15 janeiro 2018

"Escapismo Escatológico"





Para Paul Ricoeur, as narrativas bíblicas sobre a “criação”, sobre as “origens” e os “tempos finais”, convidam-nos a uma reflexão bem mais profunda do que a mera especulação exterior e interesseira que, para seu bel prazer, grupos religiosos tomaram para si, ensejando uma batalha final sangrenta entre um povo escolhido por Javeh e seus opositores (Batalha do Armagedom).

Nesse mesmo diapasão, e longe da especulação simplória e eufórica do Livro do Apocalipse (que no imaginário pentecostalista aparece com a conotação do “quanto pior, melhor”), John Joseph Collins comunga da ideia de que o núcleo essencial da literatura apocalíptica é aquela que visa superar as dificuldades. Para esse autor, a simbologia da narrativa do apocalipse serviria mais para reforçar a esperança do que relacionar os acontecimentos catastróficos, a um mero cumprimento de uma profecia tramada e azeitada pelos instintos humanos de destruição.

R. N. Champlin, sobre a Literatura Apocalíptica, em sua volumosa coleção “O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo”, faz uma emblemática observação que vai de encontro à argumentação de fundo escapista dos que estão embasados na narrativa literal do livro do Apocalipse (página 352 Volume VI Editora Candeia 1995):

A tentativa de emprestar um caráter literal à linguagem simbólica do Apocalipse redunda em fracasso, além de impedir o entendimento da própria natureza mística das visões.

Como membro da Assembleia de Deus (maior denominação pentecostal do Brasil), César Moisés Carvalho, foi feliz e bem ousado ao dissertar sobre o “Escapismo escatológico” que grassa com ímpeto incomum no meio pentecostal. No seu instigante livro, em linguagem simples e objetiva, pude perceber, nas entrelinhas, o anseio de natureza escapista reinante nas hostes pentecostais, representado pela necessidade defensiva de exibir um Triunfo Apoteótico ante os inimigos ou os diferentes a serem derrotados ou esmagados numa imaginária batalha final. O autor, de modo desenvolto e sem viajar muito ao mundo de além, fala de como seria bem mais interessante a interpretação não polarizada das metáforas contidas na literatura apocalíptica e sua aplicação no contexto cristão da pós-modernidade. No trecho abaixo, replicado do seu instigante livro, ele disseca, um a um, os argumentos sólidos que vão de encontro ao catastrofismo tão insensatamente apregoado no pentecostalismo de resultados da atualidade.



Escapismo Escatológico”

Trecho do Livro — “Pentecostalismo e Pós-Modernidade” (página 288 e 289) — de César Moisés Carvalho



“A maioria de nós apela para a escatologia de forma escapista. Uma proposta que, além de desvirtuar o propósito da escatologia, acaba incidindo justamente no contrário do que recomenda Jesus em Atos 1.7, acerca da proibição de se especular o amanhã lançando mão de um perigoso exercício de futurologia.

Lamentavelmente, no transcorrer da história, a escatologia deixou de ser vista como a maior das esperanças daqueles que creem e foram alcançados pelo Evangelho, tornando-se uma fonte de exploração sensacionalista. Por isso, raramente se discutiu o inegável fato de que, antes de se especular acerca dos acontecimentos e mudanças, vendo-os como 'sinais da vinda de Cristo', era imprescindível preparar os seguidores do Senhor para interagir em um mundo que já não era mais o mesmo (Ef 4.11-16). Contudo, diante das mudanças e transformações, o máximo que tem sido feito é prognosticar, dando-se apenas ao trabalho de encontrar um texto para encaixar determinado evento na Bíblia. O resultado é justamente esse que tem se apresentado ao longo dos anos, isto é, sobra especulação e falta atitude.

Tal omissão, além de colocar-nos à margem e obrigar-nos a viver a reboque da história, produz um sentimento pessimista de acomodação: 'Nada pode ser feito'; 'As coisas são assim mesmo', e muitas outras escusas. O problema maior é que o corolário desse pessimismo, ou do catastrofismo escatológico, é justamente a imobilidade mental, social e cultural e até mesmo espiritual. Isto é, além da famosa desculpa de que 'Se o mundo está destinado ao caos, nada podemos fazer', há outra pior, que é aquela que se pretende piedosa: 'É cumprimento da Palavra de Deus, tem que ser assim, pois é sinal da vinda de Jesus'. Nessa lógica impera mesmo que irrefletidamente, aquela ideia de que 'quanto pior, melhor'. Da esperança passamos ao individualismo e ao egoísmo”.



