26 janeiro 2020

“Não Estou Preparada!” ― Um Dilema Shakespeariano





Para o grande dramaturgo britânico, Oscar Wilde (1854 ― 1900), autor do famoso “O Retrato de Dorian Gray”, “a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida”.

Ancorando-me no enunciado (verso e reverso) elaborado por esse renomado escritor, detenho-me agora no assunto mais comentado dos dias atuais nas redes sociais, nos jornais e na TV. Manchetes, tipo “A Namoradinha do Brasil é convidada pelo governo para assumir a Secretaria da Cultura” infestaram de forma maciça os meios de comunicações.

A consagrada atriz continua, ainda, ligada a Globo ― emissora de TV que a lançou no mercado televisivo. Lá, teve um inusitado sucesso de público em sua longa carreira. Em seu trabalho novelístico e artístico a atriz imitava tanto a vida de personagens das mais altas famílias, como a dos mais humildes moradores de antiquados rincões de nosso país.

O ator Lima Duarte (ex-companheiro de Regina Duarte na Novela Roque Santeiro), com a verve humorística que lhe é peculiar, fez uma inserção interessante entre o mundo da arte e o da vida real, reproduzida por Mônica Bérgamo em sua coluna na Folha de S. Paulo.
Disse, Lima Duarte, que na telenovela "Roque Santeiro" fazia o papel de um impulsivo coronel do interior:

A união de Regina com Bolsonaro é perfeita para o Brasil de hoje: Sinhozinho Malta na Presidência e Viúva Porcina na Cultura” afirmou, como que evocando o papel dos dois em Roque Santeiro(drama que bateu todos os recordes de audiência da Globo, em 1985).

Entrar na vida Política sem a muleta da fantasia ou da ficção parece ser coisa praticamente impossível. É que as coisas do Estado, de há muito, andam muito parecidas com o mundo ficcional das novelas.

Não estou preparada!”. Bem, isso é o que, até agora, a atriz Global afirma em suas falas recentes sobre assumir ou não assumir a Secretaria da Cultura.

Divagando sobre o que pode estar escondido no âmago da afirmação defensiva da artista:

Como carregamos em nossa índole a ambivalência desde os tempos mais remotos, na arte da política podemos agradar ou provocar. É em tempos de polarização excessiva que ocorrem os mais sérios atritos: se meu lado conservador se sobressai posso até agradar aos meus que militam na direita, mas, ao mesmo tempo, desagrado aos do lado oposto. E aí surge a pertubadora dúvida: a do pender ou não pender para o lado político que, momentaneamente, comanda a situação.

Na vida, equilibrando os dois lados de sua ambiguidade interna, a atriz muito representou, quer do lado do conservadorismo, quer do lado engajado na vanguarda pelos direitos femininos. Em “Malu Mulher” a atriz, em seu papel, vivenciou a violência doméstica, a submissão psicológica, a revolta contra o machismo. Tudo isso numa época em que não se aceitava a independência da mulher.

Acontece que depois de ter, por muito tempo, representado as contradições e idiossincrasias humanas através das novelas e mini-séries, a intérprete talvez esteja se vendo numa encruzilhada, sem ter ideia de como conciliar sua alma de desejos dúbios; sem o poder de efetuar a síntese dos dois lados antagônicos de seu duplo eu, para que haja, enfim, o mínimo de apaziguamento interior. 

Agora, sob o peso da idade e depois de muitos anos atuando na Vida de Representação, como sair dessa enrascada?

Abraão Grinberg e Bertha Grinberg em “A Arte de Envelhecer com Sabedoria” escreveram algo muito contundente sobre a consciência-de-si, que, com maior nitidez, aparece naquela fase da vida em que, pela soma das muitas experiências vivenciadas, já nos encontramos bem mais amadurecidos:

...É o instante da vida em que deixamos de ser a montanha para sermos um simples vale. O vale das montanhas do mundo dos homens. O instante em que a Locomotiva será conduzida pelos vagões”.

Coincidência, ou não, no campo da arte política, não vamos, somos levados. Vigiemos, pois é na terceira idade que a impetuosa necessidade de reflexão nos surpreende com mais intensidade.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de janeiro de 2020



6 comentários:

George disse...

