Às
vésperas do Natal de 2010 escrevi, nesse meu recanto do Google, o
ensaio ― “NATAL:
É Tempo de Rever Nossos Anjos” .
No prólogo do artigo postado naquela época, dizia eu: “A
história dos anjos se confunde com a história do homem, estando,
relacionada ao nosso lado profano e ao nosso lado divino. A
presença invisível dos anjos se confunde com o universo de nossos
sentimentos, ambições, virtudes e falhas. Uma história repleta de
contradições.”
Em
sentido metafórico, a mente é a morada dos anjos. No mês de
dezembro suas vozes se tornam mais audíveis, mais estridentes,
atiçando de forma violenta os desejos humanos narcisistas. Na atual
sociedade de consumo, as vozes angelicais do Natal têm ressoado
fortemente no coração de muitos. O Rei e poeta bíblico Davi em seu
mais famoso poema(Salmo de n° 23), cantava: “O Senhor é meu
Pastor, Nada Me Faltará”. O desenvolvimento tecnológico
criador de necessidades e impulsionador de desejos, na era moderna,
para elevar as vozes de seus anjos, fez do título da poesia de Davi
um bordão para servir de marketing a um indomável Senhor: O
Mercado. Segundo os evangelhos, Cristo, uma vez, tentou expulsar os
anjos desse “Senhor Mercado” do interior do Templo de Jerusalém,
no episódio que ficou conhecido como “A Expulsão dos Vendilhões
do Templo”. Eles faziam comércio com o sagrado, ocasião em que o
Messias prometido sapecou a célebre frase ―
“minha casa é casa de oração, e não covil de ladrões!”.
No
Natal, os anjos do “Senhor Mercado” parecem redobrar os decibéis
de suas vozes. Os que resistem ir às compras, usando seu décimo
terceiro salário para pagar suas dívidas, são poucos. “Corra,
você pode chegar atrasado aos nossos standards!” ─
ecoa em uníssono o coral de anjos do Senhor Mercado, ao som de
emocionantes cantos natalinos. É impossível o consumidor resistir
ao apelo dos anjos que se encontram em torno do messias abarrotado de
presentes em sua manjedoura. No imaginário coletivo da civilização
ocidental, os mensageiros angelicais, nas festas do período
natalino, portam uma rica faixa com dizeres em letras garrafais
imensamente coloridas e flamejantes, condicionadores de êxtases
consumistas irresistíveis:
“A
via para a felicidade ou o máximo de prazer passa pela satisfação
irrestrita de todos os desejos. Não temam começar o próximo
ano endividado, o que importa é seu prazer, aqui e agora.
O Nosso Deus Mercado promete que todos os gastos que
ultrapassar o salário de seus clientes serão
beneficamente negociados no futuro”.
Na
“Tentação do Deserto” ─
metáfora dos “Desejos humanos”, relativa ao TER” ─,
até mesmo Cristo se viu diante de um oferecimento, cuja essência
tem tudo a ver com a lógica mercantil do mundo de hoje: “Tudo
Isso Te Darei se Prostrado me Adorares”. É na época natalina
que os anjos do Senhor Mercado mais martelam em nossos ouvidos uma
musicazinha mundialmente conhecida, símbolo maior do $eu “céu
paradi$íaco”, que assim termina: “...muito dinheiro no bolso,
saúde pra “dar” e VENDER”. Enquanto Javeh, no Velho
Testamento, conjuga o verbo SER, ao afirmar ─
“Eu Sou o Que Sou!”, o deus do Mercado global troca o SER
pela forma verbal TER, o mais almejado verbo da supermoderna
sociedade de consumo. Para ele o consumir é bem mais interessante:
alivia a ansiedade porque o que se tem não pode ser tirado. Pode,
sim, ser trocado por outro bem que mais se identifique com a moda da
época. Talvez por isso, o Deus Mercado, através de seus anjos, não
cansam de anunciar em bom som: “Eu Sou o Que Tenho e o Que
Consumo”. Enquanto a mensagem do Messias visa não ceder às
tentações do Desejo no Modo TER, Papai Noel, o anjo maior do “Deus
Mercado” insufla a capitulação. Os anjos comerciais estimulam o
sujeito a não resistir a esse tipo de tentação, induzido-o dessa
forma, a uma relação de completa inércia e não de vida com os
objetos que obsessivamente adquirem. Se as pessoas não podem conter
o imbatível Deus Mercado, é porque se encontram Nele contidos ou
entranhados, desde tempos imemoriais.
