30 março 2020

NA “NOITE DO APOCALIPSE” ― EU ESTAVA LÁ

Hospital Souza Aguiar – Rio de Janeiro



A Noite do dia 30 de março de 1972 na cidade do Rio de Janeiro ficou conhecida como “A Noite do Apocalipse”.

Hoje faz exatamente 48 anos que eu, como médico urgentista do Hospital Souza Aguiar, trabalhei por mais ou menos 8 horas ininterruptas dentro de um inferno, dissecando veias para administração de plasma e soros nos pacientes graves com mais de 50% de área corporal com queimaduras de 1º; 2º e 3º. Alguns, a meu lado, apesentavam os músculos do corpo em carne viva já desprovidos da pele. Outros com molambos de pele assadas penduradas por várias regiões do corpo em meio a uma gritaria macabra: Me socorra estou morrendo, e estavam mesmo, pois, à medida que eu e meus colegas de Residência Médica realizávamos a dissecção de veias, os gemidos iam diminuindo paulatinamente, de modo tal, que ao chegarmos para dissecar as suas veias, já não respiravam mais.

De ficar tanto tempo em uma só posição, cheguei a ficar com os pés dormentes. Só depois é que notei que estava com os sapatos encharcados de uma mistura pegajosa de sangue, soro e urina que tomavam toda a superfície do piso da sala de urgência, tendo que por todo esse tempo ficar inspirando aquele cheiro nauseabundo de secreções misturadas a odores de carne queimada.

Agora, em meio a uma pandemia dos infernos que, segundo as previsões da OMS, vai deixar no Globo um rastro de mortos na casa dos milhões, me sinto impotente diante de uma calamidade que se prenuncia apocalíptica.

Sei, perfeitamente, que já não tenho a mesma coragem e a mesma força de outrora quando encarei de frente a tragédia de Reduc em Duque de Caxias, a poucos quilômetros do Hospital vizinho à Praça da República no Centro da Cidade Maravilhosa, transformada, naquela ocasião, em um cemitério antecipado onde parentes choravam seus 48 mortos e mais de cinquenta feridos em estado desesperador.

O clarão que descortinou todo o céu e fez da noite dia, junto ao som altíssimo das explosões de todos os reservatórios de gás da refinaria, e que fizeram tremer as paredes do Hospital e quebrar vidros de algumas janelas ficaram por muitas noites a atormentar o sono em meu leito no quarto andar (reservado aos médicos residentes).

Eu estava lá na noite de agonia que, ainda hoje no Rio de Janeiro é lembrada como ─ “A Noite do Apocalipse”

A primeira imagem no topo da minha narrativa da ideia do horror, em detalhes, daquela grande tragédia em que o Governo Federal preferiu esconder o número de mortos, dentre eles 06 médicos, que nem hoje sabemos quem eram, pois a imprensa da época sob censura não podia revelar seus nomes.



Por Levi B. Santos
Guarabira, 30 de março de 2020

22 março 2020

A ARTE DE CURAR DOS ANTIGOS BOTICÁRIOS


Anúncio de remédio à base de Quinina – Nossa História – julho de 2005


Estamos todos de Quarentena em meio a uma Pandemia viral. Aproveitando o ócio obrigatório nos imposto por tempo indeterminado, que tal recordar um pouco de Nossa História Colonial, no que diz respeito a Farmacopeia popular no início de Nossa República?

Antigamente, as Drogarias eram conhecidas como BOTICAS, e os farmacêuticos eram denominados BOTICÁRIOS. As boticas geralmente funcionavam junto às casas de seus proprietários. Diogo de Castro, contratado por Tomé de Souza, foi o primeiro que com uma arca portátil de Madeira, na Colônia Portuguesa, iniciou a preparação de mezinhas para “curar” as moléstias do seu Senhor e sua vasta corte.

Como em época de grandes epidemias, costuma-se buscar incessantemente alguma mezinha milagrosa quase sempre derivadas de plantas medicinais no intuito de debelar um mal que se alastra de forma assustadora, eis que o comércio de ipecacuanha e quina, começou a efervescer.

Sobre os Magos de Botica e sua farmacopeia tupiniquim na comercialização da “QUINA”, Henrique Soares Carneiro, doutor e professor de História da Universidade de São Paulo, assim escreveu:

A Quina, Cinchona ledgeriana, a mais eficaz terapia contra a Malária, é o grande exemplo de um medicamento indispensável para a saúde moderna que se originou do saber indígena. Descrita em 1633 pelo padre espanhol, Calancha, a Quina logo se tornou um produto indispensável ao médico jesuíta. A difusão européia dessa casca amarga de uma árvore americana foi dificultada, num primeiro momento, pelas nações protestantes. […]Em 1820, dois químicos franceses isolaram o alcalóide “Quinina” e, após 1860, os Holandeses conseguiram contrabandear sementes que foram aclimatadas em Java” (“Nossa História” julho de 2005)

A pandemia do Covid 19, aqui nas Terras de Dom João VI desperta, por ora, duas propostas que nos meios de comunicações e redes sociais, vêm provocando acaloradas discussões:

● Uma proposta visa administrar a Quinina nos casos sintomáticos de Coronavírus sem ter submetido essa substância à nenhuma avaliação farmacológica. Talvez, quem sabe, evocando a imaginação dos boticários do tempo antigo, que antes do isolamento da quinina já faziam uso do produto bruto, quando ainda não existiam testes científicos para esse fim.

● A Outra proposta diz ser temerário o uso da Quinina, uma vez que não foi testada nem protocolizada e liberada pelo Ministério da Saúde para casos positivos de Coronavírus.

Como médico, não poderia deixar de insistir com esse alerta/esclarecimento:

A Quinina nunca foi testada cientificamente em casos do Covid 19, isto é, não se sabe que efeitos colaterais ou malefícios poderão advir do seu uso, a médio e longo prazo, feito de forma indiscriminada.


Por Levi B. Santos
Guarabira, 22 de março de 2020