Wilde parece ter revolvido a terra e remechendo-se dentro do caixão, agrega seus comentários ao brilhante e perspicaz texto do mestre Levi e sua verve inusual:
Quanto à vida e a arte referidas no texto ele diz à Regina:
"Quanto mais o homem fala de si mais deixa de ser ele mesmo. Mas deixe que se esconda por trás de uma máscara e então ele (ela) contará a verdade".
Se a progressista Regina capitula e agora se traveste como reacionária, à semelhança de personagens que costumou representar, posando como moralista, ele diz:
"Não há outro jeito de livrar-se de uma tentação a não ser sucumbindo a ela".
E ainda, se ela pensa em fazer algo pela cultura:
"As piores coisas são feitas com as melhores intenções". Ou ainda:
" As boas intenções foram a ruína do mundo. Os únicos que fizeram alguma na coisa no mundo foram aqueles que não tinham intenção alguma".
Wilde diz ainda para a moralista de última hora,
"Moralidade é simplesmente uma atitude que adotamos frente às pessoas que não gostamos".

Sobre a experiência dos anciões, reverberada no texto, lembrada pelo autor, Wilde cáustico vocifera:
"A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas no fato de ainda nos sentirmos jovens".

Wilde crava ainda, para lembrar à experiente atriz, que deve ter cuidado, pois:

"É uma pena que só levemos a sério as lições da vida quando elas já não nos servem mais". Ela pode quebrar a cara e se espatifar, nesse caso a arte se confundirá com a vida talvez? Não poderá sair de cena simplesmente, ou lavar o rosto depois da cena!
Mas Wilde vai mais longe:
"Experiência é o nome que damos a nossos erros" Regina!
Wilde diz ainda, diante talvez, da vontade louca de Regina, em fazer valer os desejos insanos e elucubrações doentias do nosso apequenado ditadorzinho, fazendo da pasta secretarial da cultura, um monumento ao pensamento único e um instrumento para a perpetuação do que o seu chefe chama de "cultura da maioria", como se isso fosse possível:
"O egoísmo não está em vivermos conforme nossos desejos, mas em exigirmos que os outros vivam da mesma forma. O verdadeiro altruísmo é deixar cada um viver do modo que lhe parecer melhor".
Oscar Wilde.

Nada mais inacreditável do que ver uma atriz tarimbada, experiente, forjada nos embates da luta contra a hegemonia de direita e ditatorial dos anos de chumbo, capitular e tombar aos pés do monstro, soçobrar perante um representante do reacionarismo, cair aos pés de um espantalho que expectora atrasado e paralisante, um conservadorismo dos mais tacanhos, um Sujeito sem Predicados, que adora formas intransigentes do passado, venera torturadores como heróis de guerra e crê que a liberdade de expressão é um mero detalhe nas engrenagens da democracia.
Sou pessimista quanto ao nosso futuro, e para lembrar o gênio Wildeano uma vez mais,
"Pessimista é aquele que, podendo optar entre dois males, fica com ambos"
George.

George disse...

Wilde parece ter revolvido a terra e remexendo-se dentro do caixão, agrega seus comentários ao brilhante e perspicaz texto do mestre Levi e sua verve inusual:
Quanto à vida e a arte referidas no texto ele diz à Regina:
"Quanto mais o homem fala de si mais deixa de ser ele mesmo. Mas deixe que se esconda por trás de uma máscara e então ele (ela) contará a verdade".
Se a progressista Regina capitula e agora se traveste como reacionária, à semelhança de personagens que costumou representar, posando como moralista, ele diz:
"Não há outro jeito de livrar-se de uma tentação a não ser sucumbindo a ela".
E ainda, se ela pensa em fazer algo pela cultura:
"As piores coisas são feitas com as melhores intenções". Ou ainda:
" As boas intenções foram a ruína do mundo. Os únicos que fizeram alguma na coisa no mundo foram aqueles que não tinham intenção alguma".
Wilde diz ainda para a moralista de última hora,
"Moralidade é simplesmente uma atitude que adotamos frente às pessoas que não gostamos".

Sobre a experiência dos anciões, reverberada no texto, lembrada pelo autor, Wilde cáustico vocifera:
"A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas no fato de ainda nos sentirmos jovens".

