Estamos
vivendo tempos difíceis. Quando muitos estão a dizer que o certo
virou errado e o errado virou certo é sinal de que estamos
vivenciando tempos realmente sombrios. Tempos em que os poderosos da
república das bananas lavam suas roupas sujas ao vivo em cores pela
televisão, sem o mínimo de parcimônia, pudor e respeito. Na
telinha, para serem vistos, discursam, discutem, gesticulam e falam
baboseiras em pleno horário nobre ― exalando o odor pútrido de
suas próprias vísceras. Que tempos são esses, meu Deus, em que a
verdade vem sendo sacrificada sem hesitação para dar lugar a
mentiras tão bem elaboradas que fazem vibrar até os menos
incautos?
Tudo
ficou tão banal, que a nudez do Rei já não provoca mais reações.
Tempos sombrios esses, em que o Rei, com sua comitiva real, já não
se importa em desfilar nu pelas ruas e praças das cidades. Os
súditos, em sua estupidez, por sua vez, fingem não ver a nudez do
Rei, e o aplaudem calorosamente. É certo que exceções existem:
alguns gatos pingados fogem do trivial, gritando: “Os Tempos
estão Mudados!”.
Nos
idos de 1964, quando o movimento dos negros ganhou uma intensidade
nunca vista nos EUA, Bob Dylan, poeta, cantor e compositor
norte-americano, descendente de judeus russos, ganhador do prêmio
Nobel de Literatura de 2016, imortalizou seu idealismo edênico na
soberba canção “Os
Tempos Estão Mudando”.
Pulando
para 2017, podemos constatar nas terras do Tio Sam, de Bob
Dylan e com mais intensidade nas terras de Dom João VI, os próprios guardiões que mais deviam zelar pelas leis do país, legislando abertamente em causa própria; no nosso caso, pleiteiam a
anistia de suas práticas sociais, politicas e econômicas de natureza
imoral e perversa.
Pondo
mais pimenta na letra magistral da canção “chicobuarquiana”,
“Vai
Passar”, os
escolhidos para entabular as
atuais reformas
em
nossa republiqueta,
pasmem, são os mesmos que abertamente estão a dilapidar a nossa
pátria mãe. O pior é que, hoje, todos sabem em detalhes como se
locupletam o Rei e sua trupe, diferentemente do tempo, que no dizer
de Chico,
o povão não tinha essa percepção,
como mostra a letra do
seu
emblemático samba-protesto (1984), que se referia “a
uma
pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em
tenebrosas transações”.
A
poesia de Bob Dylan, pelo avesso, talvez traduza de forma
melancólica os Tempos Sombrios da Nossa Geração, como bem revela a
expressão poética: “Pois a roda ainda gira/E não há como
saber quem ela vai nomear”. Nada como uma boa dose de
reflexão para entender que o pragmatismo insano atual vem pondo em
xeque a utopia que varria o mundo de 1964 lá nos EUA e aqui no
Brasil, seu quintal. O “beco sem saída” em que nos
metemos, ou a vergonhosa agonia tropical que, por ora, nos deixa
tristes e céticos ―, é uma amostra de que os
“Tempos Estão Mudados”, ou mais precisamente, transmudaram-se em
Tempos Sombrios.
A
metáfora das duas faces do deus Janus, da mitologia
romana — representação simbólica de que o passado e o presente sempre se confundem ―, está mais viva do que nunca.
O
mar putrefato que ora invade as nossas instituições, traz à
memória a figura de Rui Barbosa. Decepcionado com o mar de
lama que corria solto entre os poderes da república do seu tempo,
esse destemido jurista, no palco do Senado Federal em 1914, proferiu
um antológico discurso. De tão atual, sua veemente declamação continua a reverberar nas cordas de nossos corações, principalmente
esse emblemático trecho que, de tão lido e relido, é recitado de
cor pela maioria dos estudantes: “De tanto ver triunfar as
nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver se agigantarem
os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Corria
o ano de 1964. Tinha dezoito anos de idade, quando o ardor utópico
por um mundo melhor e mais justo, tal qual um vento impetuoso, varria
o globo anunciando a chegada de novos tempos. Como Bob Dylan,
eu também acreditava, mas foi tudo um sonho.
“Os
Tempos Estão Mudando” (Bob
Dylan)
Vem
pra cá, pessoal!
Por
onde quer que vocês andem
Em
volta de vocês subiram
E
aceitem que logo
Vão
estar encharcados até os ossos
Se
vocês acham que vale a pena salvar o seu tempo
Então
é melhor começar a nadar pra não afundar como pedra
Porque
os tempos, eles estão mudando.
Venham,
autores e críticos
Que
profetizam com a pena
E
fiquem de olhos abertos
A
chance não vai voltar
E
não falem cedo demais
Pois
a roda ainda gira
E
não há como saber quem ela vai nomear
Pois
o perdedor agora vai depois vencer
Porque
os tempos, eles estão mudando.
Venham,
senadores, deputados
Por
favor ouçam o chamado
Não
fiquem parados na porta
Não
travem o corredor
Pois
quem foi ferido
Será
quem tiver demorado
Há
uma luta lá fora que está enfurecida
Ela
logo vai sacudir as janelas e balançar as paredes
Porque
os tempos, eles estão mudando.
