27 julho 2019

O Preconceito Que a Gente Nem Enxerga.






As diversas formas de preconceito estão intimamente ligadas à intolerância. Com o advento da psicanálise ficou finalmente demonstrado que esse sentimento hostil se estabelece sorrateiramente durante a nossa tenra infância. Hoje, já adultos, nos vigiamos o tempo todo para não dar expressão àquilo que continua arquivado nos arquivos indeletáveis de nossa mente. A canção - "Revelação" (de Fagner) - fala da cruel e dura realidade desse obscuro afeto: "Quando a gente tenta de toda maneira/Dele se guardar/Sentimento lhado/Morto amordaçado/Volta a incomodar".


Apesar de todo o esforço para não cair nessa modalidade de tentação, o homem, em sua linguagem dubiamente simbólica (ou através de lapsos), vez por outra, deixa escapar ressonâncias de algo que nunca ousou enxergar através de seus olhos internos.


O certo é que o preconceito tem suas raízes profundas fincadas no nosso inconsciente. Por isso mesmo, nem percebemos o quanto ele está a nos influenciar, se imiscuindo sutilmente em nossas decisões.


Seguem aqui algumas perguntas que podem nos levar a dirigir nosso olhar para os fantasmas inconvenientes que nos habitam, sabendo de antemão que induzir à auto-reflexão não é o mesmo que fazer apologia ao preconceito.


Será que realmente somos pessoas sem nenhum tipo de preconceito? Será que a imagem que fazemos de nós para os outros é 100% verdadeira?
Será que lá nos recônditos obscuros de nossa psique não se escondem sementes de intolerância que em nossa vida pregressa foram plantadas em nosso próprio seio familiar?
Será que, em menor ou maior grau, não somos todos preconceituosos?


Em analogia ao convite à reflexão que o Messias dos Evangelhos fez aos fariseus por ocasião da aplicação da pena de apedrejamento à mulher adúltera:
Quem nunca sofreu ou teve preconceito que atire a primeira pedra!”



P.S.:


Fernando Pessoa no capítulo X de “O Guardador de Rebanhos” − fala de um Tu contido em seu próprio Eu. Ao encerrar seu significativo poema, com a frase: “a mentira está em ti”, o poeta demonstra que por meio desse “Ti” é induzido a olhar para dentro de si mesmo. Em seus versos, o insuperável Pessoa sempre recorre a heterônimos. Os heterônimos lhe serviam de receptáculos para projeção de seus próprios recalques.


Leia e reflita bem sobre esse emblemático trecho de ─ “O Guardador de Rebanhos” ―, do fenomenal poeta do “Desassossego”. O poema revela, mais que tudo, a nossa alma de sentimentos dúbios, e, tem muito a ver com o tal preconceito aqui ventilado.


«Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?


Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?


Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.


Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti. »


Por Levi B. Santos
Guarabira, 27 de julho de 2019

20 julho 2019

E A LUA SE DEIXOU PISAR






Lá se vão 50 anos. Cursava o quarto ano de Medicina na UFPB, quando na tarde do dia 20 de julho de 1969 as ruas do bairro de Jaguaribe - em João Pessoa, de repente, ficaram desertas. Quase todos acorreram aos seus lares para assistir pela TV (em preto e branco), o homem pousar na Lua. Nesse tempo, residia na casa de uma tia, em um local aprazível, bem no finalzinho da tradicional e festiva av. Vasco da Gama.

Em meio ao chuvisco na tela da TV, deu para ver a poeirinha subir, segundos após Neil Armstrong tocar levemente a superfície da Lua. À medida que o astronauta caminhava desajeitadamente, os sulcos da sola de suas botas espaciais iam deixando fundas marcas na frouxa areia do solo lunar. Meu tio e eu ficamos estáticos diante daquele grandioso espetáculo. A Lua, nos corações dos namorados e poetas, a partir daquele momento deixava de ser fisicamente inacessível, para ser objeto de especulação dos astronautas da NASA.

Lembro que em 1961 (oito anos antes dessa grande conquista espacial), a cantora Ângela Maria (intitulada a Rainha do Rádio), já fazia seu protesto contra a briga entre russos e americanos na louca corrida para ver quem primeiro exploraria a morada de São Jorge e seu dragão. Para os menestréis e seresteiros que, em altas horas da noite derramavam suas vozes dolentes entre sublimes acordes tirados das cordas de seus violões, a Lua era sua indevassável e inspiradora deusa. Os da minha geração, com certeza, jamais esquecerão das sinfonias noturnas que nas noites enluaradas enchiam o ar, estimulando o(a)s jovens insones a sonhar doces sonhos em suas alcovas.

Hoje, a Lua, sem o mistério de antes, ainda dá o ar de sua graça nas fotos tiradas pela “geração smartphone”.

Enfim, venceu o progresso. De nada valeu o apelo ― “Lua... oh Lua... - não deixa ninguém te pisar!” ─ refrão da modinha carnavalesca “A Lua é dos Namorados”, cantada ardorosamente nos velhos carnavais.

Por Levi B. Santos
Guarabira, 20 de julho de 2019