05 outubro 2014

O Estado e o Uso do Papel Higiênico



Na França, Luis XIV, apelidado de “Rei Sol” cunhou a célebre frase: “O Estado Sou Eu”, que resumia bem o poder absoluto que encarnava em seu tempo (1638 ― 1715).

É em época de eleições que postulantes a governo dos estados e da presidência do Brasil revestem-se da onipotência presente em Luis XIV. De lá para cá, o espírito que movia o venerado rei Francês, virou uma obsessão irremediável, particularmente, desde os tempos imemoriais da forçada “proclamação da República” pelo marechal Deodoro da Fonseca.

Como é do conhecimento de todos, o Estado Brasileiro se imiscui em todas as áreas de nossa vida, instituindo normas, regras e métodos sobre como viver e se comportar de acordo com o que pensa ser bom e politicamente correto para si.

O Estado, na falsa ilusão de fornecer proteção à população, chega a se meter onde não devia: tentando regulamentar até os hábitos ou preferências do indivíduo. Quando muitos, hoje (dia 05), são obrigados a sufragar nas urnas nomes que mal conhecem para reger seus destinos, nada melhor que ler a última crônica que João Ubaldo fez antes de partir dessa para outra.

A genial crônica desse fenomenal romancista tem por título, “O Correto Uso do Papel Higiênico”. Deixo-a abaixo transcrita para a reflexão do sofrido e idealista eleitor brasileiro que, neste domingo(dia 05), sai da tranqüilidade de sua casa para, segundo as leis do país, exercer seu suposto direito de cidadania:

"O correto uso do papel higiênico"
Última crônica escrita pelo imortal da Academia de Letras, João Ubaldo (1941 ― 2014), publicada no jornal “O Globo” em 18 de julho de 2014:

“O título acima é meio enganoso, porque não posso considerar-me uma autoridade no uso de papel higiênico, nem o leitor encontrará aqui alguma dica imperdível sobre o assunto. Mas é que estive pensando nos tempos que vivemos e me ocorreu que, dentro em breve, por iniciativa do Executivo ou de algum legislador, podemos esperar que sejam baixadas normas para, em banheiros públicos ou domésticos, ter certeza de que estamos levando em conta não só o que é melhor para nós como para a coletividade e o ambiente. Por exemplo, imagino que a escolha da posição do rolo do papel higiênico pode ser regulamentada, depois que um estudo científico comprovar que, se a saída do papel for pelo lado de cima, haverá um desperdício geral de 3.28 por cento, com a consequência de que mais lixo será gerado e mais árvores serão derrubadas para fazer mais papel. E a maneira certa de passar o papel higiênico também precisa ter suas regras, notadamente no caso das damas, segundo aprendi outro dia, num programa de tevê.
Tudo simples, como em todas as medidas que agora vivem tomando, para nos proteger dos muitos perigos que nos rondam, inclusive nossos próprios hábitos e preferências pessoais. Nos banheiros públicos, como os de aeroportos e rodoviárias, instalarão câmeras de monitoramento, com aplicação de multas imediatas aos infratores. Nos banheiros domésticos, enquanto não passa no Congresso um projeto obrigando todo mundo a instalar uma câmera por banheiro, as recém-criadas Brigadas Sanitárias (milhares de novos empregos em todo o Brasil) farão uma fiscalização por escolha aleatória. Nos casos de reincidência em delitos como esfregada ilegal, colocação imprópria do rolo e usos não autorizados, tais como assoar o nariz ou enrolar um pedacinho para limpar o ouvido, os culpados serão encaminhados para um curso de educação sanitária. Nova reincidência, aí, paciência, só cadeia mesmo.
Agora me contam que, não sei se em algum estado ou no país todo, estão planejando proibir que os fabricantes de gulodices para crianças ofereçam brinquedinhos de brinde, porque isso estimula o consumo de várias substâncias pouco sadias e pode levar a obesidade, diabetes e muitos outros males. Justíssimo, mas vejo um defeito. Por que os brasileiros adultos ficam excluídos dessa proteção? O certo será, para quem, insensata e desorientadamente, quiser comprar e consumir alimentos industrializados, apresentar atestado médico do SUS, comprovando que não se trata de diabético ou hipertenso e não tem taxas de colesterol altas. O mesmo aconteceria com restaurantes, botecos e similares. Depois de algum debate, em que alguns radicais terão proposto o Cardápio Único Nacional, a lei estabelecerá que, em todos os menus, constem, em letras vermelhas e destacadas, as necessárias advertências quanto a possíveis efeitos deletérios dos ingredientes, bem como fotos coloridas de gente passando mal, depois de exagerar em comidas excessivamente calóricas ou bebidas indigestas. O que nós fazemos nesse terreno é um absurdo e, se o estado não nos tomar providências, não sei onde vamos parar.
Ainda é cedo para avaliar a chamada lei da palmada, mas tenho certeza de que, protegendo as nossas crianças, ela se tornará um exemplo para o mundo. Pelo que eu sei, se o pai der umas palmadas no filho, pode ser denunciado à polícia e até preso. Mas, antes disso, é intimado a fazer uma consulta ou tratamento psicológico. Se, ainda assim, persistir em seu comportamento delituoso, não só vai preso mesmo, como a criança é entregue aos cuidados de uma instituição que cuidará dela exemplarmente, livre de um pai cruel e de uma mãe cúmplice. Pai na cadeia e mãe proibida de vê-la, educada por profissionais especializados e dedicados, a criança crescerá para tornar-se um cidadão modelo. E a lei certamente se aperfeiçoará com a prática, tornando-se mais abrangente. Para citar uma circunstância em que o aperfeiçoamento é indispensável, lembremos que a tortura física, seja lá em que hedionda forma — chinelada, cascudo, beliscão, puxão de orelha, quiçá um piparote —, muitas vezes não é tão séria quanto a tortura psicológica. Que terríveis sensações não terá a criança, ao ver o pai de cara amarrada ou irritado? E os pais discutindo e até brigando? O egoísmo dos pais, prejudicando a criança dessa maneira desumana, tem que ser coibido, nada de aborrecimentos ou brigas em casa, a criança não tem nada a ver com os problemas dos adultos, polícia neles.
Sei que esta descrição do funcionamento da lei da palmada é exagerada, e o que inventei aí não deve ocorrer na prática. Mas é seu resultado lógico e faz parte do espírito desmiolado, arrogante, pretensioso, inconsequente, desrespeitoso, irresponsável e ignorante com que esse tipo de coisa vem prosperando entre nós, com gente estabelecendo regras para o que nos permitem ver nos balcões das farmácias, policiando o que dizemos em voz alta ou publicamos e podendo punir até uma risada que alguém considere hostil ou desrespeitosa para com alguma categoria social. Não parece estar longe o dia em que a maioria das piadas será clandestina e quem contar piadas vai virar uma espécie de conspirador, reunido com amigos pelos cantos e suspeitando de estranhos. Temos que ser protegidos até da leitura desavisada de livros. Cada livro será acompanhado de um texto especial, uma espécie de bula, que dirá do que devemos gostar e do que devemos discordar e como o livro deverá ser comentado na perspectiva adequada, para não mencionar as ocasiões em que precisará ser reescrito, a fim de garantir o indispensável acesso de pessoas de vocabulário neandertaloide. Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama, precatem-se.”

