Nada
melhor que
a palavra
poética para exprimir
o vazio existencial do sujeito. A
ânsia de retomar
o desejo
inefável das
benesses sagradas de um pai simbólico, faz
com que o
individuo “tenha
que” abdicar das vestimentas que recobrem sua nudez.
É justamente a
falta que provoca em nós o desejo. Uma vez, satisfeito o desejo, o
vazio volta a nos encontrar em uma outra parte de nossa trágica
vida.
“...A
arte é, em si, capaz de comover o humano, desde os primórdios da
civilização”
—
afirmou
a
psicanalista Marília Brandão Lemos, em um artigo publicado na
conceituada Revista “Estudos de Psicanálise” (PEPSIC) de
setembro de 2006, sob o título: “Poesia,
Psicanálise e Ato Criativo” , citando,
em seguida, a providencial frase do poeta Mário Quintana: “E
eis que, tendo Deus descansado no sétimo dia, os poetas continuaram
a obra da criação.”
Toda
criatura é atravessada por um Desejo de
Ser (ou de Ter),
desejo
intermediado pela palavra. Parafraseando
o prólogo do Evangelho de S.
João, eu diria
que, o desejo se fez gerado em nossa carne, antes mesmo de termos
consciência: É
sobre esse
“desejo
criador”,
que Marília Lemos, em seu
artigo abaixo, faz
a seguinte alusão:
“O
Poeta, é um artesão da palavra, que forja o verbo com martelo e
bigorna. Forjar a coisicidade da mesma. Como disse Lacan: 'à
dignidade do indizível', do objeto perdido, do pulsional em seu
efeito sublimatório que se sustenta sobre o NADA.
Segundo
o criador da psicanálise, o desejo expresso nas artes, na literatura
(poesia) adviria de redutos do processo psíquico
primário, e
o artista teria
acesso privilegiado aos elementos do Inconsciente, pelo
seu talento natural”.
No
imaginário do poeta/religioso, à
linguagem
universalizante do Superego (imago divina paterna) é
representada por
algo interno que
não cessa de
ordenar ou exigir(simbolizado
no poema de Gil,
pela expressão
repetitiva
“tenho
que...”).
O “tenho
que calar a voz/ tenho que aceitar a dor”
é a
condição necessária para que o
amargor existencial do
sujeito seja
amenizado.
Todo
esse preâmbulo de
divagações pelos meandros da arte poética,
da psicanálise e
da Religião tem
um propósito salutar. Portanto, não me alongarei, partindo para o
que realmente interessa:
Movido
por um processo
dialético/simbólico/existencial, Gilberto
Gil, elaborou,
em 1980, um
poema metafórico,
representação da ambivalência dos afetos humanos
—
“Se Eu
Quiser Falar com Deus”.
Nas
palavras da psicanalista, Marília Brandão Lemos:
“… o artista para criar, cria do despoder, da fraqueza humana, da
impotência, do desamparo humano e não da Providência Divina. Cria
da finitude e não da Eternidade Divina”.
Na
realidade, o
poema de Gil
revela, mais que
tudo, o desejo do artista, em seu caos interno, por “...um
espaço onde ainda seja possível se mexer, quiçá voar”.
“Decidido
pela estrada/Que ao findar vai dar em nada/Nada, nada, nada/ Do que
eu pensava encontrar” —
O desfecho
do poema evidencia elementos de fundo psicanalítico.
Como
a linguagem do
Inconsciente (Deus – Pai simbólico) corresponde ao avesso do
discurso do sujeito, o
desejo é, ao inverso, dom daquilo que não temos. É confusão da
falta, do vazio; é o oco ou espaço vazio de um vaso, ou seja, é
o Nada. Nas
palavras do psicanalista francês,
Philippe julien,
“o Desejo está para além da linguagem, hiância sempre aberta, a
um só tempo lugar de medo e de fascinação”.
O
“Nada do que desejava encontrar” do
final do poema de
Gilberto
Gil, é uma
espécie de queixa, e
em termos
psicanalíticos corresponde ao que Philippe Julien, aqui, afirma:
“O
que ele
busca no outro é o precipício de seu desejo, para
que o abismo de sua própria ausência tenha mais atrativos para o
outro que sua limitada presença”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
14 de dezembro de 2017
Um comentário:
"Opá, um bom texto sobre a poética de Gil. Psicanálise de complexa prosa viu!!!! Mas talvez Jung dissesse que não se trata só do desejo freudiano. Gil é um cara religioso, devoto, venera santos e entidades afro, então, pensando nisso e nos ensinamentos de Jung, há na letra uma indissociável relação do homem-pecador-pedinte com a busca (religação) de um "senhor" do universo e "criador" de todas as coisas. Há na letra uma clara alusão ao abandono do homem, seu desespero humilhante que rasteja na busca da misericórdia e graça de seu deus, implorando salvação, perdão, de uma danação de que não se sabe, não se tem idéia, pois o caminho vai dar em "nada, nada, nada, nada, do que eu pensava encontrar". O poema de Gil é uma declaração de abandono e desespero humano, que busca no ascetismo um solução para a equação inexplicável e irresoluta da vida. Se tenho que ficar a sós e apagar a luz, e calar a voz, e encontrar a paz, e folgar os nós dos sapatos, da gravata e dos DESEJOS, e dos receios, perdendo a conta de mãos vazias com a alma e o corpo nus... Aceitar a dor e comer o pão que o diabo amassou, virar um cão, lamber o chão dos palácios, dos castelos suntuosos do meu SONHO, e me ver tristonho, me achando medonho, e ainda alegrar meu coração... Se eu quiser falar com Deus tenho de me aventurar, e subir aos CÉUS, sem cordas pra segurar, dizer ADEUS, dar as costas, caminhar, decidido pela estrada, que ao findar vai dar em nada, nada, nada, nada, nada, nada, do que eu pensava encontrar... A letra é fantástica, mesmo que depois de despida pela "lógica" freudiana ou Junguiana!!!
[Comentário de George Bronzeado - enviado por e-mail]
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