Não
nos causa surpresa, o Evangelho da Prosperidade Econômica ser, hoje,
o que mais cresce no mundo ocidental, Seus anjos estão anunciando
suas “Boa$ Nova$” por toda a parte, mais especialmente no âmbito
da Televisão (os Tele-Anjos). A adoração que os humanos têm por
eles é irresistivelmente tentadora. Esses hábeis anjos conjugam o
verbo TER em todas as pessoas. É Importante salientar, aqui, que a
locução “eu tenho”, no hebraico de forma indireta,
significa o maravilhoso sentimento de posse: “é para
mim”. “Quem me livrará do corpo dessa morte?!” ―
escreveu o apóstolo Paulo aos Romanos. Parafraseando o apóstolo
fundador do cristianismo, eu diria: quem resistirá ao
divinal/profano chamamento do Deus Mercado, autor de anúncios como
este?:
“Esse
mês todas as famílias serão ricamente compensadas. Todos poderão
ter acesso a generosa oferta de oportunidades de endividamento. Não
importam a desigualdade social, a corrupção endêmica e a
miséria que assolam o país, o que importa é que Deus se fez
Mercado e habitou entre os seus para a glória de todos que possuem a
sua poderosa moeda de troca”.
Robert
Merton, sociólogo estadunidense, há meio século, já falava do
“Efeito Mateus”, que Wolfgang Streeck redenonimou de “Princípio
de Mateus”, e que o Deus Mercado tomou emprestado dos evangelhos,
para fazer de seu: “Pois a qualquer que tiver, será dado, e
terá com abundância. Ao que não tiver, até o que tem será
tomado.(Mateus 25:29)
O homem moderno não pode conter o imbatível Deus Mercado, exatamente por estar Nele contido. É precisamente no mês de Dezembro que os anjos do Deus Mercado se soltam para
sussurrar aos ouvidos de muitos:
“Você
quer Ter(se apossar) das Boa$ Nova$ de $alvação? Se responder, SIM,
cuide de trocar seu carro, trocar seu smartphone ultrapassado
por um mais moderno, não deixe de adquirir sapatos novos,
calça e camisa de grife, seu vestido estiloso e brilhoso
sempre a combinar com joias de
última geração. Dirija-se aos templos
modernos de consumo(shoppings), e
procure se encantar e se
embevecer com os sensacionais objetos
irrecusáveis que estamos exibindo
em nossas vitrines celestiais. Se, por outro
lado, responder 'NÃO', será condenado ao ostracismo
eterno”.
O
Deus Mercado não quer que ninguém se perca: A rendição aos
Desejos de Posse será a única opção para não se cair na
“Perdição Eterna”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
18 de dezembro de 2017
Site
da Imagem 1:
www.mundoemtranse.com,br
Site
da Imagem 2:
www.rbchristanelli.wordpress.com
Site da Imagem 3: www,fernandonogueiracosta.wordpress.com
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4 comentários:
Excelente reflexão,para estes dias natalinos de consumo desenfreado.
