31 dezembro 2007

UMA MENSAGEM PARA "2008"




FELIZ ANO NOVO. Todo dia 31 de Dezembro, repetimos ritualmente e com inflexão, esta saudação que evoca dias auspiciosos para os nossos familiares e amigos, como se o ano vindouro, pudesse trazer num passe de mágica, uma mudança extraordinária ou milagrosa no profundo do nosso “ser”.

É no final do ano que voltamos a ser criança de novo. Aquela criança que temos dentro de nós irrompe efusivamente, e nós pulamos, cantamos, rimos e brincamos. É quando passamos a escavar todos os tesouros e artefatos arqueológicos infantis mais escondidos, e que como bálsamo, suavizam as agruras da vida. Ao mesmo tempo, o nosso “ser” adulto dirige todos os seus desejos a um outro Pai. Reverentemente, pedimos presentes, como: um ano melhor que o anterior, com maiores realizações, menos dificuldades e aflições. Os meninos adolescentes almejam que os anos passem rápidos para chegar à época de namoro, noivado e casamento. As garotinhas enjoam das bonecas, e ficam a desejar que os anos passem ligeiro, para que o seu príncipe encantado finalmente apareça.

Mas, e os velhos? Para os jovens, ávidos na fome de crescer logo, é um ano que chega; para os velhos tão viajados pelo mundo afora, é um ano que vai. Uma parte da oração de Moisés que está escrita no Salmo (90: 10), carrega bem nas letras, para aqueles que estão ultrapassando os sessenta: “A duração de nossa vida é de setenta anos, e se alguns pela sua robustez chegam a oitenta anos, o melhor deles é canseira e enfado, pois passam rapidamente e nós voamos”. Vale salientar aqui, que na época do fundador da religião hebraica, havia registros de pessoas que chegaram perto dos duzentos anos de idade, o que não acontece hoje. E para não ficar apenas no exemplo bíblico do profeta, vale lembrar que o poeta Fernando Pessoa, escrevendo sob a rubrica de um de seus heterônimos, disse uma vez, falando sobre a finitude da vida humana, no seu belo poema, “Aniversário”, “Já não faço anos, Duro”.

Não tenho dúvidas de que Cristo, o Grande Mestre, a cada ano que se aproxima, continua a saudar a humanidade com aquelas mesmas palavras que Ele pronunciou para seus discípulos há dois mil anos: “[...] no mundo tereis aflições. Mas tende bom ânimo! Eu venci o mundo.”( João 16:33). BOM ÂNIMO é o “gás” que nos dá energia suficiente para agüentar a crueza do viver. BOM ÂNIMO, não é como uma informação que vem de fora, é sim, algo que tem de nascer dentro de nós, algo que a gente tem de buscar em nós mesmos.

Devemos sempre lembrar, que não é o tempo que passa, somos nós que passamos por ele. Poderemos mesmo nas adversidades fazer esta travessia em PAZ, se tivermos bom ânimo. Nunca é demais lembrar, que somos como o fluxo e o refluxo das marés, ora estamos lá embaixo, ora estamos lá no alto, e o Bom Ânimo (Bom Pastor), como a “vara e o cajado de Davi (salmo 23)”, nos consola, mesmo que tenhamos de andar pelo vale da sombra da morte.

Que o BOM ÂNIMO não se afaste de nós, para que sejamos prósperos em 2008.

Crônica por : Levi B. Santos

Guarabira, 31 de Dezembro de 2007

24 dezembro 2007

PAI E FILHO DÃO UMA "ESPIADA" NUM NATAL DO 3º MILÊNIO

.................. O Natal na Praia de Guarujá- São Paulo (2007)




O Supremo Oleiro criador do mundo, juntamente com seu Filho, resolve dar uma olhadela no mundo do terceiro milênio. Escolhe uma cidade ao acaso para observar como estariam vivendo os homens, criaturas suas, dois mil anos depois que Ele decidira enviar o seu único Filho para tirá-los das trevas da ignorância. Deu São Paulo no sorteio que fizeram. Pai e Filho saíram dos seus aposentos sagrados para abrir uma das janelas do céu, aquela que dava para as bandas da América do Sul.

O dia 24 de Dezembro de 2007 iniciara com uma manhã de sol escaldante. O Pai pede a seu Filho que comece a sua minuciosa observação pela periferia dessa grande cidade (a mais populosa do continente sul-americano), justamente na hora do grande “rush”, em que intermináveis filas de automóveis engarrafados nas diversas estradas, se movem à passos de tartaruga em direção as poucas praias já entupidas de gente, do litoral paulista.

O Pai nota o cenho franzido do filho, um sinal de desaprovação pelo que estava presenciando, e pergunta:

─ Diz-me a razão de tua brusca mudança de semblante, meu Filho?

─ Meu Pai, vou lhe dizer uma coisa: nem durante a minha estada na terra eu vi coisa igual. Vejo pais desesperados, ao volante dos seus carros. Muitos com as faces avermelhadas e molhadas de suor. Filhos chorando, agoniados com o calor infernal, as mãos a tapar os ouvidos para amenizar a barulheira das buzinas a todo volume. Ali mais na frente, posso ver um desastre horrível com muito feridos e mortos. Um pouco mais adiante, vejo quatro casais sendo assaltados; um ao reagir, foi morto na hora, em frente a três filhos menores de idade. Meu Pai, isso é um caos. Observo que as outras pessoas que vêm logo atrás em seus carros, parecem não se incomodar com a gravidade dos acidentes, passando pelas vítimas sem fazer alarde como se a violência presenciada diuturnamente tivesse arrancado de si a sensibilidade. Agora eu lhe pergunto meu querido Pai: Por que tanta correria e agonia, como se o mundo fosse acabar de uma hora para outra?

─ Ah Meu filho, toda esta confusão e correria louca é para comemorar o teu Natal, o teu aniversário.

─ Quer dizer meu Pai, que eu sou a causa de todo este caos? ─ pergunta resignadamente o filho.

─ Não! De maneira alguma! Logo que saíste da terra, o Diabo se pôs a distorcer a nossa mensagem de redenção para o homem. A tua pungente trajetória na terra, onde não tivesse nem onde repousar a cabeça, deu lugar a este patético festival de deleites que menosprezam o espírito.

─ Esse tal de aniversário, eu não conheço. Desde que eu me entendi de gente, não me lembro de ter tomado parte em uma comemoração dessa natureza. Engraçado! Estou vendo agora, um grande templo muito bem ornamentado, com árvores reluzentes, muita gente bem vestida, uma estrebaria eletrônica com uma bela criança em um luxuoso berço, animais artificiais se mexendo automaticamente. Tudo muito belo e arrebatador. Tudo diferente do que o meu pai e minha mãe me contaram, quando eu tinha cinco anos de idade. Eles me falaram que eu tinha nascido em uma paupérrima cocheira, em meio às fezes de animais. Lembro-me do que meu pai José falou, que não havia nem água potável por perto para fazer a higiene minha e a de minha mãe. Lavaram-me com a água barrenta de um velho e sujo poço que os animais usavam para matar a sede. Algumas pessoas que passavam pela estrebaria na ocasião do parto, disse-me minha mãe, não deram a mínima para o que estava ocorrendo.

─ O que vês agora? ─ pergunta o Pai para o seu Filho debruçado sobre o parapeito da janela celeste, que se abrira.

