Para Paul Ricoeur, as narrativas
bíblicas sobre a “criação”, sobre as “origens” e os
“tempos finais”, convidam-nos a uma reflexão bem mais profunda
do que a mera especulação exterior e interesseira que, para seu bel
prazer, grupos religiosos tomaram para si, ensejando uma batalha
final sangrenta entre um povo escolhido por Javeh e seus opositores
(Batalha do Armagedom).
Nesse mesmo diapasão, e longe da
especulação simplória e eufórica do Livro do Apocalipse (que no
imaginário pentecostalista aparece com a conotação do “quanto
pior, melhor”), John Joseph Collins comunga da ideia de
que o núcleo essencial da literatura apocalíptica é aquela que
visa superar as dificuldades. Para esse autor, a simbologia da
narrativa do apocalipse serviria mais para reforçar a esperança do
que relacionar os acontecimentos catastróficos, a um mero
cumprimento de uma profecia tramada e azeitada pelos instintos
humanos de destruição.
R. N. Champlin, sobre a Literatura
Apocalíptica, em sua volumosa coleção “O
Novo Testamento Interpretado Versículo
por Versículo”,
faz uma emblemática observação que vai de encontro à argumentação
de fundo escapista dos que estão embasados na narrativa literal do
livro do Apocalipse (página 352 ─
Volume VI ─
Editora Candeia ─
1995):
•
A tentativa de emprestar um
caráter literal à linguagem simbólica do Apocalipse redunda em
fracasso, além de impedir o entendimento da própria natureza
mística das visões.
Como membro da Assembleia de Deus (maior denominação pentecostal do Brasil), César Moisés
Carvalho, foi feliz e bem ousado ao dissertar sobre o
“Escapismo escatológico” que grassa com ímpeto incomum
no meio pentecostal. No seu instigante livro, em linguagem simples e
objetiva, pude perceber, nas entrelinhas, o anseio de natureza
escapista reinante nas hostes pentecostais, representado
pela necessidade defensiva de exibir um Triunfo Apoteótico ante os
inimigos ou os diferentes a serem derrotados ou esmagados numa
imaginária batalha final. O autor, de modo desenvolto e sem viajar
muito ao mundo de além, fala de como seria bem mais interessante a
interpretação não polarizada das metáforas contidas na literatura
apocalíptica e sua aplicação no contexto cristão da
pós-modernidade. No trecho abaixo, replicado do seu instigante
livro, ele disseca, um a um, os argumentos sólidos que vão de
encontro ao catastrofismo tão insensatamente apregoado no
pentecostalismo de resultados da atualidade.
“Escapismo
Escatológico”
Trecho
do Livro — “Pentecostalismo e Pós-Modernidade” (página
288 e 289) — de César Moisés Carvalho
“A
maioria de nós apela para a escatologia de forma escapista. Uma
proposta que, além de desvirtuar o propósito da escatologia, acaba
incidindo justamente no contrário do que recomenda Jesus em Atos
1.7, acerca da proibição de se especular o amanhã lançando mão
de um perigoso exercício de futurologia.
Lamentavelmente,
no transcorrer da história, a escatologia deixou de ser vista como a
maior das esperanças daqueles que creem e foram alcançados pelo
Evangelho, tornando-se uma fonte de exploração sensacionalista. Por
isso, raramente se discutiu o inegável fato de que, antes de se
especular acerca dos acontecimentos e mudanças, vendo-os como
'sinais da vinda de Cristo', era imprescindível
preparar os seguidores do Senhor para interagir em um mundo que já
não era mais o mesmo (Ef 4.11-16). Contudo, diante das mudanças e
transformações, o máximo que tem sido feito é prognosticar,
dando-se apenas ao trabalho de encontrar um texto para encaixar
determinado evento na Bíblia. O resultado é justamente esse que tem
se apresentado ao longo dos anos, isto é, sobra especulação e
falta atitude.
Tal
omissão, além de colocar-nos à margem e obrigar-nos a viver a
reboque da história, produz um sentimento pessimista de acomodação:
'Nada pode ser feito'; 'As coisas são assim mesmo', e
muitas outras escusas. O problema maior é que o corolário desse
pessimismo, ou do catastrofismo escatológico, é justamente a
imobilidade mental, social e cultural e até mesmo espiritual. Isto
é, além da famosa desculpa de que 'Se o mundo está destinado ao
caos, nada podemos fazer', há outra pior, que é aquela que se
pretende piedosa: 'É cumprimento da Palavra de Deus, tem que ser
assim, pois é sinal da vinda de Jesus'. Nessa lógica impera
mesmo que irrefletidamente, aquela ideia de que 'quanto pior,
melhor'. Da esperança passamos ao individualismo e ao egoísmo”.