O tal do "deus mercado" mercantilizou a vida, e o capitalismo selvagem que lhe sopra as labaredas, dominou nosso modo de sentir a vida, comandando nossos sentimentos completamente. Hoje esse capitalismo nos inspira um modo peculiar de sofrer, de amar e viver a vida. Sofremos pelo que não queremos, aspiramos coisas pelas quais não sabemos. Sofre-se por não ter altas somas de dinheiro, sofre-se por não ostentar toda pompa em cargos e posições "destacadas" na "sociedade dos sonâmbulos", sofre-se e deprime-se por não ser "alguém", segundo a gramática mercadológica do capitalismo. Esse capitalismo "esquizofrenizou" o mundo, e as pessoas cada vez mais padecem de depressão ante e pós consumo. A exacerbação do consumo insuflado pelo capitalismo nas "veias", faz-nos deprimidos e tristonhos por não escalarmos a trilha do "sucesso" absoluto em tudo que se faz, faz-nos excluídos quando não seguimos a "ditadura da felicidade" (nem que seja a base de lexotans, alprazolans, diazepans, entre outros barbitúricos mais alucinógenos), faz-nos "menos" importantes quando não podemos consumir tudo e todas as coisas inúteis de que não precisamos para sermos felizes. Bauman, Bourdieau, Boaventura e outros sociólogos já denunciavam esse "moinho satânico" em que estamos enredados. No Natal o homem coisifica-se ainda mais, objetiza-se "marquetizado", cede completamente dominado, aos arreios que a sociedade consumerista lhe impõe. A ideia do menino Jesus que renasce em dezembro (aliás uma mentira histórica, pois não nasceu nessa data), é mero pretexto de fim de ano para incrementar os negócios dos grandes empresários e industriais do país. Porém, no império dos sentidos do nosso tempo, a felicidade capitalizou-se, e o "homo capitalisticus" se realiza em fazer-se refugo, refugo humano, nesse jogo em que o ser humano sempre sai perdendo. Desumanizaram o Natal, desumanizaram o próprio homem, escravo da matéria anunciada, como um dia cantou Drummond. O capitalismo é uma serpente que devora a própria cauda, e o maior problema é que vai fagocitando seu hospedeiro, sugando-lhe às forças, à medida que o põe de joelhos, subjugado ao poder do seu monetarismo excruciante. Esse mercado desregulado e despolitizado que querem os grandes financistas do mundo globalizado só produz desigualdade e miséria, um mundo de flagelados que têm cada vez menos, e na outra banda, um conjunto de palácios para endinheirados que têm cada vez mais. O tal "Natal" só funciona para os abastados, para os desvalidos, redunda no máximo em esmolas periódicas de dezembro!Esse é o engodo da globalização hegemônica que muitas vezes "gostamos" de engolir por essa época!
George.
George
Acho que tuas reflexões carregadas de indignação(realçadas pelas geniais expressões, como ("sociedade sonãmbulos", "Homo capitalisticus", "ditadura da felicidade") , suplantaram o que tentei passar em meu magro ensaio.
Digo com toda sinceridade: teu comentário, feito com a pena de quem já percorreu muita estrada no âmbito da literatura e das Relações Políticas Internacionais, resumiu de forma brilhante e incisiva tudo que um dia sonhei por no papel.
Como é bom ser Mestre, não é? As palavras fluem num dinamismo tremendo, com a maior naturalidade. (rsrs)
Abçs,
Levi
Caro Levi.
Primeiramente, feliz Natal ao amigo.
Sobre o culto ao deus Mercado nesta época, sem dúvida trata-se de uma terrível alienação. Porém, considero que o costume das pessoas se presentearem (ou pelo menos os pais aos seus filhos) pode se tornar algo positivo quando o fazemos com moderação.
Como escrevi na minha postagem de hoje, o fato do Papai Noel ter uma inspiração na figura de São Nicolau, o qual presenteava as crianças no século IV, pode ter o seu lado útil. Daí cada pai buscando o melhor para o seu filho, pode escolher um presente que de fato contemple um aspecto pedagógico. Só que não é isso que acontece na prática.
Infelizmente falta uma educação de qualidade ao povo brasileiro e a nossa população continua refém do consumismo há muitas gerações. Porém, vale a pena textos como o seu para as pessoas melhor refletirem acerca do assunto.
Um abraço e boas festas
Em tempo!
No último artigo que escrevi sobre o Natal, tento moderar um pouco as coisas:
http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2017/12/o-natal-e-nossa-cultura.html
Um abraço
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