Dr.
Chico Porto - de saudosa memória
Nós
médicos, para não cair na armadilha de desenganar um doente grave e
depois ter que curtir o nosso próprio engano, costumamos dizer para
o doente ansioso em saber se o prognóstico de sua patologia é grave
ou não: “Cada Caso é um Caso!”. Será que
conhecemos por dentro aquele que sofre suas dores? O experiente poeta Lusitano, Fernando Pessoa, com razão sobrada, nos aconselha a não cairmos no auto-engano de
um dia poder compreender o sujeito por dentro: “Nada sabemos da
alma senão da nossa; as dores dos outros são olhares, são gestos,
são palavras, com a suposição de qualquer semelhança no fundo”.
(Fernando
Pessoa)
Os
sintomas do enfermo no desenvolvimento de sua patologia variam
conforme as inúmeras situações: de fundo biológico, psíquico,
cultural e religioso. Essa realidade, hoje, nos desencoraja a
desenganar alguém em seu sofrimento físico e psíquico. Afinal,
como iríamos desenganar alguém, se não temos 100% de certeza
quanto ao desfecho de quadros patológicos que dependendo da eficiência do sistema imunológico pode retardar o enlace final?
Sabemos, hoje, que os estados imunológico e psicológico de um
paciente, podem, de uma hora para outra, modificar todo um quadro que
se considerava de suma gravidade.
O
psiquiatra, Luís Carlos Bethancourt, em um recente artigo (de
23 de janeiro de 2018)
―
“Doença
mental: Cada caso é um caso”
─
, realça
bem
o
que tento
demonstrar.
O
Dr. Luís Carlos,
no
final do
seu
brilhante
texto,
nos brinda
com essa
insofismável
conclusão
que,
com os devidos créditos, faço questão de aqui reproduzi-la:
“Não
é porque somos todos da espécie humana que todos somos iguais. Cada
um de nós tem a sua singularidade, sua unicidade, que não se
repete. Somos parecidos com nossos pais, mas não somos iguais. Não
é porque funcionou um remédio em fulano de tal que irá funcionar
em nós de maneira semelhante. Existe uma grande probabilidade de que
sim, mas há também a probabilidade que não”.
Tenho
muito vivo na lembrança
os
conselhos do professor, Chico
Porto
(Professor
de Clínica Cirúrgica da Faculdade Medicina da UFPB).
Em
suas
magnas aulas no ambulatório do Hospital Santa Isabel costumava
repetir
uma frase que ficou célebre entre os colegas da Turma de Medicina de
1971. Quando
o sábio e experiente médico dissertava sobre apendicite aguda (no
tempo em que os
únicos meios
de diagnósticos,
além da história contada pelo doente, eram
os exames de sangue, a palpação/
percussão do
abdome e
o Raios X),
perguntávamos em uníssono: “opera
ou não opera o doente, professor?”.
Ao
que ele respondia, expondo um
sorriso inconfundível: “Em
Medicina, nem nunca, nem sempre!”. Foi
através
de sua pequena, mas profunda frase,
que
ficamos
entendendo o cerne do
que ele queria
nos
passar:
Como
médicos e
não deuses, em
hipótese alguma, poderíamos
afirmar
ou
atestar “nunca
isso vai acontecer!”,
ou “determinada doença,
terá
sempre
tal
modo de
evolução ou resolução!”.
Nunca
desenganar, porque desenganar é enganar a si próprio e
ao doente;
nem sempre
devemos
agir
como se
nossos parcos conhecimentos nos dessem autorização para emitir
decretos sobre a vida dos outros,
pois
como escreveu
o
profeta
bíblico, Jeremias,
“enganoso
é o coração, mais
do que todas as coisas”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
23 de janeiro de 2018
4 comentários:
Boa tarde, Levi.
Já dizia o filósofo que:
"Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa." (Sócrates)
Sem ter certeza de nada neste mundo, ouso rascunhar que somos todos pacientes com um diagnóstico aberto.
Um abraço.
Perfeito: "Como médicos e não deuses," quem sabe quando o autor da vida decide curar um enfermo em estado terminal?
Rodrigão: "Sem ter certeza de nada neste mundo, ouso rascunhar que somos todos pacientes com um diagnóstico aberto." Belo entendimento.
O diagnóstico que realmente me preocupa é o da minha alma. Ando sem medo algum dos diagnósticos médicos. rsrs
O psicanalista Flavio Gikovate, de saudosa memória, achava estranho a família do enfermo dizer a frente de todos: "Ele foi desenganado pelos médicos"
Ora, disse Gikovate, Desenganado é aquele que já sabe que vai morrer, ao passo que aqueles que gozam de boa saúde, que ainda não sabem que vão morrer, são os “enganados”.
O sábio analista, foi mais profundo. (rsrs)
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