O
trecho acima, colhido do livro publicado recentemente pela CPAD,
“Pentecostalismo
e Pós-Modernidade”, de César Moisés Carvalho (Pastor
graduado em Teologia pela PUC - Rio), vai contra a maré geradora do
terrorismo psicológico — o
“escapismo apocalíptico” ―
que nos EUA incita os corações dos fiéis de Donald Trump. Muitos
evangélicos do cenário religioso brasileiro e estadunidense (cerca
de 80% votaram em Trump) chegam a ficar eufóricos com a
possibilidade de uma guerra fratricida no Oriente Médio. Acreditam
piamente no cumprimento literal do Apocalipse de João. As armas não
são mais as espadas e as lanças da Idade Média, mas caças
supersônicos, bombas, mísseis teleguiados, além de incitações
beligerantes, veiculadas nas redes sociais. Para esses cruzados,
portadores do que Freud denominava “Pulsão de Morte” ou “Pulsão
Destrutiva”, é chegada a hora da reparação histórica de Israel,
com a devolução de Jerusalém ao “povo eleito de Deus”.
Entusiasmados, veem a transferência da embaixada dos EUA de Tel Aviv
para Jerusalém, como o primeiro petardo de Javeh, no sentido
de dar início a carnificina no “Vale do Armagedom”. A
preparadí$$ima indú$tria de armamentos dos EUA, não está nem um
pouco preocupada com as vítimas de futuros conflitos; ela está mais
interessada em fomentar o sentimento destrutivo de vingança nos
corações dos ressentidos que, em seu imaginário doentio, exige o
pagamento através do derramamento de sangue dos inimigos de Javeh.
Para a poderosíssima indústria bélica da maior Economia do Mundo,
não existe melhor ocasião para de$ovar suas mais recentes e
potentes armas, que os tempos atuais, em que predomina no meio religioso fundamentalista o anseio pela volta do espírito guerreiro que banhou a terra
sagrada na época das Cruzadas. A poderosíssima indústria bélica
se alimenta de consensos, como o que reproduzo abaixo:
“Ao
discutir com seu professor sobre a resolução do conflito
Palestino-Israelense, um aluno de ascendência judaica deu a versão
tradicional de que o mais frágil deve-se dobrar ante aquele que tem
mais poder. 'Os dois têm direito à terra; quem tiver as armas
melhores vai fazer valer o seu direito' ―
concluiu de maneira instantânea seu raciocínio”.
A
ideia de uma solução bélica para resolver o conflito religioso no
Oriente Médio vem varrendo, com uma intensidade nunca vista, as
terras de Tio Sam, e consequentemente seu quintal ―
o Brasil. Em um artigo publicado na Folha de São Paulo (07/12/2017),
sob o título “Crença
no Fim do Mundo Pesou na Decisão de Trump Sobre Jerusalém”,
Igor Gielow foi certeiro na explicação dos motivos que levaram
Trump a se valer do fantasioso escapismo do religioso
fundamentalista. O financiamento e apoio do segmento evangélico que
acredita piamente nas profecias de que o “Estado Judeu precisa
estar plenamente estabelecido par dar curso à volta de Jesus Cristo
à Terra” — será
determinante para a ascensão da figura do Anticristo no imaginário
“cristão”. O Escapismo Apocalíptico, agora, mais do que nunca,
vem sendo reativado. Em um primeiro momento pode-se até pensar que a
prece tão repetida — “Ora
vem Senhor Jesus!” ―,
não esteja carregando em seu bojo o ressentimento e o desejo de
vingança. O que eles precisam saber é que “o Triunfo
representa a mais efêmera das seguranças”. Os judeus, que já
derrotaram assírios, gregos, romanos, bizantinos, cruzados e
otomanos, conhecem a fundo essa matéria.
O
desejo de escapar através da destruição do outro, tem sido uma
tônica na psique do cristão fundamentalista desde os tempos mais
remotos. Para esse grupo religioso, o argumento interesseiro e
simplório, de apressar a “Vinda de Cristo”, nega o
próprio cerne do cristianismo que não coaduna com a abdicação de
se lutar por uma negociação ou conciliação, como tão bem fez
ver, César Moisés Carvalho, no final de seu instigante ensaio ─
“Escapismo Escatológico”: “Vão pelo mundo inteiro
anunciando a Boa Notícia para toda a humanidade (Marcos 16:15)”.
Isso é o que nos cabe, mas especular sobre a Vinda de Cristo,
gerando terrorismo psicológico em lugar de esperança,
definitivamente é algo que não encontra respaldo algum nas palavras
de Jesus”
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
15 de janeiro de 2018