10 novembro 2017

A “Suprema Compaixão” no Reino de Trump





Na cerimônia de posse do presidente republicano, Donald Trump, a pastora Paula White fez, em oração, esse pedido: “Deus misericordioso, revele ao nosso presidente a capacidade de conhecer a vontade, a sua vontade, a confiança para nos liderar e a COMPAIXÃO para ceder ante os nossos melhores anjos.” (Vide lin). 

Em seu discurso de posse, Trump bradou: “Essa carnificina americana termina aqui e agora!”. As tiradas de cunho xenófobo do presidente recém eleito, não se constituem surpresas: as profecias anunciadas durante sua campanha já tratavam do pacote de maldades que viria à baila, assim que o resultado das eleições fosse oficialmente confirmado. 

O “novo-velho” messias da hipermodernidade americana, em seus discursos fundamentalistas, prometia devolver a “Terra Prometida” aos americanos, ao mesmo tempo, cheio de empáfia, ameaçava expulsar e devolver os imigrantes a seus países de origem. Achando pouco, para gáudio dos ”compassivos” da nação que o apoiou, fomentava a construção de um muro de separação na fronteira de seu reino com o México.

A prece da pastora implorando a Deus o derramamento da compaixão no coração empedernido de Trump trouxe a minha memória dados estatísticos sobre esse afeto à moda americana que o escritor e historiador inglês, Theodore Zeldin, em Uma História Íntima da Humanidade” (obra antológica escrita há mais de setenta anos), tão bem dissecou. Saliente-se que as referências estatísticas desse autor, apesar de serem antigas, na atualidade permanecem praticamente incólumes. Sobre a Compaixão Americana, disse Theodore, de forma contundente:

Hoje em dia, 45% de todos adultos se engajam em trabalho voluntário, ajudando os outros pelo menos cinco horas por semana. Mas a maior parte deles(54%) acredita que as pessoas, em geral, atraem sofrimentos e que a caridade não é uma resposta, mas apenas um curativo temporário. Dois terços dos americanos consideram importante não se envolver muito nos problemas alheios: antes de tudo, convém cuidar de si mesmo e, se ainda lhe restar força, então ajude os outros. […] Ficou demonstrado que os frequentadores de igrejas não são mais compassivos do que aqueles que não as frequentam; não param para prestar socorro a um garro enguiçado nem cuidam de parentes idosos com mais frequência. Alguns apreciam aquela sensação de 'amaciar o ego' ao serem tidos como generosos, ou heróicos, e se sentem aventureiros quando demonstram misericórdia; é o espírito de aventura o que mais o estimula. Nos velhos tempos, os americanos tentavam ser compassivos, em obediência aos mandamentos de Deus. Agora, valem-se mais frequentemente da terapia para explicar seus motivos: a caridade lhes faz bem, melhora a imagem que fazem de si”.

Vez por outra estamos a confundir “compaixão”, com “pena”(dó). Compaixão, seria sentir com o outro, sofredor. O sentimento que expressamos como pena, por sua vez, poderia dar a ideia de algo partindo de um ser em condição mental superior para um ser em estado psíquico inferior. Mas a pena que sentimos do outro que sofre, pode perfeitamente ser uma ressonância ou consequência de um acontecimento doloroso vivido em nosso passado de criança ou de adolescente. No caso, esse sentimento estaria mais para a compaixão, se por compaixão entendêssemos a repetição imaginária de algo doloroso vindo dos recônditos de nossa psique. A situação daquele que sofre, detonaria em nós o gatilho de um despertar. Seria o caso de se dizer que o afeto da compaixão, volta e meia, a nós retornaria no encontro com o outro que no presente padece; as dores do outro corresponderiam às dores primevas, quem sabe, relativas às coisas aparentemente esquecidas, mas poderosamente arquivadas nos porões do nosso sombrio inconsciente.

Mas há outras modalidades forçadas da “generosidade compassiva”, que talvez estejam a balançar os corações dos republicanos que elegeram Donald Trump. Por se situar dentro do jogo do poder terreno, e ser de natureza interesseira, essa modalidade de compaixão está mais para uma farsa.

Como bem sabemos, a “generosidade compassiva” pregada pelas religiões dominantes, em sua prática, carrega o cheiro da vaidade. No discurso da religião oficial pedagógica americana do Reino de Trump, esse afeto “generosamente compassivo”, traduzido pelo lado avesso, busca, sobretudo, a admiração das pessoas, reforçando a vaidade ou o caráter mercantil e fundamentalista de grande parte da suprema membresia republicana.

Na verdade, o mote de fundo puritano “América para os Americanos” , brandido pelo presidente, assemelha-se muito ao apregoado por Hitler: o Führer alemão no passado de tão triste memória, invocava a pureza da raça ariana, em detrimento dos judeus e demais minorias. Hoje, na esteira da xenofobia trumpiana, ganha terreno uma compaixão às avessas assumida de forma egocêntrica pelos ativistas da supremacia branca dos EUA. Recentemente, a cidade de Charlottesville(EUA) serviu de palco para a explosão de ódio por parte de "brancos supremos" contra negros e judeus.

Ao que parece, a Era Trump veio despertar, em um suposto povo divinamente escolhido para mandar e desmandar na América, a adormecida intolerância contra os considerados hereges e os rotulados de “raça inferior”. No entanto, quando esse “povo de sangue supremo” planeja a purificação de seus pecados ou podridões, são exatamente os marginalizados que são usados por ele como “bode expiatório”(no ritual de purificação praticado pelo povo hebreu, um bode era escolhido para carregar os pecados da comunidade. Depois, o animal era abandonado no deserto, para que os males nele projetados ficassem bem distantes do “povo sagrado”).

Na visão radical do todo-poderoso, Trump, a compaixão é entendida pelo avesso: os oprimidos não são os estrangeiros que vivem nos EUA, são os americanos ressentidos que perderam um pouco de suas riquezas, e agora culpam os imigrantes pelo seu estado atual. Mas, no Velho Testamento há uma passagem bastante interessante, um conselho dado ao povo escolhido de Javeh, para que pudesse manter o passado bem vivo em sua mente, quando acolhido foi em terras estranhas (Egito). No entanto, hoje, em benefício próprio, os remanescentes desse povo preferem se fazer de cegos para aquilo que os escribas, a respeito do sentimento compassivo, deixaram escrito no Livro Sagrado(Torah) do Deus a quem supostamente seguem:

Ao estrangeiro não maltratarás, nem o oprimirás, pois vós mesmos fostes estrangeiros na terra do Egito.” (Êxodo 22: 21)


Por Levi B. Santos
Guarabira, 10 de novembro de 2017

Site da Imagem do topo: vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/preconceito-a-supremacia-branca-e-o-racismo-nos-eua.

Um comentário:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi.

A princípio parabenizo o amigo pelo seu texto e compartilho que hoje observo com muita preocupação as atitudes de Trump.

Mais triste é saber que ele não chegou sozinho à Casa Branca e que há leitores ainda mais radicais e intolerantes do que ele.

Felizmente, democratas e republicanos de bem têm se unido nos EUA para que o corpo estranho dentro da política norte-americana fique isolado e quem sabe até sofra um impeachment pelas suas ligações impróprias com os russos.

Um abraço e desde já lhe desejo um ótimo feriado.