─Vejo um imenso prédio(um shopping) de muitos andares, superlotado de gente carregando embrulhos de variados volumes, envolvidos em papeis de sedas multicoloridas. Vejo também muitos velhinhos de barbas longas e muito brancas, trajando roupas vermelhas com gorros em suas cabeças. Cercados de crianças e adultos, eles distribuem objetos, ao som de violinos e sinos. Quem são estes meu Pai?

─Desde os tempos de Moisés, meu filho, eu luto para não criarem uma imagem de mim, pois toda imagem será sempre uma idéia falsa do que represento para a humanidade. Duzentos e oitenta anos após a tua morte, filho, um tal de São Nicolau que ajudava os pobres deixando saquinhos de moedas nas chaminés das casas, tomou o meu lugar. No teu Natal filho, tudo agora gira em torno desse homem, de vestes escarlates e de saco vermelho em punho. É este “Papai Noel”, que inteligentemente usado pela “mídia comercial”, engana pais incautos que deixam os seus filhos acreditar na maior mentira já exposta na data magna da cristandade. Aliás, a data do teu nascimento não foi 25 de Dezembro. Neste dia se celebrava a maior festa pagã do mundo greco-romano. Resolveram fundir o profano e o sagrado em uma só data para satisfazer interesses espúrios do Império.

─ Peço que continues descrevendo o que mais contemplas nessa metrópole, que é uma das maiores do mundo em número de “cristãos” ─ insiste o Pai ante o Filho sobressaltado.

─Estou vendo agora um gigantesco prédio com uma grande placa no alto: “INCOR”. Chegam a todo o momento, carros de cor branca com sirenes ligadas. Nesses automóveis vejo pessoas estiradas em macas, sendo apressadamente levadas por “homens de branco”, para dentro do prédio.

─Ah, deixe eu lhe explicar ─ diz o Pai interrompendo a narração do Filho. Esses carros brancos de sirenes estridentes chamam-se ambulâncias, e os homens de branco a carregar macas, são médicos e enfermeiros levando os enfermos da “Síndrome Natalina” para o que eles chamam de Hospital. Normalmente são atendidos neste lugar cerca de dez a quinze enfartados por dia. Só que no dia do teu Natal, a média é de oitenta a cem atendimentos desse tipo de urgência. Tudo isso é resultado da falta de paz, aliada aos prazeres praticados em excesso, que estouram veias e arrebentam corações.

O ar do Filho era de intensa tristeza ao ver tanta deturpação da mensagem de Boas Novas que Ele ensinara com tanto amor, acolhendo em sua árdua missão todos como irmãos, da mesma forma que uma galinha junta os seus pintos. Não fora para aquilo que estava agora a ver, que ele doara todos os seus anos na Terra.

A noite caía sobre a grande metrópole quando Pai e Filho decepcionados decidiram não assistir as cenas das ceias de Natal nas residências. Fecharam então a janela que dava para o Brasil, e se recolheram aos seus aposentos celestes. Ficaram a olhar um para o outro, por longo tempo, numa silente linguagem. Em dado momento, o Pai coloca a sua mão direita sobre o ombro esquerdo do Filho, e fala impetuosamente:

─ O nosso projeto continua de pé, meu Filho!. A esperança de que a verdadeira LUZ afugente de vez as trevas da ignorância não morrerá nunca.

Lá embaixo, na grande cidade, o borbulhar do mar de luzes e cores cintilantes a brilhar na noite fria, executava um espetáculo inesquecível para os olhos. Dentro das casas, após a tradicional comemoração do Natal, as almas se recolhiam silenciosas ao vazio existencial de sempre.


Ensaio por: Levi B. Santos

Guarabira, 25 de Dezembro de 2007

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11 dezembro 2007

É TEMPO DE CONVERSA "ON LINE"



O avanço tecnológico no mundo das comunicações tem acarretado alguns transtornos, ao exigir de nós uma constante reciclagem na difícil e multifacetada área digital. Para que possamos entender a linguagem cibernética que nos cerca em todos os sentidos, temos que nos render e forçosamente aprender a manejar esta complicada arte: a da computação. Mas, esse é o preço que temos de pagar pela dádiva de ter tudo às mãos, sem sair do lugar.

Na solidão de nosso gabinete, tendo à frente uma tela e sob as mãos um teclado, nos contatamos com qualquer pessoa em qualquer local do planeta. Sem o calor humano da conversa “cara a cara”, nos valemos de letras, números, figuras e desenhos animados, para demonstrar as nossas emoções “via satélite”.

Dias atrás, meus dois filhos mais novos, enfim, me convenceram a entrar no “MSN”, aliás, eles mesmos digitaram tudo: nome, senha, e um outro e-mail (hotmail). Fui testar o tal de “msn” (eu não sei nem o que significa esta sigla), lá pelas vinte e duas horas. O meu primeiro “bate-papo” foi com George (meu filho mais velho), que se encontrava em Cabedelo-PB. O resultado da estréia nessa modalidade de interação, foi uma baita de uma ressaca no dia seguinte. Parecia que eu tinha bebido a noite inteira. Eu tinha me empolgado tanto com o troço, que quando fui olhar o relógio, eram três da manhã. Conclusão: MSN é perigoso para maiores de sessenta anos de idade, pois se fica muito tempo sentado, com os olhos recebendo uma carga de luminosidade muito grande. Tudo isso, somado ao esforço extra realizado para se concentrar, pode prejudicar a saúde frágil dos mais idosos.

Ensinaram-me que, para não perder tempo no bate-papo a dois, eu devia ficar navegando por outros sites, enquanto meu interlocutor de outra localidade pensava e digitava a sua mensagem. Eu entendia que devia treinar bastante os meus neurônios para depois tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Disseram-me que para rir eu tinha que digitar: “rsrsrsrsrsrs”; para dar uma gargalhada eu tinha que teclar dessa maneira: “kkkkkkkkkkk”. Para demonstrar alegria eu tinha que clicar numa “carinha” com os cantos da boca para cima; para tristeza: um rosto com as comissuras dos lábios repuxados para baixo. E assim por diante.

No meu primeiro teste tive uma longa e produtiva conversa com George. Discorremos sobre coisas sérias do nosso cotidiano. Falamos de religião, filosofia, política e até ensaiamos alguns pensamentos incompletos e meio poéticos. E não é que gostei de filosofar “on line”!. O que a gente conversa através da digitação, tenho a impressão que fica mais firmemente gravado em nosso cérebro. Parece, que as palavras ditas no “tête-à-tête” são como rajadas de vento que passam por nós e vão embora logo, e desse modo, em pouco tempo, são relegadas ao esquecimento; ao passo que as frases pensadas e depois digitadas na tela, parecem deixar marcas indeléveis na nossa consciência, tal qual um espelho riscado por um diamante.

Percebi que a troca de mensagens “on line” tem uma grande vantagem: é a de você poder voltar no tempo, e, em “of line” rever toda a conversação desde o início. Acho que num futuro muito próximo, haverá a publicação de livros, retirados diretamente do “msn”. Imagine o que é começar uma conversa às vinte horas e encerrá-la às quatro da madrugada, com a certeza de que o “bate-papo” dará um bom livro depois.

Outro grande benefício da conversa “on line”, é a de que, no calor das emoções, não há o perigo de uma luta “corpo-a-corpo”. Quando muito, o descarrego da raiva terá o teclado como saco de pancadas.

