23 janeiro 2018

“Cada Caso é Um Caso”



Dr. Chico Porto - de saudosa memória


Nós médicos, para não cair na armadilha de desenganar um doente grave e depois ter que curtir o nosso próprio engano, costumamos dizer para o doente ansioso em saber se o prognóstico de sua patologia é grave ou não: “Cada Caso é um Caso!”. Será que conhecemos por dentro aquele que sofre suas dores? O experiente poeta Lusitano, Fernando Pessoa, com razão sobrada, nos aconselha a não cairmos no auto-engano de um dia poder compreender o sujeito por dentro: “Nada sabemos da alma senão da nossa; as dores dos outros são olhares, são gestos, são palavras, com a suposição de qualquer semelhança no fundo”. (Fernando Pessoa)

Os sintomas do enfermo no desenvolvimento de sua patologia variam conforme as inúmeras situações: de fundo biológico, psíquico, cultural e religioso. Essa realidade, hoje, nos desencoraja a desenganar alguém em seu sofrimento físico e psíquico. Afinal, como iríamos desenganar alguém, se não temos 100% de certeza quanto ao desfecho de quadros patológicos que dependendo da eficiência do sistema imunológico pode retardar o enlace final? Sabemos, hoje, que os estados imunológico e psicológico de um paciente, podem, de uma hora para outra, modificar todo um quadro que se considerava de suma gravidade.

O psiquiatra, Luís Carlos Bethancourt, em um recente artigo (de 23 de janeiro de 2018) “Doença mental: Cada caso é um caso” , realça bem o que tento demonstrar. O Dr. Luís Carlos, no final do seu brilhante texto, nos brinda com essa insofismável conclusão que, com os devidos créditos, faço questão de aqui reproduzi-la:

Não é porque somos todos da espécie humana que todos somos iguais. Cada um de nós tem a sua singularidade, sua unicidade, que não se repete. Somos parecidos com nossos pais, mas não somos iguais. Não é porque funcionou um remédio em fulano de tal que irá funcionar em nós de maneira semelhante. Existe uma grande probabilidade de que sim, mas há também a probabilidade que não”.

Tenho muito vivo na lembrança os conselhos do professor, Chico Porto (Professor de Clínica Cirúrgica da Faculdade Medicina da UFPB). Em suas magnas aulas no ambulatório do Hospital Santa Isabel costumava repetir uma frase que ficou célebre entre os colegas da Turma de Medicina de 1971. Quando o sábio e experiente médico dissertava sobre apendicite aguda (no tempo em que os únicos meios de diagnósticos, além da história contada pelo doente, eram os exames de sangue, a palpação/ percussão do abdome e o Raios X), perguntávamos em uníssono: “opera ou não opera o doente, professor?”. Ao que ele respondia, expondo um sorriso inconfundível: Em Medicina, nem nunca, nem sempre!”. Foi através de sua pequena, mas profunda frase, que ficamos entendendo o cerne do que ele queria nos passar: Como médicos e não deuses, em hipótese alguma, poderíamos afirmar ou atestar nunca isso vai acontecer!”, ou “determinada doença, terá sempre tal modo de evolução ou resolução!”.

Nunca desenganar, porque desenganar é enganar a si próprio e ao doente; nem sempre devemos agir como se nossos parcos conhecimentos nos dessem autorização para emitir decretos sobre a vida dos outros, pois como escreveu o profeta bíblico, Jeremias, “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas”.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 23 de janeiro de 2018

Site da Imagem: http://www.portalmedico.org.br/Regional/crmpb/jornalcrmpb/ano2003/Maio-Junho/memoria.htm

4 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa tarde, Levi.

Já dizia o filósofo que:

"Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa." (Sócrates)

Sem ter certeza de nada neste mundo, ouso rascunhar que somos todos pacientes com um diagnóstico aberto.

Um abraço.

guiomar barba disse...

Perfeito: "Como médicos e não deuses," quem sabe quando o autor da vida decide curar um enfermo em estado terminal?

guiomar barba disse...

Rodrigão: "Sem ter certeza de nada neste mundo, ouso rascunhar que somos todos pacientes com um diagnóstico aberto." Belo entendimento.

O diagnóstico que realmente me preocupa é o da minha alma. Ando sem medo algum dos diagnósticos médicos. rsrs

Levi B. Santos disse...

O psicanalista Flavio Gikovate, de saudosa memória, achava estranho a família do enfermo dizer a frente de todos: "Ele foi desenganado pelos médicos"

Ora, disse Gikovate, Desenganado é aquele que já sabe que vai morrer, ao passo que aqueles que gozam de boa saúde, que ainda não sabem que vão morrer, são os “enganados”.

O sábio analista, foi mais profundo. (rsrs)