24 março 2019

“Como Nós Podemos Evitar a Guerra?”






Virgínia Woolf (1882 1941) por volta de 1936, no tempo que corria a insurreição fascista na Espanha, em uma carta a ela endereçada, foi inquirida por um renomado advogado. Naquela época, como ainda hoje, a pergunta que ele fez (plena de significados e significantes – em Linguística), apresenta-se de difícil abordagem: “Na sua opinião como nós podemos evitar a guerra?”. Essa pergunta de feição aparentemente simples, ao partir de um homem para uma mulher, na realidade, tem em seu bojo signos ambíguos, como ambígua é a nossa natureza.

Foi por essa época que o físico Albert Einstein, em uma carta dirigida a Freud, ficou perturbado pelo mesmo sentimento ambivalente, mas humano, de querer e não poder. Einstein, era sabedor de que o barbudo cientista da alma, diferentemente do estudioso de física, discorria com clareza incomum o fenômeno da ambivalência: o primitivo e selvagem instinto de luta e de aniquilamento presente no indivíduo, convivia com o nobre ideal de se libertar completamente da guerra.

Susan Sontag, em seu livro “Diante da Dor dos Outros” , conta que Virgínia Woolf refletiu muito, antes de responder ao bacharel em Direito. Ela, apesar de ser instruída tanto quanto o nobre jurisconsulto, entendeu “que existia um grande abismo entre eles: o advogado é homem e ela é mulher. Homens(em sua maioria) fazem a guerra, gostam de guerra. Para eles existe uma glória, uma satisfação em lutar, que as mulheres (em sua maioria) não sentem ou não desfrutam”.

Depois de tatear para cá e pra lá, Woolf, enfim, compreendeu que a pergunta do advogado escondia algo dúbio. Ela percebeu que a pergunta que lhe foi apresentada não foi no sentido de saber seus pensamentos sobre as maneiras de evitar a guerra. Diante da pergunta emblemática ela se deteu na expressão “Como Nós”. Ora, ao contrário de “Como nós”, “nenhum de ‘nós’ deveria ser aceito como algo fora de dúvida, quando se trata de olhar a dor nossa e a dos outros”.

Costuma-se dizer que os homens fazem as guerras e as mulheres sofrem as consequências. Evidentemente, essa assertiva tem lá suas razões de ser. Olhando por esse viés, desde os tempos mais remotos, a dor da mulher e a dor do homem tem contornos subjetivos diferentes ou diversos.

Em uma época em que as mulheres não dispunham de condições iguais aos dos homens nem na educacão, nem no trabalho e nem na liberdade , Virgínia Woolf lançou seu último livro “Os Três Guinéus”. O primeiro dos guinéus (símbolos do investimento) seria destinado ao Estado. O segundo guinéu seria destinado ao trabalho, e finalmente o terceiro guinéu deveria se empregado em favor das liberdades individuais e para a cultura. Mas o governo da Inglaterra abortou sua iniciativa antes de ser inaugurada, porque ela era mulher, e mulheres não sabem exercer a liberdade pensamento político da década de 1930.

O livro, acima referido, de Virgínia Wolf, trata justamente do “fato de que a guerra é um jogo de homens e que a máquina de matar tem um gênero, e ele é o masculino”. Esse foi um dos motivos, dessa sua obra ter sido a mais mal recebida de todas que a grande escritora britânica nos legou. 

Ao advogado que, em sua missiva, fez a crucial pergunta “Na sua opinião como nós podemos evitar a guerra?” recebeu da destemida Virgínia Woolf, essa incisiva resposta: “nós estamos vendo, com o senhor, os mesmos cadáveres, as mesmas casas destruídas. Quem é o ‘Nós’ que constitui o alvo dessas fotos de choque. […] essas fotos, documentos antes da chacina de civis do que de confronto de exércitos só poderiam estimular a repulsa a guerra”.  

 Biblioteca do CICV, DR/hist-00212-04

Para Woolf, assim como muito polemistas antibelicistas, a guerra é genérica, e as imagens que ela descreve são de vítimas anônimas, genéricas”. (Susan Sontag “Diante da Dor dos Outros” Companhia das Letras)

Fazia um dia claro e frio quando ela deixou sua bengala ao lado, atravessou os belíssimos prados e mergulhou rio adentro para não mais voltar”.

No próximo dia 28 de março de 2019 (Quinta Feira), completa 78 anos da morte de Virgínia Woolf.


P.S.:
Apesar dos escritos de Virgínia Woolf já ultrapassarem os cem anos, o diapasão da violência continua a vibrar em nossas terras. Por aqui, os conflitos belicosos e suas nefastas consequências se tornaram coisa tão banal, que nem despertamos mais para o fato de que estamos, há décadas, vivendo em meio a uma guerra civil.

A força de tanto contemplar a destruição de lares e famílias inteiras, as imagens do arquivo da dor, composto de corpos mutilados e sangue no asfalto e nas calçadas, já não mais nos tocam como antigamente. Como disse o psicanalista e colunista da Folha de S. Paulo, Contardo Calligaris em seu artigo “A Dor dos Outros”, de 29 de maio de 2003:

O sofrimento dos outros seria como a musiquinha do caminhão de gás, que não nos acorda mais. Os fotógrafos que arriscam (e, às vezes, perdem) a vida para nos trazer imagens abomináveis foram chamados de ‘turistas de guerra’, como se por eles, a dor se tornasse mais uma atração no circo do mundo”.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de março de 2019


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