Hipopótamo
de zoológico inundado invade cidade de Tbilisi - Geórgia
Um
colunista brasileiro tem se destacado por seus primorosos
ensaios, na maioria, quase sempre relacionados a fatos do risível
cotidiano de nossa república. Trata-se de Roberto Pompeu de
Toledo, que escreve na última página da revista semanal –
Veja. O autor, na
atualidade, vem discorrendo mais sobre os acontecimentos da esfera
político-administrativa que têm como palco, o Congresso em
Brasília.
Aprecio
muito seus artigos, tanto pela verve carregada de humor e doces
metáforas quanto pelas analogias que interligam as presepadas
semanais dos nossos constituintes a fatos pitorescos colhidos de
nossa Literatura/História e do mundo internacional.
Pelo
que se assiste na TV Senado, TV Câmara e se lê nos principais
jornais do país, o Congresso virou uma verdadeira Torre de Babel,
lugar conturbado pela confusão de línguas estranhas, onde ninguém
se entende. Lá são criadas leis a toque de caixa, leis que se
chocam entre si, como a sobremesa bizarra de grilo com chocolate.
Na
revista Veja - edição 2431 - que saiu nas bancas domingo (dia 21), Roberto Pompeu de
Toledo resume, de forma magistral, a balbúrdia reinante
em Brasília nos últimos dias, onde a grande vítima é a “Pobre
Constituição” (título que encabeça seu artigo). A sagaz
analogia, que o ensaísta faz das ações sem nexo dos nossos
constituintes com uma enchente ocorrida recentemente nas terras da
antiga União Soviética, é digna de nota. Para que o(a) leitor(a)
possa comprovar o que digo, transcrevo abaixo, com os devidos
créditos, um trecho desse seu antológico ensaio:
“Com
a autoridade do presidente no chão, o ministério (à exceção da
Fazenda) inoperante, o PT disputando com a oposição quem incomoda
mais o governo e o Congresso despirocado, os predadores estão
soltos. A situação é comparável à de Tbilisi,
a capital da república caucasiana da Geórgia, onde uma enchente na
semana passada provocou, entre outros estragos, a inundação do
zoológico e a dispersão dos animais pela cidade. Deu-se então,
segundo inventariou o The News
York Times que um urso foi flagrado tentando se equilibrar
na janela de um 2° andar, um crocodilo foi visto a espreitar os
carros parados numa rodovia intransitável e um hipopótamo acabou
pendurado nos galhos de uma árvore. Aqui, a dona do zoológico, de
medo de ser demitida, demitiu-se, os funcionários entregaram os
pontos e as feras se jogam cada uma a um naco do texto
constitucional. A última vítima é o artigo 228, aquele que declara
que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Ele veio se
juntar aos atentados contra a ordem constitucional que, já há
algumas semanas, são disparados pela “reforma política” do deputado Eduardo Cunha”.
[Roberto
Pompeu
de
Toledo]
Convenhamos,
foi por nosso intermédio que, lá fora, o Brasil ficou conhecido
como o país do Carnaval, do futebol fantástico repleto de jogadores
exímios em seus sensacionais dribles, sabendo fingir como nenhum
outro, diante de suas esfuziantes torcidas.
Por ocasião
da primeira aprovação da proposta de diminuição da maioridade
penal para 16 anos, parlamentares agiram como se estivessem
comemorando a vitória de seu time. Com toda a força de seus pulmões
gritaram o estribilho que comumente se exibe nas arenas
futebolísticas ―
“Eu
sou
brasileiro com muito orgulho, com muito amor”
―,
como se esse
pequeno obstáculo ultrapassado fosse
a senha
mágica definitiva para
o arrefecimento da
criminalidade.
E o
que dizer da recente manifestação no
plenário da Câmara, quando mais de uma dezena de militantes da
bancada evangélica, de mãos dadas, rezaram em alto e bom som o
“Pai
Nosso”? Em
êxtase, encerraram a encenação com um “Viva
Jesus Cristo!”, pela
vitória alcançada com a aprovação da cláusula de crime hediondo
para quem profanar símbolos religiosos. Por certo, o sentimento que
os dominava naquele momento nada mais era que resquícios do
contagiante idealismo religioso das cruzadas da idade média.
De nada
adiantou uma figura solitária, abafada pela maioria vitoriosa, a
bradar lá do fundo do palco montado: “Vamos
respeitar a república laica brasileira!”
Pois é
caro(a) leitor(a), estamos na estação do inverno, propícia a
enchentes
como a que aconteceu na Geórgia. O nosso
Zoológico sem dono pode estar,
sutilmente, sendo invadido pelas águas
das torrenciais chuvas tão comuns
nessa época. O grande perigo é que as feras, antes domadas em seus
apriscos, podem sair
fazendo estragos ao
entrar por caminhos nunca dantes
percorridos. Aí,
sim, a depredação daquilo que se denominou de bem público pode
atingir níveis nunca imaginados.
Como a
alegria da maior folia das terras de Dom João VI “termina”
numa quarta-feira de cinzas, não custa lembrar aqui o refrão do
samba enredo da União da Ilha (Rio de Janeiro) no carnaval de 1978:
“Como
será o amanhã, responda quem puder...” (bis)
Por
Levi B. Santos
Site
da Imagem: www.bbc.com/notícias