O
Pai, é o grande herói da criança, principalmente em seus primeiros
passos. É para essa figura que o adulto-criança, como ser faltante,
transfere seus mais prementes anseios e desejos de completude. Esse
“vínculo de amor”, de modo inconsciente, acompanha o homem em
todo o seu desenvolvimento. De acordo com David E. Zimermann,
essa espécie de relacionamento afetivo, como um pensamento mágico,
está presente no homem primitivo: em suas crenças nos mitos e
ritos, se fazendo presente até nas modernas ciências e nas culturas
vigentes. Esse vínculo de amor tem sido enfocado, a seu modo, nas
diferentes instâncias: mitologia, religião, filosofia, literatura,
ciências e mais recentemente na psicanálise. Na psicanálise, entre
o analisando e o analisado, esse vínculo foi nomeado “amor de
transferência” —
sentimento este que a experiência religiosa, à sua maneira e de
modo especial tomou-a para si.
A
búlgara, Julia Kristeva, que antes de sua formatura em
psicanálise foi professa da religião cristã ortodoxa, vê a
experiência religiosa como um equivalente da análise psíquica, uma
vez que ambas são propiciadas por um pacto de confiança recíproca.
“A análise começa num momento comparável ao da fé, que é
estabelecimento do amor de transferência. Eu tenho confiança em
você e espero algo em contrapartida” —
assinala ela em seu livro, “No
Princípio Era o Amor” (editora
brasiliense).
Diferentemente
do desejo de obter algo em contrapartida, que acontece com o fiel em
face do Credo
do Pai Todo Poderoso, Kristeva faz a seguinte
contraposição em defesa do “Credo Psicanalitico”: “No
entanto, a análise termina com a constatação de que não poderia
haver contrapartida sem que eu me alienasse ao benfeitor”.
Júlia Kisteva dá a
entender que enquanto o Credo católico do Pai Todo Poderoso reflete
um amor transferencial (Apego ? Alienação? entre o fiel e o pai
imaginário) “o discurso analítico fala de uma humanidade que
aceita perder, para reconhecer-se em pura perda.”
O
homem religioso preso
a transformação imaginária de um mundo imundo e
corrupto em um
mundo purificado
deposita seu penhor, seu
desejo, sua força mágica no seu Deus ou Pai Todo Poderoso. Sua
adesão à figura desse Pai Todo Poderoso e Sua
fantástica narrativa gratifica-lhe
com a glória futura. Segundo
Kristeva, “O
credo analítico, ao contrário, revela-nos verdades
desagradáveis no mais das vezes a respeito de nossos próprios
interesses psíquicos com que construímos nossos pactos amorosos,
profissionais e conjugais. Tudo isso permeado por incertezas
políticas, econômicas em meio a um vazio ideológico
pouco propício a uma modificação”.
Lou
Andreas – Salomé ―
única mulher e ousada
poetisa
(Vide
Link)
a participar das reuniões psicanalíticas das quartas-feiras na casa
de Freud (Viena) ―,
em seu livro “Carta
Aberta a Freud” (página
63 – Editora Princípio – 1931)
faz uma
menção emblemática ao
homem piedoso em face de seu credo religioso:
“Não nos esqueçamos de que no
nosso próprio campo, vozes se têm levantado para nos alertar quanto
a irmos longe demais, ou seja, por assimilarmos projeções
grosseiras do desejo do divino às “espiritualizações” das
quais ele é objeto. Para torná-lo bem científico têm-se passado
conteúdos religiosos sob a luz da filosofia e da ética. Mas o
senhor me conhece bastante para saber que nada me repugna tanto
quanto despir a Deus do seu velho roupão para vesti-lo com um traje
mais apresentável, a fim de introduzi-lo na alta sociedade.”
Por
sua vez, falando aos
católicos em um seminário na
cidade de Paris, Jacques
Lacan
(realizador da
magistral releitura das obras
de Freud nos últimos
tempos), surpreendeu a todos ao declarar
que a religião triunfaria sobre a psicanálise (Vide
“Triunfo
da Religião" –
Editora Zahar):
”A
religião tem recursos que nem se pode imaginar. Basta ver por
enquanto como ela fervilha. São capazes de dar um sentido a vida
humana. [...]Eu sou São João e
seu 'No Começo Era O
Verbo'.
Para a análise, é verdade, no começo é o verbo(palavra,
linguagem). Se não houvesse isso, não vejo porque a gente estaria
nessa, juntos” ─
concluiu surpreendentemente
Jacques Lacan
em uma entrevista à imprensa”. [Na
íntegra, a
entrevista
de Jacques Lacan à Agence Central de Presse em Paris em 20/04/1974 –
está
reproduzida
no Site Lacaneando
─
Link:
https://lacaneando.com.br/entrevista-a-imprensa-do-dr-lacan/]
Por
Levi B. Santos