Virgínia
Woolf (1882 ― 1941) por
volta de 1936, no tempo que corria a insurreição fascista na
Espanha, em uma carta a ela endereçada, foi inquirida por um
renomado advogado. Naquela época, como ainda hoje, a pergunta que
ele fez (plena de significados e significantes – em Linguística),
apresenta-se de difícil abordagem: “Na sua opinião como nós
podemos evitar a guerra?”. Essa pergunta de feição
aparentemente simples, ao partir de um homem para uma mulher, na
realidade, tem em seu bojo signos ambíguos, como ambígua é a nossa
natureza.
Foi
por essa época que o físico Albert Einstein, em uma carta dirigida
a Freud, ficou perturbado pelo mesmo sentimento ambivalente, mas
humano, de querer e não poder. Einstein, era sabedor de que o
barbudo cientista da alma, diferentemente do estudioso de física,
discorria com clareza incomum o fenômeno da ambivalência: o
primitivo e selvagem instinto de luta e de aniquilamento presente no
indivíduo, convivia com o nobre ideal de se libertar completamente
da guerra.
Susan
Sontag, em seu livro ―
“Diante da Dor dos Outros” ―,
conta que Virgínia Woolf refletiu muito, antes de responder ao
bacharel em Direito. Ela, apesar de ser instruída tanto quanto o
nobre jurisconsulto, entendeu “que existia um grande abismo entre
eles: o advogado é homem e ela é mulher. Homens(em sua maioria)
fazem a guerra, gostam de guerra. Para eles existe uma glória, uma
satisfação em lutar, que as mulheres (em sua maioria) não sentem
ou não desfrutam”.
Depois
de tatear para cá e pra lá, Woolf, enfim, compreendeu que a
pergunta do advogado escondia algo dúbio. Ela percebeu que a
pergunta que lhe foi apresentada não foi no sentido de saber seus
pensamentos sobre as maneiras de evitar a guerra. Diante da pergunta
emblemática ela se deteu na expressão “Como Nós”. Ora,
ao contrário de “Como nós”, “nenhum de ‘nós’ deveria ser
aceito como algo fora de dúvida, quando se trata de olhar a dor
nossa e a dos outros”.
Costuma-se
dizer que os homens fazem as guerras e as mulheres sofrem as
consequências. Evidentemente, essa assertiva tem lá suas razões de
ser. Olhando por esse viés, desde os tempos mais remotos, a dor da
mulher e a dor do homem tem contornos subjetivos diferentes ou
diversos.
Em
uma época em que as mulheres não dispunham de condições iguais
aos dos homens ― nem na
educacão, nem no trabalho e nem na liberdade ―,
Virgínia Woolf lançou seu último livro “Os Três Guinéus”.
O primeiro dos guinéus (símbolos do investimento) seria destinado
ao Estado. O segundo guinéu seria destinado ao trabalho, e
finalmente o terceiro guinéu deveria se empregado em favor das
liberdades individuais e para a cultura. Mas o governo da Inglaterra
abortou sua iniciativa antes de ser inaugurada, porque ela era
mulher, e mulheres não sabem exercer a liberdade ―
pensamento político da década de 1930.
O
livro, acima referido, de Virgínia Wolf, trata justamente do “fato
de que a guerra é um jogo de homens e que a máquina de matar tem um
gênero, e ele é o masculino”. Esse foi um dos motivos, dessa sua
obra ter sido a mais mal recebida de todas que a grande escritora
britânica nos legou.
Ao advogado que, em sua missiva, fez a crucial pergunta ― “Na sua opinião como nós podemos evitar a guerra?” ― recebeu da destemida Virgínia Woolf, essa incisiva resposta: “nós estamos vendo, com o senhor, os mesmos cadáveres, as mesmas casas destruídas. Quem é o ‘Nós’ que constitui o alvo dessas fotos de choque. […] essas fotos, documentos antes da chacina de civis do que de confronto de exércitos só poderiam estimular a repulsa a guerra”.
Ao advogado que, em sua missiva, fez a crucial pergunta ― “Na sua opinião como nós podemos evitar a guerra?” ― recebeu da destemida Virgínia Woolf, essa incisiva resposta: “nós estamos vendo, com o senhor, os mesmos cadáveres, as mesmas casas destruídas. Quem é o ‘Nós’ que constitui o alvo dessas fotos de choque. […] essas fotos, documentos antes da chacina de civis do que de confronto de exércitos só poderiam estimular a repulsa a guerra”.
Biblioteca
do CICV, DR/hist-00212-04
“Para
Woolf,
assim como muito polemistas antibelicistas,
a guerra é genérica, e as imagens que ela descreve são de vítimas
anônimas, genéricas”.
(Susan
Sontag ―
“Diante da Dor dos Outros” ―
Companhia das Letras)
“Fazia
um dia claro e frio quando ela deixou sua bengala ao lado, atravessou
os belíssimos prados e mergulhou rio adentro para não mais voltar”.
No
próximo dia 28 de março de 2019 (Quinta Feira), completa 78 anos da
morte de Virgínia Woolf.
P.S.:
Apesar
dos escritos de Virgínia Woolf
já ultrapassarem os
cem anos, o diapasão da violência continua a vibrar em
nossas terras. Por
aqui,
os conflitos belicosos e suas nefastas consequências se tornaram
coisa tão banal, que nem despertamos mais para o fato de que
estamos, há décadas, vivendo em meio a uma guerra civil.
A
força de tanto contemplar a destruição de lares e famílias
inteiras, as imagens do arquivo da dor, composto
de corpos mutilados e sangue
no asfalto e nas calçadas, já não mais nos tocam
como antigamente. Como disse o psicanalista e colunista da Folha de
S. Paulo, Contardo Calligaris em seu artigo “A Dor dos
Outros”, de
29
de maio de 2003:
“O
sofrimento dos outros seria como a musiquinha do caminhão de gás,
que não nos acorda mais. Os fotógrafos que arriscam (e, às vezes,
perdem) a vida para nos trazer imagens abomináveis foram chamados de
‘turistas de guerra’, como se por eles, a dor se tornasse mais
uma atração no circo do mundo”.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
26 de março de 2019
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