Como tudo na vida tem o seu lado negativo, as travadas do computador e as falhas de carregamento na internet são os principais motivos de irritação, pois tiram momentaneamente a inspiração do digitador. Esses fatos não tinham a menor possibilidade de acontecer nos tempos idos de minha “pena” com bico “escarrapichado”, em que eu a imergia em um tinteiro de liquido azul anil, para, de um modo áspero, escrever em um papel poroso e amarelado. A borracha de apagar, era um “mata borrão” ─ espécie de pedaço de madeira de base curva, envolvida com papel absorvente. Nesse tempo eu ainda nem sonhava com a futura e revolucionária máquina de datilografia. Nessa época, minha “internet” eram os Correios e Telégrafos, na praça central de Alagoa Grande (brejo Paraibano). A cada três semanas recebia uma ou duas cartas, e enviava outras aos meus primos e amigos na Capital do Estado. Era indescritível a emoção que sentia no momento de abrir as correspondências. Nelas depositava todas as expectativas alimentadas durante todo mês. A leitura delas me envolvia num magnetismo de venturosa felicidade, que nem de longe, a máquina digital até agora conseguiu me proporcionar. Naquele tempo era impensável a violação de uma correspondência, a qual depois de fechada e selada tornava-se algo sagrado, e, apenas ao destinatário estava reservado o acesso.

Nos dias atuais, a correspondência virtual pode acarretar imensos transtornos aos usuários da "internet", pelo fato de um terceiro, poder imiscuir-se sorrateiro no meio do "papo", quebrando desta forma o sigilo entre os interlocutores. Um exemplo bem recente aconteceu entre dois Juízes do Supremo Tribunal Federal, os quais tiveram as suas futricas "on line" captadas pelas lentes poderosíssimas dos fotógrafos, em meio a sessão de indiciamento dos "mensaleiros petistas". Audiência que foi transmitida ao vivo para todo Brasil pela Televisão.

Contudo, revendo os prós e os contras, não posso deixar de bater palmas para o MSN. Neste mundo caótico e violento em que estamos vivendo ─ quando ao se sair de casa não se sabe se volta ─ a comunicação solitária “on line”, não deixa de ser um alento para nossas almas desejosas de uma boa e proveitosa conversa, longe do perigo que ronda as ruas.



Ensaio por: Levi B. Santos

Guarabira, 12 de Dezembro de 2007

04 dezembro 2007

UM SONHO NATALINO



Faltava uma semana para o Natal. SONHEI que estava numa ampla varanda de uma casa de veraneio, em uma reunião festiva com três amigos. Cheio de felicidade, respirava profundamente uma brisa impregnada do odor dos velhos eucaliptos que circundavam o casarão. De repente um homem com farda dos “Correios” me entrega o Jornal “O DIA”, em cujo topo da primeira página eu pude ler em letras garrafais, a seguinte manchete: “POR FALTA DE ATENDIMENTO, MÃE DÁ À LUZ EM UMA COCHEIRA”. No sonho, os meus três companheiros divertiam-se ao som de músicas de ritmos esfuziantes, comendo e bebendo ao redor de uma mesa; naquela ocasião, só eu, me interessei por aquele triste e desumano depoimento jornalístico. Fui lendo vagarosamente o que o repórter tinha escrito em três extensas colunas: Uma gestante em trabalho de parto, após peregrinação por três maternidades, dá a luz a um filho em uma imunda estrebaria da Capital. Colheu-se informação de que a mesma foi recusada na primeira maternidade, por não possuir um plano de saúde, e que ao se dirigir a outro Estabelecimento de Saúde, não pode ficar, por falta de um Obstetra naquele momento. Quando finalmente encontrou uma Maternidade do SUS, onde pudesse ser atendida, foi constatada que a gestante, além de não ter feito pré-natal, recusou-se a revelar o nome do pai do futuro bebê, por isso, não foi possível confeccionar a ficha de atendimento que se fazia necessário, uma vez, que o sistema digital do SUS não estava programado para o registro de uma internação, sem a informação do pai da criança. Após mais de uma hora de espera na ante-sala da Casa de Saúde do Sistema Único de Saúde, a mulher M. J., de 30 anos de idade, contorcendo-se em dores, resolveu procurar outro local para ter o bebê. Ao passar por uma ruela na periferia da cidade, não mais suportando as dores, se acomodou em uma cocheira suja, e, junto a uma vaca e dois jumentos que ali se encontravam, trouxe ao mundo uma criança forte e chorona, através de um parto difícil, assistido apenas por seu companheiro J.A., de 33 anos de idade”.

Lembro-me de que no sonho eu tinha feito uma pausa para me ajeitar melhor no assento da cadeira, e sentia como que uma indignação dentro de mim, que crescia à medida que continuava a leitura da reportagem do Jornal: “uma pessoa que não quis se identificar, e que passava por perto, na ocasião do parto, relatou que ao ouvir os gritos lancinantes da mulher, se dirigiu ao local, e quase ficou sem fala ao ver uma criança nascendo em meio às fezes de animais misturadas a restos de vegetais. Afirmou ainda, que viu o acompanhante da parturiente cortar o cordão umbilical com um canivete, amarrado-o com uma “embira”, indo depois lavar a criança em um pequeno barreiro de água fétida e de cor escura, que servia para matar a sede dos três animais que ali viviam em completo abandono".

Recordo-me bem da parte do sonho em que eu ouvia uma melodia suave, uma daquelas músicas clássicas tocadas por orquestra sinfônica. E, nesse momento, eu via meus amigos se afastarem de mim com um ar de reprovação, dando a entender que não estavam suportando ouvir aquele tipo de “música”, considerada por eles como “música de enterro”. Quando acordei era madrugada alta, então, me pus a refletir sobre este significativo sonho, e senti que tudo estava relacionado com o verdadeiro Natal que se aproximava.

A realidade extrema do sonho com aquele parto realizado sem assistência médica e ao relento, arrancou de mim os ornamentos ou enfeites natalinos imaginários dos meus verdes anos, que eu guardara com tanto apego no porão sombrio do meu inconsciente.

Depois do sonho, eu comecei a recordar de fatos da minha meninice, quando não tinha a menor idéia da grandeza do Natal de Cristo, e chegava a brincar e rir com um arremedo de estrebaria, que tinha no seu interior um boneco de plástico (réplica do menino Jesus) envolto em panos, ornamentando um lado do púlpito de minha igreja. A minha pouca idade não me permitia entender o que era uma mulher ter uma criança em condições indignas. Não podia imaginar que Maria e José tinham sido vítimas de uma das maiores desumanidades já relatadas na Bíblia, dois mil anos atrás, quando humildemente procuraram e não encontraram uma casa para abrigo em meio a uma urgente necessidade. As palavras doces do Natal de minha infância, agora, deram lugar a palavras duras e ásperas, marcadas pela severidade de uma vida agitada que o mundo me ensinou.

A emblemática história desse sonho, despertou-me da letargia mental em que me encontrava, para que pudesse finalmente compreender que, a estas mesmas horas, deveria estar acontecendo casos iguais ao do casal da reportagem ─, lá na África, no Haiti, na Bolívia, ou quem sabe, aqui mesmo em minha cidade.