P.S.:
Fica a cargo do eleitor, advinhar qual candidato (ou candidatos) à presidência da república, tem na alma, a intenção que o texto maravilhosamente revela.

Guarabira, 05 de outubro de 2014

Site da Imagem: tribunadaimprensaonline

3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi.

E aí? Como foi de eleição na Paraíba?

O texto do saudoso escritor é bem pertinente à realidade. De fato é preciso ter bom senso quanto aos excessos das normas jurídicas. Mas, por outro lado, há muitas leis que são justificáveis como a anti-propaganda exposta nas embalagens de cigarro, as preocupações quanto à alimentação saudável das crianças nas escolas e a própria "lei da palmada" que irá ajudar na concepção de um novo modelo de educação/formação dos pequeninos em que os pais precisarão encontrar meios substitutivos de impor limites ao filhos. Vale lembrar que existem abusos como esses do padrasto que mandava a criança comer cebola e fazia outras barbaridades mais com uma menina de 2 anos, como os jornais têm mostrado. Assim, penso que a lei da palmada, mesmo tendo lá algum excesso, ajuda a formar uma nova cultura mais pacífica e racional no trato com o menor. Enfim, há sempre que se avaliar caso a caso.

Um abraço.

Levi B. Santos disse...

A regulação da mídia que o PT quer, Rodrigo, já esta sendo sutilmente feita aos moldes venezuelanos e bolivianos. Quem viver verá a continuação do aparelhamento do estado com a eternização dos grandes amigos do ISIS, do Fidel e do Chavez, no poder.

O texto do João Ubaldo, que rimos como se fosse uma ficção ou piada, no futuro pode se tornar uma realidade, tempos sombrios e tremendos para a geração que nos substituirá.

Pergunta-se:

Como ficará o país com mais 12 anos de cubanização?

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Com mais doze anos de PT, não gosto nem de pensar. Pois é bem provável que teríamos centenas de bilhões de reais desviados e parte dessa grana lavada em Cuba. Talvez depois daquele porto, o Palácio do Planalto investiria na modernização de Havana deixando nossas escolas e hospitais no esquecimento. Isto sem nos esquecermos dos nossos portos, estradas e ferrovias até hoje carentes de investimentos.

O grande problema, porém, seria a nossa economia que já dá sinais de estar perdendo o fôlego. E, se essa tendência se confirmar, será que ainda atrairemos capitais produtivos? Acho muito complicado e, havendo queda no emprego e na renda, como fará o PT para lidar com a insatisfação popular? É aí que entram as propostas de nova assembleia constituinte que Dilma já anda defendendo.

Para piorar as coisas, eis que daqui uns tempos os ministros do STF serão todos indicados pelo PT. Saindo Gilmar Mendes, como fica a liberdade de imprensa? Aí é que as reformas a lá venezuelana vão passar com mais facilidade sem muitos questionamentos acolhidos pelo Supremo.

Tão importante quanto tirar o PT, Levi, seria trazer para o país a ética da nova política e aí o posicionamento de Marina Silva nestas eleições pode contribuir imensamente como escrevi hoje no meu blogue:

http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2014/10/valeu-pena-marinar.html

Esta semana Marina e a Rede devem se posicionar e desejo que tenhamos uma inserção ativa na campanha de Aécio.

Finalmente, temos uma boa notícia. É que as bancadas do PT e do PMDB no Congresso diminuíram, muito embora a pulverização com a entrada de novas partidos no cenário fragilize um pouco a nossa dinâmica democrática. Aguardemos os resultados finais destas eleições sendo que de 2010 para 2014, Dilma caiu bem. Diferença de 5 pontos percentuais quanto aos votos válidos: 47% e 42%.