Venham,
mães e pais
De
todo o país
E
não critiquem
O
que vocês não entendem
Seus
filhos e filhas
Não
vão mais obedecer
Sua
velha estrada envelhece veloz
Por
favor saiam da nova se não conseguem dar a mão
Porque
os tempos, eles estão mudando.
A
linha está traçada
A
praga está rogada
A
lenta, agora
Será
mais tarde acelerada
Enquanto
o presente agora
Depois
será passado
A
ordem está se apagando rápida
E
o primeiro agora vai depois ser último
Porque
os tempos, eles estão mudando.
Por
Levi B. Santos
8 comentários:
Sem palavras... Só me resta chorar...
Os investigados na Operação Lava Jato, travestidos de salvadores da pátria, se apressam em fazer reformas cortando os parcos direitos dos súditos. No fundo no fundo, legislam para salvar suas próprias caras. São fariseus impunes, iguais aqueles que o Cristo dos Evangelhos, um dia, denominou "sepulcros caiados" (belos por fora e podre por dentro).
Eles estão matando a esperança de nossos filhos e netos que, agora, em suas aulas de história política, estão tomando consciência de que o propinoduto bilionário que irriga o palácio do Rei(agora despido) e seus parceiros tem sido a causa verdadeira da ruína moral, financeira e educacional da nação. A História também mostra que essa praga vem de longe: os nossos primeiros monarcas (presidentes) já vinham vilipendiando a republiqueta com a aquiescência dos seus três poderes.
Como é leve e didático ler Levi. Uma ponte construída entre Bob Dylan e Chico Buarque. Outra ponte feita entre dois tempos, projetada e executada com eficiente engenharia textual, unidas pela boa e firme argamassa de quem viveu a história contemporânea e consegue espalha-la em seu papel virtual, a quem interessar possa, como no dizer notários, ainda mais despojada de arroubos ideológicos, apesar lúcida e cirúrgica. O que não dá para avaliar é o quanto a medicina tomou de tempo do cronista, embora saiba que os dois convivem harmoniosamente.
São devaneios espalhados no "papel virtual" do Google, Alexandre. Coisas de quem ultrapassou os umbrais dos 70 anos de idade e se vê, como diz o ditado popular - "no mato sem cachorro" -, tentando garimpar cascalhos de esperança num mundo cada vez mais conturbado e excessivamente narcisista. Não nego, tenho saudades do tempo da inocência, quando um "Brasil ideal" povoava meus sonhos juvenis.
Já que você falou em Medicina, acho que o nosso país padece de uma doença incurável. Moléstia que Eduardo Giannetti em seu livro "Trópicos Utópicos", denominou: Doença infantil-colonial do progressismo macaqueador - o Nacionalismo Tatu . (rsrs)
Caro Levi.
Que tempos tristes são esses em que, mesmo à evidência de gravações tão comprometedoras, um presidente insiste em não renunciar fazendo com que a nação venha a sangrar um novo e doloroso processo de impedimento.
Se fosse num país sério, todos os políticos já tinham renunciado a seus cargos eletivos e o cidadão compareceria às urnas para novas eleições. Aqui, porém, os corruptos se apegam ao poder o máximo de tempo que podem. E as consequências para a coletividade pouco importam.
São mesmo dias muito difíceis.
O quase centenário Antonio Candido, falecido neste mês aos seus 98 anos, foi um literário e sociólogo que, como bem noticiou o Jornal Nacional "atravessou o século XX ensinando, escrevendo e lutando nas trincheiras da democracia, da justiça social e da igualdade". Entretanto, ele "chegou ao século XXI e não gostou do que viu", sentido-se "triste com o Brasil e com o mundo" de modo que a a filha Marina de Mello e Souza disse que gostaria que o pai fosse lembrado como o símbolo do contrário do que acontece hoje:
"A morte de um homem feito Antonio Candido é um símbolo que representa, primeiro, um mundo que acabou, de esperança, de sonho, de crença na igualdade, que não aconteceu"
Sinceramente, o que estamos vendo hoje contraria muitas das expectativas alimentadas ainda nos anos 90 quando se comemorava o fim da ex-URSS e do vergonhoso Muro de Berlim. Mal começou o século e começamos a assistir no mundo um inegável retrocesso em diversas áreas.
Bem lembrado, Rodrigão. Antonio Cândido (por sinal fundador do PSB - partido que já desembarcou do Governo Temer), foi um ferrenho inimigo dos ditadores militares de 1964. Esse grande desbravador que atuou como crítico nos grandes jornais de sua época, nos deixa um grande legado. Pena ter partido em meio aos piores momentos de uma república enlameada e em frangalhos.
Realmente ele nos deixou num dos momentos mais críticos dessa República,mas também não sofreu o desgosto de ouvir as gravações do delator da JBS.
Quanto ao (des)governo Temer, o PSB fez bem em desembarcar e posso considerar o PPS praticamente fora sendo que não demorará muito para o PSDB e o DEM acompanharem.
Nesse momento tão complicado, torço para que Temer caia na real e aceite que seu governo acabou a fim de que possamos eleger novo presidente para ser um nome de consenso até que atravessemos a pinguela rumo a 2018.
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