Amanhecia o dia, e o sentimento que me dominava era o de frustração, ao perceber que após dois mil anos de civilização, a “odisséia” dos pais do menino Jesus continuava a se repetir de forma ainda mais ultrajante: às barbas de uma moderna e insensível elite, que se diz, maior defensora dos direitos humanos.

Sete horas da manhã, um pouco atordoado pela noite mal dormida, levantei-me do leito a fim de preparar o meu desjejum. Pelas frestas da janela do quarto, a claridade do sol de verão já bastante forte, prenunciava um daqueles dias de intenso calor.

Após o café da manhã, fui surpreendido por uma coincidência que me deixou constrangido: a mensagem de um outro espírito natalino ecoava na rua, à frente de minha casa. Um locutor em um carro de som esbravejava numa altura infernal: “Esta é a única oportunidade para você ter o Natal mais feliz de sua vida. Corra agora mesmo às Casas Bahia e aproveite as verdadeiras loucuras de OFERTAS. É SÓ HOJE!, É SÓ HOJE!, gritava o estabanado radialista.

Infelizmente, para muitos, o Natal é sinônimo de correria desenfreada rumo às compras, e Dezembro tornou-se o mês de maior agonia, angústia e insensibilidade humana. É neste mês que os Hospitais redobram os atendimentos de urgência, sendo a “Síndrome Natalina” que deturpa o verdadeiro sentido do nascimento de Cristo, responsável pela quase totalidade dos internamentos.

Os muitos “meninos-Jesus” espalhados pelo Brasil afora, terminadas as festas natalinas, continuarão esquecidos e rejeitados por uma sociedade consumista e ávida de festas. Passado o enfadonho 24 de Dezembro, após nos empanturramos de guloseimas e bebidas, celebrando o Natal de Cristo às avessas ─, nos recolhemos tranqüilos aos nossos quartos, para no dia seguinte continuar a mesma “vidinha” de sempre.

Que o próximo SONHO seja menos angustiante e menos tumultuado; mais tranqüilo e reflexivo, para que possamos recuperar o verdadeiro sentido do Natal. .

.........Ensaio por: Levi B. Santos

.........Guarabira, 05 de Dezembro de 2007

27 novembro 2007

O IRRESISTÍVEL "DESEJO" DE TRANSGREDIR

.............................A Ciência desvendando mistérios


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O desejo de transgredir uma norma ou uma ordem pré-estabelecida advinda de uma autoridade, persegue o homem desde os seus primórdios. Foi assim que aconteceu com nossos primeiros pais (Adão e Eva), que no jardim do Éden foram invadidos por este irresistível anseio de experimentar algo que não deveria ser tocado. A vontade de conhecer foi mais forte que o argumento da proibição legalizada. O primeiro casal da história bíblica não resistiu e cometeu o que seria a primeira transgressão.

A sede de investigar, de procurar a razão de tudo, passou a reger o homem, agora mortal e nu. O paraíso do deleite absoluto contrasta agora com a maldição do sofrimento, conseqüência de sua própria escolha. O viver agora passou a ser sinônimo de sofrer. Para amenizar a crueza de ser livre, restou-lhe uma lembrança daquele lugar de gozo, que como uma sombra o leva agora à utopia, à saudade e a esperança de que um dia seja restaurado aquilo que se perdeu. Daí por diante o desejo de transgressão, da ruptura dos contratos sociais, estimula esse homem a desafiar as tradições. Abraão na concepção de sua família e cultura, deve ter sido considerado um “transgressor”, por ter rompido laços de amizade, partindo para uma terra estranha a sua.

A transgressão no sentido de “transcender” foi se multiplicando dentro da História. Jacó transgrediu contra Esaú, Raquel transgrediu contra Lia e José transgrediu contra Judá. Jesus na concepção Judaica foi um transgressor, por ter traído a tradição religiosa. Já do ponto de vista do cristianismo, foram os seguidores do Judaísmo que traíram o Mestre. A questão: “traidor-traído” depende de onde se olha e de que lado se está. Deste modo, Cristo foi o Grande Herói do Cristianismo e ao mesmo tempo ─, transgressor dos valores culturais e religiosos do seu tempo. Aqui, o desejo transgressivo de romper com o “status quo” foi benéfico, pois ocasionou uma ruptura da tradição dos conceitos farisaicos da época, tido como imutáveis. As “boas novas” trazidas por Cristo, permitem no presente que nos transformemos constantemente pela renovação do nosso entendimento, de maneira que o “ser” de hoje não é mais o “ser” de ontem. Nessa renovação para entender o nosso próprio ser (evolutivo que é), transgredimos aquilo que considerávamos correto no passado.

O irresistível desejo de transgredir, em função de um bem maior, aconteceu com as filhas de Ló, que acreditavam que o mundo todo havia sido destruído com a hecatombe que ocorrera em Sodoma e Gomorra. Criam que não havia homens para dar continuidade à sua linhagem (Gênesis19:31); tiveram então a lucidez de embriagar o pai e manter com ele relações sexuais. Assim, as duas filhas de Ló engravidaram e deram a luz aos pais dos Moabitas e Amonitas. A transgressão aqui, não se configura como algo “imoral”, pois as suas filhas agiram daquela forma por se sentirem responsáveis pela continuidade da espécie. A semente da imortalidade, de certa forma, estava ali sendo transferida para os filhos vindouros, numa espécie de compensação para a maior das angústias, que é a “finitude humana”.

Estas duas mulheres da Bíblia (Tamar e Rute), conseguiram através de atos transgressivos restaurar a semente de Israel. Trajando-se de prostituta, Tamar, nora de Judá, o seduziu, gerando a Perez. Boaz que veio da descendência de Perez, foi por sua vez atraído pela moabita Rute (descendente da relação incestuosa de Ló com a filha). Dessa descendência, mais tarde, veio Davi. E assim, de transgressão em transgressão, a mulher tomou sobre si a responsabilidade pela preservação da linhagem da qual viria o Messias.

Passemos a tratar de outro tipo de transgressão, que tem como essência, o desejo de PODER conhecer o que era expressamente proibido ou intocável, numa reedição do que acontecera no Éden. O homem não mais atribui o que acontece em seu próprio ser, a uma força ou entidade vinda de fora, e assume os riscos e as conseqüências de extrair de si mesmo, a verdade científica. Agora, com o “status” de homem-científico, passa a investigar as suas próprias entranhas, ao penetrar no âmbito do sagrado templo feito pelas mãos de Deus. O que era sagrado e intangível passa doravante a ser esmiuçado em seus mínimos detalhes. O homem transgride aquilo que se tinha como “certezas prontas” e “verdades permanentes”, e, em seu lugar abre um novo campo de visão para substituir os dogmatismos ultrapassados.

Não se pode negar, que hoje, a humanidade não consegue sobreviver sem usufruir o néctar desse fruto proibido. A medicina desvendou mistérios e postulados considerados antes imutáveis. O “leproso” que estava amaldiçoado e sentenciado a morrer de forma lenta, perdendo aos poucos partes de suas carnes, numa mutilação macabra, hoje tem a sua cura efetuada em um ou dois anos de tratamento. Nos tempos de Abraão e Davi, quem em sã consciência poderia imaginar que um dia, os olhos, os rins, o fígado, o coração seriam trocados como simples peças de reposição? Aonde chegará esse insuperável desejo de conhecimento daquilo que está encoberto?

