As
recentes tragédias de Brumadinho e das dez crianças que morreram
enquanto dormiam no Centro de Treinamento do Flamengo, me fizeram
voar no pensamento, assim como, mergulhar profundamente no oceano
escuro/obscuro da reflexão.
As
vítimas da primeira tragédia foram enterradas vivas na lama da
Vale. Vejam que ironia: deve ter sido a mesma Vale que extraiu o
ferro em Minas Gerais para transformá-lo em aço, a fim de que o
mercado pudesse construir o container
de uma porta só, e sem janelas. Esse monstro de aço, de quatro
faces retangulares, veio a servir de local de descanso e dormitório
para dez crianças que estavam sendo preparadas para brilhar no
Mercado Internacional do futebol. Forjados seriam no mais querido
clube do Brasil ― o
Flamengo do Rio de Janeiro. Após a tragédia, na televisão, não
faltaram especialistas em economia a brandir seus números
estratosféricos: “A Vale perdeu 51 bilhões com o acidente em
Brumadinho – Mg”.
Jamais,
na vida, cheguei a imaginar que, num clube tão famoso,
crianças/adolescentes (futuros atletas) estivessem a dormir em uma
arapuca semelhante a uma lata de sardinha.
O
Mercado de Formação de atletas arrebanham crianças de 14 à 15
anos mediante promessa de serem, um dia, exportados para os grandes
clubes do mundo europeu. Na corrida em busca desse sonho há um preço
a pagar: é necessário que alijem de suas vidas uma fase de suma
importância no desenvolvimento do ser humano: a adolescência. Nessa
fase há transformações neuro-hormonais que requerem acompanhamento
mais aconchegante no seio da família, na escola, e na sociedade ―,
coisa que todo indivíduo deveria levar a sério.
Por
falar em “levar a sério”, lembrei-me, agora, do artigo ―
“Futebol é Coisa Séria” ―,
de Emerson Gonçalves, jornalista esportivo do “Globoespote.com”.
Cai bem aqui, alguns trechos que pincei do seu emblemático ensaio ―
editado em 18/02/2012:
“E
nesse mundo, especialmente em clubes e muitas federações falta
seriedade. […] Vamos pegar sério no trato da grande indústria do
futebol. Vamos exigir clubes bem administrados, salários em dia,
federações bem dirigidas em prol de bem dos clubes e, sobretudo,
dos torcedores. Vamos pegar sério, para valer, na exigência de
segurança”.
Sobre
a tal “Exigência
de Segurança”:
Sobre
a “exigência de segurança” que tanto nos consome diante de
lamentáveis fatos, pelo lado avesso, vem logo a nossa mente a
percepção da “Eterna Insegurança”, da qual,
infelizmente, somos escravos. Sabendo que o “deus do Mercado
Esportivo” (como acontece em outras áreas mercantis) joga com a
insegurança, recorro a Zigmunt Bauman, em “O Retorno do
Pêndulo” (páginas 86 e 103):
“Mas
sem a vulnerabilidade e a incerteza não haveria o medo;
e sem o medo não haveria o poder”. Na verdade o deus-Mercado é
onipotente para o que lhe interessa. Quando é para seu único
benefício ele priva de seu poder as próprias vítimas.
Continua,
Zigmunt Bauman, o seu raciocínio sobre esse deus “potente/impotente”
“Mas
um deus sem poder não é uma força na qual se possa se confiar, que
cumpre a promessa de fazer de certas pessoas seu ‘tesouro
particular’, sua propriedade peculiar dentre os povos”.[…]
Ao contrário da insegurança nascida do Mercado, óbvia e visível
demais para que se possa consolar suas vítimas, essa insegurança
alternativa com que o Estado espera restaurar o monopólio da
redenção deve ser reforçada ou superdramatizada, para inspirar
um volume suficiente de ‘medo oficial’, ao mesmo tempo se
obscurece e se relega a segundo plano a insegurança economicamente
gerada sobre a qual o Estado nada pode ―
e nada quer ―
fazer”.
Após
os recentes e graves acidentes, que poderiam ter sido evitados, a
palavra “AMOR” veio à tona nos quatro cantos do planeta Terra.
Talvez, o psicanalista argentino, Gustavo Dessal, tenha sido
mais feliz ao substituir, na atualidade, essa nobre palavra, por ―
“degradação líquida do amor”, como mostra o trecho,
abaixo, pinçado do prefácio que fez sobre ―
O Futuro do
Mundo Líquido ― de
Zigmunt Bauman.
“A
degradação líquida do amor é um grave sintoma de nossa época, na
qual a ação corrosiva do discurso neoliberal encontra cada vez
menos obstáculos para transformar cada um de nós em mercadoria”
(Gustavo
Dessal)
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
11 de fevereiro de 2019
5 comentários:
Caro Levi
Parabéns pelo seu texto!
Num "capitalismo selvagem" como é o Brasil, infelizmente o deus mercado faz o que bem lhe entende. Logo logo se esquecerá dessas tragédias e a fiscalização passará a ser vista como impedimento burocrático. Ou então atuará com suavidade segundo as ordens do chefe.
Triste nação cujo deus o mercado!
Corrigindo o final do comentário;
Triste é a nação cujo deus é o mercado.
O Poder do Mercado vai muito além do que se pode imaginar, caro Rodrigo.
No Reino do Capitalismo selvagem quem faz e desfaz é o poder sádico, na medida em que obriga o sujeito necessitado a se submeter a seus desígnios.
Nos casos das duas tragédias ventiladas no ensaio postado, famílias inteiras das vítimas estão sendo enganadas e obrigadas a, caladas, suportarem suas dores e suas perdas irreparáveis.
Quanto ao grito "Nunca Mais", o próprio monstro de duas faces(Mercado/Estado) não dá mais ouvidos. Ontem era Mariana, nunca mais; Marielle, nunca mais; Hoje: Brumadinho, Nunca mais. CT do Flamengo nunca mais.
Certo é que amanhã, novos "Nunca Mais" virão à tona. Somos frágeis formiguinhas, trabalhando debaixo da "Eterna Insegurança", insegurança que barateia nossa mão de obra em função de Mai$ Lucro$ para o bel prazer do deu$ Mercado(Mamom).
Faço minhas as palavras de Erich Fromm:
"O sonho de sermos senhores independentes terminou quando despertamos para o fato de que todos, nos tornamos peças ínfimas (descartáveis) da Máquima Burocrática, com nossos pensamentos, sentimentos e gostos manipulados pelo governo, pela indústria e pelas comunicações de massa que contralam tudo".
Caro Levi,
Sobre a citação que fez em seus comentários sobre o Erich Fromm, não acha que estamos vivendo agora um novo momento de massificação?
Falanbdo nesse pensador, li sua postagem na Confraria Teológica e comentei lá.
Ótima semana!
"Entregamos tudo ao Mercado, de mão beijada", caro Rodrigo.
As novas estratégias do poder do capitalismo finaceiro estão presentes, por exemplo, no Facebook. De certa forma, somos vítimas desse novo dispositivo massificante.
Queira ou não queira, entregamos a nossa alma, na medida em que permitimos que ele invada nossa privacidade, parasitando nossos desejos a fim de obter lucros estratosféricos. Nós disponibilizamos nossos dados mais secretos sem nenhum custo para eles. E, como crianças que se deixam ser sonsoladas por um pirulito, vamos navegando no mundo ilusório do faz de conta.
Não é à toa que a doença mais visível dos tempos atuais de muita comunicação em redes seja representada pela depressão e o esgotamento.
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