25 novembro 2016

A Propósito do Discurso Xenófobo de Donald Trump





Ao ler as memórias de Carl G. Jung (1875 1961), ditadas por ele mesmo a Aniela Jaffé, cinco anos antes de sua morte, cheguei a conclusão de que o lado mau do homo sapiens anda triunfando nos tempos atuais, talvez de uma forma mais perversa do que nos tempos primitivos. Liquidar os anseios da idade média que habitam o homem de hoje é tarefa praticamente impossível.

Apesar das brilhantes descobertas e das aquisições da ciência, as vãs promessas de harmonia brandidas pelos povos poderosos aos mais humildes e marginalizados, particularmente por parte daqueles que estão no topo da pirâmide em matéria de riqueza terrena, têm sido, sem sombra de dúvida, a causa principal de todo o mal estar na pós-modernidade.

Donald Trump o magnata eleito recentemente para reger os destinos da nação mais poderosa e rica do mundo, pasmem, promete fazer um muro de separação entre seu país e o odiado México prova evidente do triunfo do lado selvagem do homem, que responsabiliza a coletividade estrangeira pelos seus próprios preconceitos nacionais. Nunca é demais salientar que a América do Norte sempre foi a sonhada Terra Prometida dos puritanos emigrantes do Reino Unido(os novos filhos de Israel). A travessia tormentosa dessa corrente do protestantismo pelo vasto mar, transformou-se em uma reedição da odisseia do idolatrado líder Moisés e seu povo através do infindável e inóspito deserto, rumo à invasão da terra de Canaã.

Todo o mal secreto do colonizador puritano percebido no outro-estranho provoca em si desagrado ou irritação. A expulsão do estrangeiro tem sido quase sempre a solução doentia ou neurótica adotada para aplacar o ódio dos poderosos aos deserdados e marginalizados. De maneira inconsciente, esse idealismo retrógrado deve ter sido plantado no coração dos que fugiram do Reino Unido para fundar nas terras da América do Norte uma Nova Jerusalém só para eles. A Psicologia mostra que esses recalques ficam submersos nas camadas mais profundas da psique por décadas ou séculos. Mas, um dia, encontrando ocasiões propícias, o que foi recalcado sai de sua latência e volta à tona sob a forma sutil ou mesmo declarada de intolerância.

Carl Jung, depois dos 45 anos de idade, já enjoado de tanto estudar ou analisar os meandros da alma humana, resolveu viajar por diversas regiões do mundo a fim de conhecer profundamente os diversos povos e suas culturas. Enfim, compreendera que para tomar consciência de suas particularidades nacionais de homem europeu branco, necessitava olhar outros povos do lado de fora de sua própria nação (Suíça). Ao realizar uma viagem ao Novo México onde habitava os índios Pueblos, confirmou “o quanto estava aprisionado ou fechado, mesmo na América, na consciência do homem branco. […] Aprendeu de certo modo a ver com outros olhos e a observar o que é o 'homem branco' quando está fora de seu próprio medo”.

A narrativa do encontro de Jung com Ochwiay Biano, chefe dos pueblos, diz muito sobre o modo como os ancestrais dos mexicanos viam o homem branco americano revestido de sua empáfia ou ar de superioridade. O psiquiatra suíço pediu para Ochwiay fazer uma descrição do homem branco que habitava a terra acima de sua fronteira a intitulada Nova Inglaterra:

Veja”, disse o índio pueblo, “como os brancos têm um ar cruel. Têm lábios finos, nariz em ponta, os rostos sulcados de rugas e deformados. Os olhos têm uma expressão fixa, estão sempre buscando algo. O que procuram? Os brancos sempre desejam alguma coisa, estão sempre inquietos, e não conhecem o repouso. Nós não sabemos o que eles querem. Não os compreendemos e achamos que são loucos!”

Perguntou então o professor Jung por que ele pensava que todos os brancos eram loucos. Ochwiay, prontamente respondeu: “Eles dizem que pensam com suas cabeças.”

— “Mas naturalmente! Com o que pensa você?” retrucou Jung, admirado.

― “Nós pensamos aqui” ― disse ele, indicando o coração.

Pela primeira vez na minha vida, disse o professor e psiquiatra (um dos fundadores da Psicanálise), alguém me dera uma imagem do verdadeiro homem branco. Esse índio encontrara nosso ponto vulnerável e pusera o dedo naquilo em que somos cegos.

Jung, filho de pastor protestante, se tornou um estudioso do fenômeno religioso. De sua incursão pelo mundo da religião criou o conceito arquétipo, presente em todos que praticam atos religiosos. Não resistindo a uma abordagem do lado religioso do índio pueblo, perguntou-lhe:

― “O senhor acredita que suas práticas religiosas sejam de proveito para todo o mundo?”. O índio, com muita vivacidade, respondeu:

― “Naturalmente, se não o fizéssemos o que seria do mundo?”. “E, com um gesto carregado de sentido apontou o Sol”.

Precisamos sorrir, ainda que de puro ciúme, da ingenuidade dos índios e nos vangloriarmos de nossa inteligência, a fim de não descobrirmos o quanto nos empobrecemos e degeneramos. O saber não nos enriquece; pelo contrário, afasta-nos cada vez mais do mundo mítico, no qual, outrora, tínhamos direito da cidadania.” [Carl G. Jung ― Memórias, Sonhos e Reflexões ― Editora Nova Fronteira]


Por Levi B. Santos
Guarabira, 25 de novembro de 2016

Site da Imagem: politicalivre.com.br

14 novembro 2016

Similitudes entre a República de Deodoro e a de Temer






● Se não sabia, fique sabendo, que o governo de Deodoro da Fonseca, iniciado em 15 de novembro de 1889, por ser provisório como o de Temer, foi marcado por intensa atividade legislativa.


Dizia-se, como hoje, que a União compunha-se de três poderes harmônicos e independentes entre si: O executivo, o Legislativo e o Judiciário.

O lucro estratosférico das empresas criadas na república de Deodoro permitia uma rápida fortuna aos que delas se associassem.

Os anúncios de jornais de 1889 davam conta de uma república fantasiosamente inventada, um país de papel, composto de títulos, certidões e contratos responsáveis por exuberantes lucros que enchiam os bolsos dos alegres e aparentemente cordiais banqueiros.

Rui Barbosa, ministro da Fazenda de Deodoro da Fonseca, com pouco mais de um mês no cargo, anunciou um programa econômico em tudo parecido com o do economista Henrique Meirelles do Governo Temer. O mote principal era o mesmo consagrado hoje: o de fugir dos empréstimos e organizar a amortização, proibindo terminantemente a contração de novas dívidas.


(Há muito de primitivismo no homem da pós-modernidade. Não seria exagero dizer que caminhamos em um círculo onde o presente já foi passado. Nesse caminhar trocam-se apenas os atores, mas o espírito ou o que faz acionar o motor de nossa ambígua história atual é o mesmo de ontem.
Para compreender porque o enredo histórico trágico-cômico, sem a participação do povo, que estamos assistindo em novembro de 2016 é uma “reprise” do que foi encenado nos idos de15 de Novembro de 1889” ―, leia o livro “1889” de Laurentino Gomes Editora Globo)


Por Levi B. Santos
Guarabira, 14 de novembro de 2016