Há alguns meses admirei-me ao assistir um “vídeo”, que mostrava um homem com o seu crânio revestido por uma parafernália de fios e “sensores”, ligados a um monitor. Uma voz dizia para este homem que se encontrava deitado em uma espécie de túnel: “PENSE AGORA EM UMA LETRA DO ALFABETO”! Imediatamente aparecia no visor do monitor a letra pensada pelo paciente. Fiquei pasmo, perguntando a mim mesmo: será que a ciência está levando este insano “desejo transgressor” aos extremos de um dia poder ler os pensamentos?

Vemos tudo isso com um misto de temor e sobressalto. Será que à medida que a ciência evolui, os milagres tendem a ficar em segundo plano?

A verdade, é que todos nós, homens religiosos ou não, desfrutamos dos resultados colhidos pelo desejo transgressivo da ciência. Hoje estamos funcionando como uma balança: em um dos pratos colocamos o livro sagrado como regra de fé e no outro prato, colocamos nossas mezinhas e comprimidos, que nos vão aliviando o sofrimento pela vida afora.

Dizem: “a clonagem humana, hoje, é questão de tempo”; e os postulados éticos e morais vão sendo bombardeados pelo invencível desejo transgressivo de um dia criar o homem-robô, um ser sem o sopro de Deus ─, insensível e sem alma. Bancos de órgãos estão sendo montados. Já se pode escolher o filho que se quer ter: a cor dos olhos, a cor da pele, o tipo de cabelo. Doenças que iriam aparecer em idade avançada, hoje, são evidenciadas no feto, sendo convenientemente tratadas no interior do útero, através da manipulação dos genes afetados. As “células-tronco” –, que podem evoluir e dar origem a partes do nosso organismo, já são uma realidade. O mapeamento genético humano através do Projeto Genoma já foi seqüenciado. A próxima transgressão, talvez, seja o mapeamento da alma. A sobrevivência da nossa espécie está, como nunca, ao sabor das impensáveis e presunçosas descobertas científicas, que tanto podem beneficiar a preservação da raça humana, como podem acarretar perigos para o futuro da humanidade.

Lá de cima e em silêncio, o Grande Oleiro contempla este embate entre a razão e a fé, sabendo de antemão que a Ciência jamais vai restaurar a IMORTALIDADE PERDIDA.

O homem seduzido pelo poder do conhecimento ilimitado, luta e sofre, na tentativa de prolongar ao máximo sua vida de pobre mortal aqui na terra. Uma coisa ele não pode negar: lá no fundo do seu coração geme um desejo profundo de retornar ao PARAÍSO PERDIDO. A rebeldia do espírito da Ciência, mesmo rompendo as normas, padrões e paradigmas tidos por nós como sagrados, não consegue apagar a SAUDADE do Éden ─, sentimento este, que tem um efeito moderador no desenfreado ímpeto humano em desvendar mistérios acumulados por milhares de anos.

Ao levantar o véu que encobre o que se encontra oculto, o “homem científico” acaba nos deixando mais céticos. Sentimos, que ao transgredir determinadas tradições arraigadas em nosso ser, uma parte de nós se evapora, deixando-nos menos utópicos, nus e mais transparentes, é quando nos assoma o temor de que um dia a ciência revele com clareza as vilezas do nosso inconsciente.

Não devemos esquecer, que enquanto os mistérios alimentadores de nossa fé vão sendo paulatinamente desnudados, a vida vai perdendo o seu sentido e a sua graça, transformando-se em uma “novela”, cujo final previamente se conhece.

Ao ver os valores tradicionais postos em dúvida e sob investigação de modo irreversível, não posso esquecer de uma tia, que ainda hoje não acredita que o homem foi à lua. Demonstrando felicidade e fé inabalável, ela diz que é tudo “enrolada” ou propaganda enganosa, pois, Deus jamais iria permitir que o homem realizasse tamanha TRANSGRESSÃO. Sobre este tal “desejo transgressor” nem de longe ela quer ouvir falar.

Ensaio: por Levi B. Santos

Guarabira, 26 de Novembro de 2007

07 novembro 2007

A PRELEÇÃO DE ALMEIDA FOI REAL DEMAIS

................................................Pastor Almeida (de terno)


A Segunda Conferência Missionária das Ass. de Deus em Guarabira-Pb, em sua última noite, transcorria como sempre acontece em ocasiões festivas: muitas exclamações de alegrias, muitas aleluias e glórias a Deus. Eu ouvia pelo rádio, os cânticos e os testemunhos emocionados que agitavam a multidão que superlotava a nave do grande templo. Dava-se perfeitamente para ouvir pela emissora, o intenso vozerio.

Porém, algo inédito aconteceu naquela noite. Eram mais ou menos nove e quarenta, quando o preletor Almeida (Mineiro de Belo Horizonte – braço forte de apoio nas missões trans-culturais) foi convidado para dar a sua mensagem. Fez-se um silêncio sepulcral no interior do templo, quando o pregador dissecava com a sua espada afiada, fazendo ver cruamente o que era levar o evangelho às camadas excluídas da sociedade. O silêncio era tão intenso, que daria para se ouvir pelo rádio, um simples rasgar de um papel. Aquele silêncio era uma resposta mais do que clara, de que a palavra falada estava provocando uma profunda reflexão (inclusive de minha parte). Pude escutar a mudança altamente significativa que ocorreu naquele ambiente: o ribombar de vozes em alegria e êxtase, transformara-se repentinamente em um grandioso silêncio. O Pastor Almeida foi feliz e sábio em sua exposição, em consonância com o que diz o autor do livro de Eclesiastes (9, 17): “As palavras dos sábios devem ser ouvidas em silêncio [...]”.

Almeida tocara no ponto nevrálgico da interioridade humana, fazendo aflorar o paradoxo que norteia a nossa existência. Dentre os casos que ele expôs, um, foi de uma contundência cruciante e real. Em um dos seus arrebatamentos, expressou-se mais ou menos assim:

─ Irmãos! ─ Eu vou contar o que se passou comigo, lá em minha cidade: “eu era como um desses jovens bem vestidos, que estão aqui à frente, bem alegres e satisfeitos. Foi no caminho em direção à igreja, que avistei uma mulher em andrajos, parecia ser uma prostituta ou uma drogada, e estava sentada no chão de uma calçada. Algo, como uma voz dentro de mim, dizia naquela ocasião que eu parasse e falasse para aquela mulher. Eu tratei de fazer ouvidos moucos, racionalizando: ora, já estou atrasado para o meu compromisso na igreja. Ademais, com o meu terno todo bonitinho e impecavelmente passado, eu vou me amarrotar todo, vou chegar ao templo no meio do culto e todo desarrumado. Não! Prossegui no meu caminho. A voz mais uma vez ao meu ouvido: fala com aquela mulher! Eu dizia para mim: isso é uma tentação, não posso me demorar aqui e perder tempo, possivelmente, com uma bêbada. Além do mais, o que poderiam pensar os meus conhecidos que me vissem conversando com uma prostituta a uma hora daquelas, em um local suspeito e escuro. Continuei caminhando para minha igreja. A voz pela terceira vez soa: aborda aquela mulher! Não dei ouvido, e pensei: ora, é engraçado eu vou para casa de Deus onde lá todos estão me esperando, e esta voz aqui me atrapalhando”.

“Entrei no templo, alegrei-me bastante junto com os meus irmãos, e esqueci logo aquele fato ocorrido”.