Wilde crava ainda, para lembrar à experiente atriz, que deve ter cuidado, pois:

"É uma pena que só levemos a sério as lições da vida quando elas já não nos servem mais". Ela pode quebrar a cara e se espatifar, nesse caso a arte se confundirá com a vida talvez? Não poderá sair de cena simplesmente, ou lavar o rosto depois da cena!
Mas Wilde vai mais longe:
"Experiência é o nome que damos a nossos erros" Regina!
Wilde diz ainda, diante talvez, da vontade louca de Regina, em fazer valer os desejos insanos e elucubrações doentias do nosso apequenado ditadorzinho, fazendo da pasta secretarial da cultura, um monumento ao pensamento único e um instrumento para a perpetuação do que o seu chefe chama de "cultura da maioria", como se isso fosse possível:
"O egoísmo não está em vivermos conforme nossos desejos, mas em exigirmos que os outros vivam da mesma forma. O verdadeiro altruísmo é deixar cada um viver do modo que lhe parecer melhor".
Oscar Wilde.

Nada mais inacreditável do que ver uma atriz tarimbada, experiente, forjada nos embates da luta contra a hegemonia de direita e ditatorial dos anos de chumbo, capitular e tombar aos pés do monstro, soçobrar perante um representante do reacionarismo, cair aos pés de um espantalho que expectora atrasado e paralisante, um conservadorismo dos mais tacanhos, um Sujeito sem Predicados, que adora formas intransigentes do passado, venera torturadores como heróis de guerra e crê que a liberdade de expressão é um mero detalhe nas engrenagens da democracia.
Sou pessimista quanto ao nosso futuro, e para lembrar o gênio Wildeano uma vez mais,
"Pessimista é aquele que, podendo optar entre dois males, fica com ambos"
George.

Levi B. Santos disse...

George, em seu incisivo comentário, acrescentou expressões e significativas frases da lavra do grande pensador Oscar Wilde, complementando de forma maravilhosa a minha trôpega perambulação pelas veredas escorregadias da psicologia e da política. Não tenho nenhuma dúvida de que seu passeio literário de cunho filosófico/político agradou ao leitor de paladar mais apurado. E aqui fica a minha gratidão ao nobre escritor paraibano de tão fecunda memória.

Dos livros escritos pelo rabino, Nilton Bonder, da Congregação Israelita do Brasil (autor do best seller “A Alma Imoral”) veio-me à mente, agora, o recente “Alma & Política”― obra extraordinária que devorei com ímpeto incomum em meio ao besteirol ideológico que varria as redes sociais, por ocasião da rixenta campanha para presidente da república. “Alma & Política” ― uma profunda reflexão “sobre o lugar da política na evolução humana” ―, traz trechos de pura sabedoria. Pincei um deles, que com os devidos créditos, aqui reproduzo, exatamente por estar dentro da essência do complexo ensaio que postei, posteriormente melhor delineado na apreciação valiosa do mestre em Ciências Políticas (George Bronzeado).

“Todo indivíduo sobre a influência de uma ideologia corre mais riscos de perder a reflexividade de seu pensamento, substituindo o espelho da alteridade por uma convicção ou por uma doutrina”. [Nilton Bonder -Alma & Política – Editora Rocco)

George disse...

Perfeita reflexão! Vai ao encontro de Nietzsche quando afirmou que
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras".
E o velho Cazuza,lembrando agora, já espetava numa canção, "Ideologia, eu quero uma pra viver!" . Ideologias podem de fato, e geralmente servem, para a construção social de um pensamento que se pretende hegemônico, e sendo um discurso hegemônico e massificado gera uma violência intelectual invisibilizada, é a violência simbólica de que tratou Bourdieu, como já salientou Jessé Sousa, no seu brilhante livro, "A tolice da inteligência brasileira". Seria bom, entre outros autores, revisitarmos Gramisci,sobre esse assunto. Aliás, lembrando agora de novo, o velho Marx, que muitos criticam e pouco entendem (sem ter lido nem mesmo uma página do autor!!!), já assinalava, segundo Chaletet, que a ideologia é alienante, mistificante e reificante!

Levi B. Santos disse...

Bem lembrada por você, George, essa fenomenal canção de CAZUZA, que é de 1988, mas se encaixa perfeitamente nos dias atuais, onde um jogo maléfico entre besterol nazifascista X besterol comunista teima em ser reeditado, como foi durante a Segunda Grande Guerra Mundial.

Merece ser, aqui, replicada.


Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito ah
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora as festas do "Grand Monde"
Meus heróis morreram de overdose
Eh, meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
O meu tesão
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste à tudo em cima do muro, em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose eh
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Pra viver
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste à tudo em cima do muro, em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose eh
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Viver, viver, viver
Ideologia
Pra viver

Ideologia
Eu quero uma viver!

Unknown disse...

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