O trecho acima, colhido do livro publicado recentemente pela CPAD, “Pentecostalismo e Pós-Modernidade”, de César Moisés Carvalho (Pastor graduado em Teologia pela PUC - Rio), vai contra a maré geradora do terrorismo psicológico o “escapismo apocalíptico que nos EUA incita os corações dos fiéis de Donald Trump. Muitos evangélicos do cenário religioso brasileiro e estadunidense (cerca de 80% votaram em Trump) chegam a ficar eufóricos com a possibilidade de uma guerra fratricida no Oriente Médio. Acreditam piamente no cumprimento literal do Apocalipse de João. As armas não são mais as espadas e as lanças da Idade Média, mas caças supersônicos, bombas, mísseis teleguiados, além de incitações beligerantes, veiculadas nas redes sociais. Para esses cruzados, portadores do que Freud denominava “Pulsão de Morte” ou “Pulsão Destrutiva”, é chegada a hora da reparação histórica de Israel, com a devolução de Jerusalém ao “povo eleito de Deus”. Entusiasmados, veem a transferência da embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, como o primeiro petardo de Javeh, no sentido de dar início a carnificina no “Vale do Armagedom”. A preparadí$$ima indú$tria de armamentos dos EUA, não está nem um pouco preocupada com as vítimas de futuros conflitos; ela está mais interessada em fomentar o sentimento destrutivo de vingança nos corações dos ressentidos que, em seu imaginário doentio, exige o pagamento através do derramamento de sangue dos inimigos de Javeh. Para a poderosíssima indústria bélica da maior Economia do Mundo, não existe melhor ocasião para de$ovar suas mais recentes e potentes armas, que os tempos atuais, em que predomina no meio religioso fundamentalista o anseio pela volta do espírito guerreiro que banhou a terra sagrada na época das Cruzadas. A poderosíssima indústria bélica se alimenta de consensos, como o que reproduzo abaixo:

“Ao discutir com seu professor sobre a resolução do conflito Palestino-Israelense, um aluno de ascendência judaica deu a versão tradicional de que o mais frágil deve-se dobrar ante aquele que tem mais poder. 'Os dois têm direito à terra; quem tiver as armas melhores vai fazer valer o seu direito' concluiu de maneira instantânea seu raciocínio”.

A ideia de uma solução bélica para resolver o conflito religioso no Oriente Médio vem varrendo, com uma intensidade nunca vista, as terras de Tio Sam, e consequentemente seu quintal o Brasil. Em um artigo publicado na Folha de São Paulo (07/12/2017), sob o título “Crença no Fim do Mundo Pesou na Decisão de Trump Sobre Jerusalém”, Igor Gielow foi certeiro na explicação dos motivos que levaram Trump a se valer do fantasioso escapismo do religioso fundamentalista. O financiamento e apoio do segmento evangélico que acredita piamente nas profecias de que o “Estado Judeu precisa estar plenamente estabelecido par dar curso à volta de Jesus Cristo à Terra” será determinante para a ascensão da figura do Anticristo no imaginário “cristão”. O Escapismo Apocalíptico, agora, mais do que nunca, vem sendo reativado. Em um primeiro momento pode-se até pensar que a prece tão repetida “Ora vem Senhor Jesus!” , não esteja carregando em seu bojo o ressentimento e o desejo de vingança. O que eles precisam saber é que “o Triunfo representa a mais efêmera das seguranças”. Os judeus, que já derrotaram assírios, gregos, romanos, bizantinos, cruzados e otomanos, conhecem a fundo essa matéria.

O desejo de escapar através da destruição do outro, tem sido uma tônica na psique do cristão fundamentalista desde os tempos mais remotos. Para esse grupo religioso, o argumento interesseiro e simplório, de apressar a “Vinda de Cristo”, nega o próprio cerne do cristianismo que não coaduna com a abdicação de se lutar por uma negociação ou conciliação, como tão bem fez ver, César Moisés Carvalho, no final de seu instigante ensaio Escapismo Escatológico”: “Vão pelo mundo inteiro anunciando a Boa Notícia para toda a humanidade (Marcos 16:15)”. Isso é o que nos cabe, mas especular sobre a Vinda de Cristo, gerando terrorismo psicológico em lugar de esperança, definitivamente é algo que não encontra respaldo algum nas palavras de Jesus”



Por Levi B. Santos
Guarabira, 15 de janeiro de 2018



6 comentários:

Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz disse...

Boa noite, Levi.

Inicialmente meus parabéns pela postagem que muito contribui para a Igreja avançar teológica e espiritualmente, bem como demolir certos mitos.

Mas se bem refletirmos, esse escapismo tem suas fortes razões na nossa psique já que ele é um forte aliado do comodismo e justifica de certo modo o status quo. Ele faz muitos se sentirem isentos de sua responsabilidade terrena e trocarem o serviço mais duro de participar politicamente pelo mais leve que é só entregar uma mensagem proselitista.

Um abraço e feliz 2018!

Levi B. Santos disse...

Realmente, Rodrigo, o escapismo escatológico tem raízes profundas na psique do religioso fundamentalista e do neurótico. Tem um efeito imobilizante sobre as ações e reações do sujeito.