Almeida, nesse momento, dá mais ênfase ao desfecho de sua história, falando desta forma:

“Terminado o culto, feliz da vida, dirigi-me a pé até o ponto do ônibus. Passando de volta pelo local onde estava a mulher, vi um aglomerado de gente. Resolvi espiar por entre a multidão espremida, o que estava acontecendo naquele momento. Esticando bem o pescoço e de pontas de pés, o que vi chocou-me profundamente. Em toda minha vida, jamais esquecerei aquela trágica cena. A mulher estava ensangüentada e morta. Constrangi-me até a morte, ao ouvir aquilo dentro de mim: “Tu foste o culpado”. “Se tivesses parado para ouvir aquela pobre mulher, ela não teria morrido”.

Almeida já emocionado, faz uma pausa e pergunta a platéia:

─ Quem aqui, tem a coragem de colocar bem juntinho de si uma prostituta daquelas bem fedorentas? Quem tem coragem de sentar junto ao um aidético aqui nos bancos? Aqui na igreja é muito bom. Está todo mundo engordando, engordando, e ainda mais cantando hinos como: “Estou pronto, estou pronto. Senhor eis-me aqui...” ─ diz, solfejando a estrofe de um corinho. Sabe quando é que o crente mais mente? ─ fala Almeida. ─ É quando está cantando na igreja. Ninguém que está cantando hinos como esses, atenta para o que está a dizer, e se treme de medo só em ouvir falar que alguém vai a uma missão na África ─ conclui veementemente Almeida.

Um silêncio profundo ─ foi a resposta de todos. Não se ouvia um sussurro sequer.

Não tenho dúvidas, que o inspirado Almeida sacudiu as profundezas do ser humano, de uma maneira, instigante, dura e real. Fustigou o meu coração como os de muito que o escutavam naquele momento. Pena, que a rádio encerrou o programa, pelo adiantado da hora, impedindo que eu e os ouvintes das redondezas pudessem escutar o restante de sua mensagem. Fiquei imaginando: se os organizadores do evento não tivessem demorado tanto, fazendo as costumeiras apresentações dos visitantes, teria dado tempo para que os rádio-ouvintes assistissem até o fim, o tão expressivo sermão do missionário visitante.

Depois de tudo, desliguei o meu rádio, para fazer uma auto-reflexão.

A mensagem de Almeida permitiu-me um olhar mais profundo sobre a verdade ancestral que reside na natureza humana: o “paradoxo” entre o “desejar fazer e o que realmente deve ser feito”. Almeida deve ter refletido e tirado uma grandiosa lição sobre o que aconteceu com ele naquela fatídica noite em Minas Gerais: “O zelo pela tradição do culto, o levara a perder uma alma”. Melhor que tivesse perdido o culto, aproveitando a oportunidade para socorrer aquela alma. O Pastor Almeida deu a entender que na igreja nos abrigamos do mundo, porém, é no trabalho missionário que se enfrenta o desafio de “sair para o mundo”. O que se passou com ele constituía-se em mais uma das muitas contradições do impensado evangelho de resultados, pregado nos tempos modernos: ele se encontrava na igreja onde estavam os sãos, enquanto uma alma se perdia lá fora, sem ter alguém para dar a mão. Esse acontecimento emblemático veio ratificar de forma insofismável o “porquê” do ministério de Cristo ter tido um caráter itinerante, indo ao encontro das gentes sofridas.

Em meio à violência e à maldade campeando de forma nunca vista por todos os recantos, não é coisa fácil abordar aqueles que vivem à margem da sociedade. Ficamos temerosos e sobressaltados ao abordar qualquer estranho que atravesse à nossa frente. Não é assim que aconselhamos os nossos filhos?: “Olhem, tenham cuidado, quando se depararem com alguém estranho e com cara de gente má, não se aproximem! Passem de longe, pedindo a proteção de Deus.”

O caso verídico de Almeida realça o grande paradoxo que nos mete MEDO, e por conseqüência, nos afasta do “IDE” imperativo do evangelho, destinado aos que estão caídos nas sarjetas da periferia das cidades. Preferimos que o desvalido VENHA ao templo, se bem quiser; é mais cômodo e não nos constrange. O MEDO de ser violentado, assaltado ou seqüestrado, nos impede de levar as “boas novas” a esses desamparados da sociedade, principalmente, naquelas horas mais arriscadas (após os cultos de domingo), em que voltamos para as nossas casas, tomados de MEDO e pedindo a Deus não encontrar ninguém pelo caminho. É nessas horas, que nos vem o tão sonhado anseio de poder andar sem sobressaltos. Nos vem também a vontade de confinar todos os marginalizados em um ambiente longe dos nossos, para que não possam nos incomodar.

A preleção de Almeida deve ter levado alguns, naquela noite, a uma reflexão, no sentido de tentar entender a mentalidade do homem rotulado de "moderno", que tem se sensibilizado apenas em seguir a sua própria agenda de realização pessoal, na crença de que com uma boa pitada de fé, receberá uma “sorte grande”, que o possa levar rumo ao poder, à riqueza e à fama.

Reconhecendo a nossa fragilidade (a carne é fraca) e, em meio ao silêncio do fim de festa desta Segunda Conferência Missionária, só nos resta um pedido a fazer: “Senhor, tende misericórdia de nós. Dai-nos mais coragem e ousadia para sair da apatia dos dias atuais”.








30 outubro 2007

DE VOLTA À TORRE DE BABEL




O fascínio de uma utópica cultura hegemônica, ronda a humanidade desde os tempos mais remotos. Os descendentes de Noé, num primeiro momento, se entendiam através de uma linguagem única, que na tradição judaico-cristã constituiu a primeira forma de pensamento globalizado.

Tomando a construção de uma torre que atingiria os céus, como METÁFORA, iremos entender sobremaneira, as sutilezas que envolvem o dilema do pensamento ocidental frente às outras culturas. Hoje, mais do que nunca, o ocidentalismo tenta ditar regras “universais”, no sentido de impor uma mesma forma de linguagem na convivência entre os povos que têm identidades diversificadas.

Uma pequena reflexão sobre a “Babel” bíblica irá abrir a nossa mente para o óbvio, que é a impossibilidade de sucesso da empreitada daqueles que se arvoram de autores do supostamente “correto e único” em matéria de política e religião.

Para compreendermos melhor o cerne do pensamento global reinante no ocidente, torna-se imperativo reler partes do que está escrito no livro de Gênesis:

“Ora, a terra toda tinha uma só língua, e uma só maneira de falar” ( Gênesis 11:1)

“Disse o Senhor: o povo é um, e todos tem uma só língua. Isto é, o que começam a fazer; agora não haverá restrição para tudo que eles intentarem fazer”. (Gênesis 11:06)

“Por isso chamou o seu nome BABEL, porque ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra, e dali os espalhou o Senhor sobre a face de toda a terra”. (Gênesis 11:09)

A onipotência de uma só forma de pensar entre as nações seria ousar contra o próprio Deus. O castigo que sobreveio através da “confusão” das línguas, na verdade dera lugar a uma dádiva, que seria a abertura de cada ser humano para o diálogo com o outro ser agora estranho, dono de uma identidade lingüística diferente.

