30 março 2019

Mais Uma Reprise de “Os Deuses de Casaca”





Parece que na vida de nosso país, apelidado de republiqueta das bananas, a comicidade e a falta de seriedade no trato da coisa pública nunca se revestiram de tão degradantes aspectos como os que acontecem nos dias atuais.

A comédia machadiana “Os Deuses de Casaca” , escrita em 1886 (há mais de 150 anos) cai como uma luva para retratar a bagunça que está o país nesses últimos dias, onde peças de péssima qualidade e óperas bufas são encenadas no grande teatro dos três poderes situado no planalto central, que deram o nome de Brasília fantasioso palco onde os mais variados idealistas de ocasião exibem suas maquiavélicas e caricatas incongruências, cada vez mais escalofobéticas.

Os afetos da natureza humana são ambíguos, como ambíguas são também as almas dos que lá no panteão dos poderes exercitam seus neurônios. Entretanto, a turbulência de seus inflamados egos não permite que enxerguem o óbvio: a da necessidade de um mínimo de consenso diante de suas facções rendidas à intolerância e ao ódio. Será que os meliantes de nossas “sagradas casas”, não percebem que tudo se inicia no vácuo da falta de vigilância, uma vez que o estar sempre alerta no domínio de nossas feras interiores, afastaria o narcisismo doentio e infantil responsável pela insana autofagia processo esse que, ao fim e ao cabo, não deixará ninguém de pé?

Mas o que fazer quando se teima em proceder como o escorpião da fábula, que não resistiu ao instinto de injetar seu letal veneno no elefante que gentilmente o conduzia a salvo, de um lado do rio para o outro. “Desculpe, é a minha natureza” foi a alegação do egoísta animal peçonhento, antes de afundar no caudaloso rio, levando consigo o generoso animal que tinha resolvido salvá-lo.

Se o(a) leitor(a) tiver paciência de conferir o terceiro ato da peça ― “Os Deuses de Casaca” ― vai notar que tudo o que Machado escreveu, há mais de 150 anos, retrata, em fortes cores, os conflitos intermináveis em uma Babel de línguas estranhas, onde ninguém mais se entende.

Já estamos por demais cansados de, no horário considerado nobre pela sociedade, assistir a bate-bocas ou quebra paus que, a custa de nossos suados impostos, os Jornais da TV aberta e fechada, veiculam de forma sensacionalista. Com certeza, Machado de Assis, nosso maior escritor e dramaturgo, retirou muito material do lamacento e ignominioso mar dos “deuses de casaca” de seu tempo, para relatar, com seu humor inconfundível, os dramas e comédias da velha república que já nasceu viciada, na histórica Rio de Janeiro, hoje, infelizmente saqueada e falida.

Replicarei, abaixo, alguns trechos do diálogo entre Júpiter (o Grande Pai e Rei dos deuses menores de Roma), seu filho Marte (Deus da Guerra), e Apolo(Deus do Sol e da profecia) A similitude dos personagens da comédia machadiana, com os atores das comédias sem pé nem cabeça que estamos a assistir, ultimamente, chega até a nos surpreender. Personagens essas encomendadas exatamente para retratar as cenas burlescas dos sombrios dias atuais , a partir do Olimpo de Brasília.

Irei me deter no terceiro ato dessa insuperável peça de Machado de Assis, pelo fato de estar eivada de termos, hoje, usados e abusados nas divinas comédias do horário nobre nos canais de TV, em nossas glebas. No diálogo republicano machadiano as falas esdrúxulas usadas pelos atores são as que ainda hoje estão sendo brandidas pelos poderosos comediantes da pós modernidade. Expressões como: “congresso geral”, artifício da diplomacia”, “traidores”, reforma, “uma horrível Babel, onde a honra é de papel”.

Sem mais delongas, passemos aos trechos emblemáticos que aqui prometi replicá-los, do interessantíssimo diálogo entre  Marte, Júpiter e Apolo ― pinçados da peça "Os Deuses de Casaca" (de Machado de Assis):


MARTE:

Desgraçado daquele que assim foge às lutas e à conquista!

JÚPITER:

Que tens feito?

MARTE:

Oh! Por mim, ando na pista de um Congresso geral. Quero, como fogo e arte, mostrar que sou aquele antigo Marte que as guerras inspirou de Aquiles e de Heitor. Mas por agora nada! É desanimador o estado desse mundo. A guerra, o meu ofício, é o último caso, antes vem o artifício. Diplomacia é o nome; a coisa é o mútuo engano. Matam-se, mas depois de um labutar insano. Discutem, gastam o tempo, cuidado e talento, O talento e o cuidado é ter astúcia e tento. […] A tolice no caso é falar claro e franco.

JÚPITER

Tens razão, filho tens!

MARTE:

Que acontece daqui? É que nesta Babel reina em todos e em tudo uma coisa o papel. É esta a base o meio e o fim. O grande rei é o papel. Não há outra força, outra lei. A fortuna o que é? Papel ao portador.
A honra é de papel; é de papel o amor. O valor já não é aquele ardor aceso, tem duas divisões é de almaço ou de peso.
Enfim, por completar esta horrível Babel, a moral de papel faz guerra de papel.

APOLO:

Sinto que o nosso esforço é baldado e imagino que não bateu a hora do destino. Que dizes Marte?

MARTE:

A Reforma há de vir quando o Olimpo, outra vez, em nossas mãos cair. Espera!


Por Levi B. Santos
Guarabira, 30 de março de 2019

3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi.

Muito bom o texto e a crítica que se faz é quando as nossas autoridades vao agir com maturidade na conducao do país? Pois é o que lhes atrapalha para além da disputa pelo poder.

Abracos

Levi B. Santos disse...

Sou cético, caro Rodrigo. Acho que o Poder(esse do panteão dos deuses de casaca do planalto central) nunca vai casar com a maturidade. É como água e óleo - não se misturam. (rsrs)

Abçs,

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite, Levi. Então o ser humano será sempre imaturo? Não podemos pensar num avanço coletivo de consciência pela via da educação e uma imposição da necessidade para que ocorra uma mudança de atitude?