11 fevereiro 2019

O “Estado/Mercado” e a Eterna Insegurança






As recentes tragédias de Brumadinho e das dez crianças que morreram enquanto dormiam no Centro de Treinamento do Flamengo, me fizeram voar no pensamento, assim como, mergulhar profundamente no oceano escuro/obscuro da reflexão.

As vítimas da primeira tragédia foram enterradas vivas na lama da Vale. Vejam que ironia: deve ter sido a mesma Vale que extraiu o ferro em Minas Gerais para transformá-lo em aço, a fim de que o mercado pudesse construir o container de uma porta só, e sem janelas. Esse monstro de aço, de quatro faces retangulares, veio a servir de local de descanso e dormitório para dez crianças que estavam sendo preparadas para brilhar no Mercado Internacional do futebol. Forjados seriam no mais querido clube do Brasil o Flamengo do Rio de Janeiro. Após a tragédia, na televisão, não faltaram especialistas em economia a brandir seus números estratosféricos: “A Vale perdeu 51 bilhões com o acidente em Brumadinho – Mg”.

Jamais, na vida, cheguei a imaginar que, num clube tão famoso, crianças/adolescentes (futuros atletas) estivessem a dormir em uma arapuca semelhante a uma lata de sardinha.

O Mercado de Formação de atletas arrebanham crianças de 14 à 15 anos mediante promessa de serem, um dia, exportados para os grandes clubes do mundo europeu. Na corrida em busca desse sonho há um preço a pagar: é necessário que alijem de suas vidas uma fase de suma importância no desenvolvimento do ser humano: a adolescência. Nessa fase há transformações neuro-hormonais que requerem acompanhamento mais aconchegante no seio da família, na escola, e na sociedade , coisa que todo indivíduo deveria levar a sério.

Por falar em “levar a sério”, lembrei-me, agora, do artigo “Futebol é Coisa Séria” , de Emerson Gonçalves, jornalista esportivo do “Globoespote.com”. Cai bem aqui, alguns trechos que pincei do seu emblemático ensaio editado em 18/02/2012:

E nesse mundo, especialmente em clubes e muitas federações falta seriedade. […] Vamos pegar sério no trato da grande indústria do futebol. Vamos exigir clubes bem administrados, salários em dia, federações bem dirigidas em prol de bem dos clubes e, sobretudo, dos torcedores. Vamos pegar sério, para valer, na exigência de segurança”.

Sobre a tal Exigência de Segurança”:

Sobre a “exigência de segurança” que tanto nos consome diante de lamentáveis fatos, pelo lado avesso, vem logo a nossa mente a percepção da “Eterna Insegurança”, da qual, infelizmente, somos escravos. Sabendo que o “deus do Mercado Esportivo” (como acontece em outras áreas mercantis) joga com a insegurança, recorro a Zigmunt Bauman, em “O Retorno do Pêndulo” (páginas 86 e 103):

Mas sem a vulnerabilidade e a incerteza não haveria o medo; e sem o medo não haveria o poder”. Na verdade o deus-Mercado é onipotente para o que lhe interessa. Quando é para seu único benefício ele priva de seu poder as próprias vítimas.

Continua, Zigmunt Bauman, o seu raciocínio sobre esse deus “potente/impotente”

Mas um deus sem poder não é uma força na qual se possa se confiar, que cumpre a promessa de fazer de certas pessoas seu ‘tesouro particular’, sua propriedade peculiar dentre os povos”.[…] Ao contrário da insegurança nascida do Mercado, óbvia e visível demais para que se possa consolar suas vítimas, essa insegurança alternativa com que o Estado espera restaurar o monopólio da redenção deve ser reforçada ou superdramatizada, para inspirar um volume suficiente de ‘medo oficial’, ao mesmo tempo se obscurece e se relega a segundo plano a insegurança economicamente gerada sobre a qual o Estado nada pode e nada quer fazer”.

Após os recentes e graves acidentes, que poderiam ter sido evitados, a palavra “AMOR” veio à tona nos quatro cantos do planeta Terra. Talvez, o psicanalista argentino, Gustavo Dessal, tenha sido mais feliz ao substituir, na atualidade, essa nobre palavra, por “degradação líquida do amor”, como mostra o trecho, abaixo, pinçado do prefácio que fez sobre O Futuro do Mundo Líquido de Zigmunt Bauman.

A degradação líquida do amor é um grave sintoma de nossa época, na qual a ação corrosiva do discurso neoliberal encontra cada vez menos obstáculos para transformar cada um de nós em mercadoria” (Gustavo Dessal)


Por Levi B. Santos
Guarabira, 11 de fevereiro de 2019


5 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Levi

Parabéns pelo seu texto!

Num "capitalismo selvagem" como é o Brasil, infelizmente o deus mercado faz o que bem lhe entende. Logo logo se esquecerá dessas tragédias e a fiscalização passará a ser vista como impedimento burocrático. Ou então atuará com suavidade segundo as ordens do chefe.

Triste nação cujo deus o mercado!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Corrigindo o final do comentário;

Triste é a nação cujo deus é o mercado.

Levi B. Santos disse...

O Poder do Mercado vai muito além do que se pode imaginar, caro Rodrigo.

No Reino do Capitalismo selvagem quem faz e desfaz é o poder sádico, na medida em que obriga o sujeito necessitado a se submeter a seus desígnios.
Nos casos das duas tragédias ventiladas no ensaio postado, famílias inteiras das vítimas estão sendo enganadas e obrigadas a, caladas, suportarem suas dores e suas perdas irreparáveis.

Quanto ao grito "Nunca Mais", o próprio monstro de duas faces(Mercado/Estado) não dá mais ouvidos. Ontem era Mariana, nunca mais; Marielle, nunca mais; Hoje: Brumadinho, Nunca mais. CT do Flamengo nunca mais.

Certo é que amanhã, novos "Nunca Mais" virão à tona. Somos frágeis formiguinhas, trabalhando debaixo da "Eterna Insegurança", insegurança que barateia nossa mão de obra em função de Mai$ Lucro$ para o bel prazer do deu$ Mercado(Mamom).

Faço minhas as palavras de Erich Fromm:

"O sonho de sermos senhores independentes terminou quando despertamos para o fato de que todos, nos tornamos peças ínfimas (descartáveis) da Máquima Burocrática, com nossos pensamentos, sentimentos e gostos manipulados pelo governo, pela indústria e pelas comunicações de massa que contralam tudo".

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Levi,

Sobre a citação que fez em seus comentários sobre o Erich Fromm, não acha que estamos vivendo agora um novo momento de massificação?

Falanbdo nesse pensador, li sua postagem na Confraria Teológica e comentei lá.

Ótima semana!

Levi B. Santos disse...

"Entregamos tudo ao Mercado, de mão beijada", caro Rodrigo.

As novas estratégias do poder do capitalismo finaceiro estão presentes, por exemplo, no Facebook. De certa forma, somos vítimas desse novo dispositivo massificante.

Queira ou não queira, entregamos a nossa alma, na medida em que permitimos que ele invada nossa privacidade, parasitando nossos desejos a fim de obter lucros estratosféricos. Nós disponibilizamos nossos dados mais secretos sem nenhum custo para eles. E, como crianças que se deixam ser sonsoladas por um pirulito, vamos navegando no mundo ilusório do faz de conta.

Não é à toa que a doença mais visível dos tempos atuais de muita comunicação em redes seja representada pela depressão e o esgotamento.