A emblemática frase dos construtores da “Torre que tocaria os céus”: FAÇAMOS UM NOME (Gênesis 11;04), é a mesma que hoje embasa o pensamento hegemônico ocidental. A história está sendo repetida e fadada ao insucesso. O ocidente quer fazer um “Nome” sobre todos os outros, sem se ater para o que há de mais importante na diversidade da linguagem, que é o respeito aos valores dos povos estrangeiros. O mundo ocidental no seu egocentrismo recusa o intercâmbio de idéias e conhecimentos com as outras culturas que lhes são estranhas, esquecendo o que está escrito em Êxodo 22:21: “O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás, pois estrangeiros fostes na terra do Egito”. E o pior: lança como entrave ao diálogo com o diferente, um cristianismo fajuto, que nem de longe lembra o pensamento central da mensagem de Cristo.

Ora, o Cristianismo primitivo, através de suas "boas novas" de que fala o Novo Testamento, imprimiu com marca indelével, o compromisso com a não destruição das identidades dos povos de línguas deferenciadas. Tanto é assim, que no emblemático dia de Pentencoste, os discípulos de Cristo ao serem tomados pelo poder do alto, disseram palavras, cujo teor, os povos de diferentes linguagens, ali ao redor, chegaram a comprender. Aquele acontecimento tornou-se um símbolo de que Deus, doravante, se faria entender no contexto de cada povo, de cada cultura, de cada língua, como bem realça o livro de Atos (2, 9 à 11): "Partos, Medos, Elamitas, os da Mesopotâmia, Judeia, Capadócia, Ponto, Ásia, Frígia, Panfília, Egito, Libia, Cretenses e Àrabes - todos temos ouvidos em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus".

O que Deus outrora queria mostrar com a diversidade das formas de linguagem, e a pluralidade de pensamentos, no episódio da interrupção da construção da Torre de Babel?

Deus, simplesmente queria que nascesse no coração do homem, o despertar de uma nova forma de convivência, baseada na “singularidade” de cada ser, que é única, e que, como uma impressão digital, não se repete em outro ser. Até dentro de uma mesma comunidade ou grupo familiar, onde se tenta falar uma mesma língua, a singularidade de cada indivíduo na sua transcendência com o divino, é particular, e não pode ser exprimida em palavras. Na maioria das vezes, na tentativa de explicar a nossa interioridade para o outro, somos mal entendidos. Esta é uma das nossas grandes aflições de cada dia: fazer-se entender. Quando não reconhecemos a individualidade particular do outro, expressada em sua peculiar linguagem que nos é estranha, podemos até partir para o acirramento de ânimos.

O aprendizado entre os diferentes é assim mesmo. O nosso interlocutor almeja sempre que correspondamos aos seus desejos. Ele fica feliz ao pensar que somos sua cópia fiel. Ao nos tornarmos cópias, perdemos a nossa identidade, e passamos a viver num estado de alienação, que nos sujeita a depender da consciência do outro, como bem demonstra o Judeu hassídico Martin Buber, nesta construção fraseológica: : “Se eu sou eu porque eu sou eu, e tu és tu porque tu és tu, então eu sou eu e tu és tu. Mas, se eu sou eu porque tu és tu, e tu és tu porque eu sou eu, então nem eu sou eu, nem tu és tu”. Em outras palavras: se eu não posso ser eu, serei apenas um objeto, uma coisa, de que tu tomas posse. Se realmente tu não podes ser tu, serás sempre um objeto, de que tomo posse para depósito dos meus anseios.

A aparente superioridade cultural de um povo, é o maior entrave no aprendizado com as culturas minoritárias. Para o religioso ocidental, torna-se muito mais cômodo transformar o diferente em um seu igual, do que tentar aprender com as diferenças do outro que lhe é estranho. E desta forma vão formando homens-robôs, num proselitismo desenfreado e sem sentido, talvez sonhando em um futuro próximo soerguer uma nova e ilusória TORRE em que todos falem uma mesma língua. Sabemos que a palavra “torre” tem por significado simbólico ─ o “PODER” ─, por isso mesmo, as autoridades das grandes metrópoles procuram mostrar o seu poderio, através de construções de arranha-céus cada vez mais altos. Na verdade esses fenomenais e altíssimos edifícios não passam de uma exteriorização do desejo de “todo poder” que está arraigado no mais remoto recanto da alma humana, vindo à tona, numa espécie de repetição do que ocorreu lá no Gênesis Bíblico.

Por falar em “torres”, os E.U.A. como centro exportador do pensamento globalizado tiveram um dos seus maiores símbolos (as torres gêmeas) destruídos. Ao invés de partir para uma reflexão aprofundada através de uma releitura do Gênesis, reconhecendo à luz das Escrituras, o infrutífero esforço da reedição Babélica, eles açodaram ainda mais os povos de culturas e religiões diferentes. Em meio à tragédia do World Trade Center, ficou famosa a afirmação catastrófica do Presidente Bush: “Quem for contra nós está do lado do mal”. De forma impensada, ele fez ali, no calor da emoção, uma contundente analogia ao que escreveu o existencialista Jean Paul Sartre: “o inferno são os outros”.

O interessante é, que para aplacar a sede de vingança da maior nação cristã do globo, um personagem descendente de Nabucodonozor, chamado Saddam Hussein, foi inapelavelmente caçado para pagar o “pato” ─, logo ele, que nascera ali, bem pertinho da terra onde os herdeiros de Noé atentaram contra o próprio Deus, projetando uma equivocada “Torre” sob uma só língua.

06 outubro 2007

ÉTICA EM POLÍTICA? - FOI UM SONHO, ACABOU



Discorrer sobre ética nos tempos atuais é um exercício extremamente difícil. É como entrar em um terreno movediço, que apesar do esforço empreendido e por mais que se queira, não se consegue sair do arriscado atoleiro.

Como falar em código moral, quando vivemos em um país, cujos dois maiores centros populacionais se tornaram palco de uma verdadeira “guerra civil”, caso do Rio de Janeiro e São Paulo, em que os marginalizados pela sociedade foram obrigados a se organizar como um Estado dentro de outro Estado. Para se ter idéia da gravidade do momento, nessas duas cidades, a violência mata mais do que na atual guerra entre xiitas e sunitas no Iraque. Como falar de ética num país em que o mínimo de direito a uma vida condigna é desrespeitado vergonhosamente e, quando os direitos básicos do cidadão, como saúde, segurança e educação, são espezinhados.

Como médico aposentado, aos sessenta e um anos de idade e trinta e sete de profissão, posso dizer com conhecimento de causa, que vivemos em um país “do faz de conta”. Que nação é essa, em que doenças como a Hanseníase e a Tuberculose grassam por todos os recantos, como nunca se viu, de uma forma que não existia, trinta anos atrás. A “Dengue” que no meu tempo de estudante de medicina, em 1968, nem sequer a estudávamos nos compêndios de medicina, pois não havia necessidade, uma vez que a mesma tinha sido erradicada há décadas, hoje é uma pandemia sem o mínimo controle. Não há recursos para acabar com um simples mosquito, mas há recursos para obras, todas elas superfaturadas, afora dinheiro ilegítimo distribuído aos montes, proveniente de “caixa dois”, que as nossas honradas autoridades políticas, com raras exceções, acham ser uma coisa perfeitamente normal. Esta prática ilegal se tornou uma realidade num país em que a banalização do mal feriu de morte o senso moral e ético que devia nortear todas as consciências, principalmente a consciência dos que legislam para o povo e pelo povo.