Como exemplo, poderia citar um caso contado por um psicanalista:

“O cara era dominado por um medo doentio ou exagerado. De noite, na véspera de fazer uma viagem de automóvel, sonhou que se envolvia em um acidente. E não é que quase o cara partia dessa para outra. Em um determinado momento, dirigindo em uma velocidade normal, em uma reta, teve uma ligeira impressão de que o carro que vinha em sentido contrário estava pendendo para a contramão. Tomado por uma ilusão mental imbuída pelo sonho arquetípico, que fez ele? Fechou os olhos, soltou a direção do automóvel e bradou: é agora que vai se cumprir meu sonho!.” A sorte é que o motorista que vinha em sentido contrário conseguiu fazer umas piruetas e evitar que o tresloucado colidisse com o seu carro. (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Bom dia, Levi.

O comportamento desse transloucado exemplifica o que fazem muitos fundamentalistas hoje com o meio ambiente por acharem que não tem mais jeito cuidarem do planeta pois tudo, segundo eles, irá acabar e o jeito é aguardar a volta de Jesus.

Como sempre estão pensando. É agora que vai se cumprir o sonho de São João. kkkkkkk

guiomar barba disse...

Fantástica a sua postagem Levi.
Estava dizendo a uma calvinista que este Deus da "escolha" que eles pregam, justificando sua tirania por sua soberania é exatamente como os deuses da mitologia grega, quanto mais cruel, mais lindo, mas respeitado, mais cultuado.Os judeus desprezaram Jesus exatamente porque Ele não veio como o libertador que restauraria o Reino à Israel, livrando-os do domínio romano.

Eu creio sem dúvidas na volta de Jesus e no julgamento final. Se eu acredito que Jesus pronunciou o Sermão da Montanha, porque negaria suas predições quanto a sua volta... mas este deve ser um motivo que me leve a proclamar as Boas Novas de Salvação com muito maior intensidade, amando mais, vivendo mais o evangelho de Cristo; sendo luz e sal.



Levi B. Santos disse...

É agora que vai se cumprir o sonho de São João. kkkkkkk (Rodrigo)

Donald Trump, o maior representante do fundamentalismo gospel do planeta Terra, sonha gozar ardentemente a "parousia" ainda em vida (os discípulos de Cristo também foram embalados por esse sonho). Com uma magia extraordinária, Trump já começou a manipular para si as profecias do livro de Apocalípse, transferindo a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém (Foi dado, assim, o primeiro pontapé, em nome de seu deus)

Acho que a grande façanha de Trump foi reavivar o"Ora Vem Senhor Jesus!", brado repetido, em uníssono, por seus discípulos, pelo estabelecimento de um Reino Terreno Mundial da Igreja em Jerusalém. 300 anos depois de Cristo, até que o Imperador Constantino, numa prévia desse suposto milênio, uniu o Estado à Igreja, formando um só corpo.

Se pesquisarem direito vão ver que no quintal das terras de Tio Sam (o Brasil) existe muitos adeptos dessa fantasia carnavalesca de locupletação escatológica.

Resumo da Ópera:

Na ESCAPISTA e Vingativa teoria dos que adoram a literalidade da visão de João, a Igreja descerá com Cristo das moradas celestiais para Reinar sobre os súditos(infiéis) por mil anos. É essa ridícula especulação que, muitos pentecostais, para seu bel prazer, denominaram de "Pré-milenismo".


Guiomar, e Rodrigo

Há um site bem resumido, para a gente saber mais como será esse tal de Milênio, tim tim por tim tim. Quem desejar conferir esse estudo divinamente especulativo sobre o Apocalipse é só acessar o LINK(rsrs):

http://estudodedeus.com.br/milenio-um-tempo-glorioso-para-a-terra/

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

A Jerusalém de Constantino que sucedeu a Aelia Capitolina de Adriano durou até o começo do século quando os árabes invadiram a região, mas, por incrível que pareça, souberam conviver relativamente bem com judeus e com cristãos. E assim foi até as Cruzadas.

É de fato desaconselhável negar a cada uma dessas três religiões o direito de usufruir de uma cidade considerada para eles sagrada. Porém, há pontos de difícil conciliação e um deles seria o local do antigo Templo de Salomão que para os muçulmanos teria sido o lugar onde Maomé teve uma experiência transcendental. E, ao que me parece, sempre existirão radicais de cada lado buscando inviabilizar os acordos de paz e de coexistência.

Neste contexto, até que o pré-milenismo já não prejudicaria tanto porque, como mostra o próprio texto do site que indicou nos comentários, a conquista de Jerusalém só ocorreria por uma intervenção divina. Ou seja, até esse esperado dia, nada os cristãos poderiam fazer de modo que uma ocupação militar da cidade com tal intenção seria desautorizada. Não concorda?

Todavia, o que importa ao Trump é aquecer a indústria bélica e defender os interesses econômicos das grandes empresas de seu país naquela região do Oriente Médio onde tem em Israel um aliado. Claro que para isso ele tenta envolver a opinião pública dos EUA a seu favor.