04 março 2019

TERRA DE VERA CRUZ E SEU PRIMEIRO CARNAVAL (Um Pouco de Nossa História Lúdica)





Vera Cruz foi o primeiro nome dado ao que conhecemos, hoje, como Brasil. Em seu fascinante livro “As Festas no Brasil Colonial” (Editora 34) , o famoso pesquisador e historiador José Ramos Tinhorão, conta que a esquadra de Cabral desembarcou em Porto Seguro sob uma euforia tremenda , “em meio a troca de rosários, barretes e carapuças por arcos, setas e enfeites de plumas”.

Marujos europeus e galantes pintados de preto e vermelho ao som de gaitas e trombetas se misturaram aos nativos, numa confusão típica das aglomerações carnavalescas”. Pero Vaz de Caminha, em sua épica carta enviada ao Rei D. Manuel de Portugal, tomado por uma animação incomum, assim se expressou: “Terra para conhecer e também para folgarmos”.

Na Terra do Pau Brasil, o “Sagrado” e o “Profano” estabeleceram-se em uma perfeita harmonia. Tanto é assim, que após a primeira missa proferida pelo Padre Frei Henrique, seguiu-se sem intervalo, “o primeiro assustado com música e dança em terra chã com grandes arvoredos”. A folia dos indígenas pulando e dando saltos mortais, impressionou, sobremodo, os portugueses da esquadra de Cabral.

Segundo o historiador, em 1580, os alunos do colégio dos Jesuítas na Bahia, encontravam nas procissões uma oportunidade de extravasamento dos seus desejos carnais. Na data comemorativa do Corpus Christus”, havia um bloco denominado, O Mistério das Onze Mil Virgens”, uma procissão de oportunismo lúdico, que angariou a simpatia da maioria da população.

Em fins de 1717, o francês, Le Gentil de La Barbinais, quando passava por São Gonçalo, a convite do vice-rei Vasco Fernandes Cesar de Menezes, narra como se desenrolavam os desfiles lúdicos nos arredores de São Salvador:

Partimos em companhia do Vice-Rei e de toda a Corte. Próximo a igreja de São Gonçalo nos deparamos com uma impressionante multidão que dançava e pulava ao som de violas e atabaques, que faziam tremer toda a nave da igreja. Tivemos, nós mesmos que entrar na dança, por bem ou por mal, e não deixou de ser interessante ver numa igreja padres, mulheres, frades, cavalheiros e escravos a dançar, misturados a gritos de Viva São Gonçalo do Amarante!’.

Nas procissões do Espírito Santo, o padre Frei Antônio religioso do Carmo tocava viola publicamente com o Cônego de Angola – o padre Manoel de Bastos, e entre eles no mesmo carro alegórico, uma Vicência crioula forra de Ouro Preto, vestida de homem cantava o ‘Arromba’ e outras modas da terra. O bispo D. Antonio do Desterro era um folião inveterado e saia para farra na procissão usando como peruca a cabeleira da imagem de Cristo, isto em fins de 1759. Os lundus e os fados criados no século XVIII, mais tarde, se transformariam nas precursoras da música popular moderna”.

Os grupos de manifestantes barulhentos que desfilavam na semana da Quaresma tinham nomes muito parecidos com os blocos carnavalescos atuais: cornetadas, troças, chocalhadas, latadas e caçoadas”.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 04 de março de 2019

3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Levi.

Sem dúvida são bem interessantes esses relatos históricos sobre o Brasil Colônia em que toda a alegria precisava ser extravasada nas festividades religiosas pois eram as principais manifestações autorizadas da época. Porém, era uma alegria obrigada a conviver com a estupidez eclesiástica da época, o que considero uma "água no chopp".

Quanto à alegria dos índios, eles realmente eram felizes e não sabiam antes da chegada do homem branco a este continente que acabou por destruir o "paraíso" que antes havia aqui. E, aliás, nenhum rei até D. João VI, seguiu os conselhos do escritor de Cabral...

Ótimo Carnaval, meu amigo, e, quando puder, dá uma lida no artigo que postei hoje na CPFG sobre o samba da Mangueira.

Forte abraço

Levi B. Santos disse...

Seja, frevando, sambando, na praia, ou em retiro espiritual, desejo-lhe uma sequência de quatro dias feriados -, com muita paz saúde, caro Rodrigo.

Conferi seu artigo sobre a letra sensacional do samba enredo/2019 da Mangueira. O Título do Samba "História Pra Ninar Gente Grande" - parece ter sido feito em nossa homenagem. Principalmente para mim, que já ultrapassei os umbrais dos setenta anos(rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi,

Em retiros espirituais não vou há uns dez anos ou mais (rsrsrs), muito embora não desconsidere a importância deles na vida de alguém. Mesmo dos grupos religiosos com os quais não me identifico mais. Porém, estou passando o Carnaval em casa e, apesar de alguns vizinhos estarem com o som um pouco alto, até que está tranquilo. Pior, porém, estão meus amigos e conhecidos que moram perto da praia uns três quarteirões daqui.

Fico feliz que tenha gostado do artigo sobre o samba da Mangueira e desconhecia o fato de também ser mangueirense. Mas quanto à idade, ainda está bem jovem.

Ótimo Carnaval!