As
diversas formas de preconceito estão intimamente ligadas à
intolerância. Com o advento da psicanálise ficou finalmente
demonstrado que esse sentimento hostil se estabelece sorrateiramente
durante a nossa tenra infância. Hoje, já adultos, nos vigiamos o
tempo todo para não dar expressão àquilo que continua arquivado
nos arquivos indeletáveis de nossa mente. A canção - "Revelação"
(de Fagner) - fala da cruel e dura realidade desse obscuro afeto:
"Quando a gente tenta de toda maneira/Dele se
guardar/Sentimento lhado/Morto amordaçado/Volta a incomodar".
Apesar
de todo o esforço para não cair nessa modalidade de tentação, o
homem, em sua linguagem dubiamente simbólica (ou através de
lapsos), vez por outra, deixa escapar ressonâncias de algo que nunca
ousou enxergar através de seus olhos internos.
O
certo é que o preconceito tem suas raízes profundas fincadas no
nosso inconsciente. Por isso mesmo, nem percebemos o quanto ele está
a nos influenciar, se imiscuindo sutilmente em nossas decisões.
Seguem
aqui algumas perguntas que podem nos levar a dirigir nosso olhar para
os fantasmas inconvenientes que nos habitam, sabendo de antemão que
induzir à auto-reflexão não é o mesmo que fazer apologia ao
preconceito.
● Será
que realmente somos pessoas sem nenhum tipo de preconceito? Será que
a imagem que fazemos de nós para os outros é 100% verdadeira?
● Será
que lá nos recônditos obscuros de nossa psique não se escondem
sementes de intolerância que em nossa vida pregressa foram plantadas
em nosso próprio seio familiar?
● Será
que, em menor ou maior grau, não somos todos preconceituosos?
Em
analogia ao convite à reflexão que o Messias dos Evangelhos fez aos
fariseus por ocasião da aplicação da pena de apedrejamento à
mulher adúltera:
“Quem
nunca sofreu ou teve preconceito que atire a primeira pedra!”
P.S.:
Fernando
Pessoa no capítulo X de “O Guardador de Rebanhos” −
fala de um Tu contido em seu próprio Eu. Ao encerrar seu
significativo poema, com a frase: “a mentira está em ti”,
o poeta demonstra que por meio desse “Ti” é induzido a
olhar para dentro de si mesmo. Em seus versos, o insuperável Pessoa
sempre recorre a heterônimos. Os heterônimos lhe serviam de
receptáculos para projeção de seus próprios recalques.
Leia
e reflita bem sobre esse emblemático trecho de ─ “O Guardador de
Rebanhos” ―, do fenomenal poeta do “Desassossego”. O poema
revela, mais que tudo, a nossa alma de sentimentos dúbios, e, tem
muito a ver com o tal preconceito aqui ventilado.
«Olá,
guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?
Que
é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?
Muita
cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.
Nunca
ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti. »
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti. »
Por
Levi B. Santos
Guarabira, 27 de julho de 2019
Guarabira, 27 de julho de 2019
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