem ser revistas numa releitura conforme novas interpretações.

A partir do momento que passamos a ler determinados preceitos e expressões como registros de uma caminhada evolutiva da humanidade, vamos conduzindo progressivamente a atualização das Escrituras conforme as necessidades do momento.

Levi B. Santos disse...

São inconciliáveis as três religiões monoteístas, Rodrigo!

O cristão prega que Jesus ressuscitou dos mortos e sem ele não há salvação.

O muçulmano diz que o Jesus do Alcorão não é um ser divino, nem muito menos Filho de Deus, Consideram o Messias do cristão um simples profeta filho de Maria e não o salvador do mundo. Afirmam que ele morreu na cruz, mas não ressuscitou.

O judaísmo é unânime em negar a messianidade de Jesus e sua filiação divina.

Como a idéia mosaica de que Deus não pode ser definido claramente, melhor que as três religiões reconheçam o que falou o sábio Nathan na parábola: “Se é que um dia existiu o anel verdadeiro do Pai dos três filhos, esse anel se perdeu”.
Mas mesmo assim a briga continuará, pois cada grupo ficará com a ilusão de que seu anel é o verdadeiro e os dos outros são falsos. Mas é bom que fique claro que Sem competição o jogo religioso não tem graça alguma. (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Mas dentre as três religiões, não haveria no judaísmo uma maior tolerância?

Veja o que o irmão colocou:

"O judaísmo é unânime em negar a messianidade de Jesus e sua filiação divina."

Ora, o fato do judaísmo negar a messianidade de Jesus e sua filiação divina, apenas não o torna receptivo para os cristãos, mas não o torna proselitista quanto à sua confissão. Aliás, há que se considerar que o judaísmo seria a religião menos dependente da confessionalidade dentre as três pois estaria baseado em atitudes.

Por outro lado, o judaísmo não recebe com facilidade um novo convertido, o que não significa uma total recusa, podendo admiti-los no formato de bnei noach.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Vale lembrar que Abraão, tido como o pai das três tradições, soube reconhecer na Divindade Suprema de Melquisedeque, rei de Salém, o seu Deus Único a ponto de ter dado a ele seu dízimo. Neste sentido, o patriarca teria sido mais ecumênico não se julgando o único profeta do Senhor no planeta.

Levi B. Santos disse...

O pai Abraão, segundo você falou, Rodrigo, é mais ecumênico.

Mas aí há um paradoxo tremendo:

Por que O Tribunal Judeu não aceita o casamento entre um judeu e uma cristã, ou entre um muçulmano e uma judia?

Olhando por esse viés, o Tribunal Islâmico é mais tolerante, ao reconhecer o casamento de homens muçulmanos com mulheres pertencentes a outras religiões.

A alegação da Justiça Judaica de que o casamento fora do âmbito religioso poderia “dividir o povo judeu em dois” a meu ver reflete uma atitude arrogante que só faz reforçar ainda mais o anti-semitismo..