Virou uma piada de mau gosto o lema: “Código de Ética e Decoro Parlamentar”. Ultimamente, nobres senadores fizeram das iniciais C.E.D.P: o Código de Espetáculo Deprimente do Parlamento. Em nossas casas, pela “TV Senado”, assistimos nestes últimos dias a um espetáculo espúrio de desrespeito ao cidadão, que trabalha honestamente e ganha com o suor do seu rosto.

Ontem mesmo assistia a uma fria “sessão” de homenagem póstuma a Ulisses Guimarães, numa hora em que se o bom senso prevalecesse ela não teria sido realizada em um recinto, por hora tão ultrajado. O velho Ulisses não merecia tanta falta de consideração. Ainda bem, que na noite seguinte, o “povo de quem Ulisses era escravo” lotou o Maracanã no jogo entre S. Paulo e Flamengo, para num espetáculo respeitoso, belo e emocionante, resgatar de forma inequívoca a memória do velho Timoneiro.

Na TV Senado, ainda tive o desprazer de ouvir dois discursos, que pasmem, foi uma verdadeira sessão de autoflagelação, pois as palavras que saíam da boca daqueles senhores, batiam como se fossem chicotes em suas próprias costas. Se pudesse voltar, o que diria Rui Barbosa ao ver a que ficou reduzida a casa que deveria ser a guardiã dos anseios do povo?

Metaforicamente falando, nada mais resta da cúpula côncava do senado, projetada por Oscar Niemeyer, que pensou, quando da construção de Brasília, “que aquele símbolo retrataria um local propício à reflexão, serenidade, ponderação, equilíbrio, onde pudessem ser valorizados o peso da experiência e o ônus da maturidade”.

Mas foi tudo um sonho. ACABOU.


Ensaio por: Levi B. Santos

Guarabira, 06 de Outubro de 2007

04 outubro 2007

MISTÉRIOS NA NOITE




Eram duas horas e vinte e cinco minutos, quando rompendo o silêncio daquela abafada noite, toca o celular em cima do criado-mudo, onde antes de deitar, ele também punha os óculos e um remédio em gotas para desobstrução nasal.

Despertando do sono, numa súbita reação levantou-se do leito, agarrou o aparelho digital, olhou detidamente o visor: a ligação tinha vindo de sua própria casa, de um telefone fixo que ficava no final do corredor que tinha como início a porta de seu aposento. Notando a ausência da esposa, ao seu lado, ele imediatamente racionalizou: “só pode ter sido ela que discou para o meu aparelho celular”.

Em poucos segundos, já sem um pingo de sono, ele abriu a porta do seu quarto e se surpreendeu ao acender a lâmpada do corredor: lá estava o telefone fixo em seu devido lugar, ninguém o estava usando. Conferiu novamente a chamada no seu aparelho digital, lá estava bem claro: ligação recebida de “casa” às 2:25 de uma sexta-feira que se iniciava. Não demorara nem vinte segundos para realizar todo o movimento de identificação.

Ao invés de atribuir o chamado telefônico ao terreno do sobrenatural, no seu ceticismo, preferiu atribuir tudo a interferências eletromagnéticas de um outro mundo, o mundo digital, e saiu à procura de sua mulher. O silêncio, só cortado de vez em quando pelo cantar dos galos, e latidos dos cães ao longe, era propício ao exercício racional, que faria, na tentativa de arrumar convenientemente as pedras deste quebra-cabeça. Foi neste momento que veio a sua lembrança uma passagem da mitologia grega ─, o famoso “Enigma da Esfinge”, em que o Rei Édipo recebe um ultimato: “Decifra-me ou te devoro!”.

Na caminhada à procura de sua esposa, o que o teria levado, entre outras portas, a abrir justamente àquela do quarto que era reservado aos filhos? “Os meninos", como ele chamava os seus três rapazes, estavam ausentes, residindo na Capital do Estado, distante cerca de cento e quarenta quilômetros. Freud estivesse vivo, daria uma explicação mais ou menos assim para este fenômeno: “o que o levara a girar a maçaneta daquele aposento, teria sido a pulsão instintiva do inconsciente, induzindo-o à realização de um desejo reprimido, que era justamente o anseio de encontrar todos os filhos bem protegidos e dormindo naquele quarto, como em tempos idos acontecia”.

No entanto, em sua mente um pensamento assomava: qualquer pessoa inculta, na sua linguagem simples, diria o mesmo que Freud deduzira cientificamente. Diria mais ou menos assim, com o seu modesto linguajar: “foi o apego aos bichinhos, que fez com que você abrisse a porta do quarto deles”.

Ele agora estava juntando as peças para poder entender o “porquê” de um outro mistério. Ao abrir lentamente a porta do quarto, que era agora dos filhos só nos fins de semana, encontrara sua esposa coberta da cabeça aos pés, ajoelhada junto à cama que era do primogênito. Parecia uma daquelas mulheres árabes, que se vestem com panos longos da cabeça ao chão. Respirando a atmosfera daquele quarto, ele perguntava para si mesmo: estaria ela em genuflexão, a reviver pedaços ou restos da infância perdida dos filhos que saíram de si?

Entendia que era em momentos de transcendência como aqueles, que todos os entes queridos, mesmo os que moram distante, parecem ficar muito próximos em pensamentos. Sendo assim, deduzia que a sua esposa ali naquele quarto, numa devoção solene, poderia estar se sentindo bem pertinho dos filhos, que por muitas noites dormiram e sonharam embalados nos seus cânticos e histórias.

Não sabia porquanto tempo tinha ficado ali, estático, ante a porta entreaberta, observando a sua silhueta na penumbra do quarto vazio, mas ao mesmo tempo cheio de um significante silêncio. Talvez, pensou, ela estivesse sentindo o mesmo que ele. É que tinha vindo naquele instante à memória, os momentos que por tantas vezes partilharam juntos noutras noites insones, em que ora curtiam a algazarra e risos dos filhos, ora preocupavam-se com os choros e gemidos deles, quando estavam enfermos.

Com pés de lã, fechou a porta do quarto e se retirou com o máximo cuidado para não fazer barulho, e não interromper a ligação íntima, que por certo, ela estava experimentando naquele ambiente, exteriormente deserto de sons e de pessoas, porém interiormente rico de sentimentos. Ele não demorou muito para chegar a seguinte conclusão: ali, ajoelhada, estava uma mãe intercedendo pelos filhos, que sabe Deus, estariam nestas horas necessitando de um providencial consolo seu.

Ele já tinha ouvido em várias ocasiões ela falar em “oração de intercessão”. Já tinha presenciado em outras ocasiões, ela levantar do leito nas caladas da noite para fazer este tipo de prece. Ele, às vezes, estranhava aquele ritual, mas ela respondia: “você não sabe o valor que tem a oração de intercessão, ela é poderosa para interferir e evitar que coisas ruins venham acontecer aos nossos”. Falava isso com um tom de voz seguro, que pela janela da alma, que são os olhos, não deixava transparecer sinais de dúvidas.

O sono não chegava. Ele viu em meio à penumbra, ela aparecer sorrateira, e se recolher ao seu cantinho no leito. Depois, observou ao seu lado, ela respirar aliviada, com um ar de satisfação, de quem tinha conseguido algo inefável, e, sem dizer nenhuma palavra, em pouco tempo, estava a dormir profundamente. Numa coisa ela estava em uníssono com ele: era no respeito à grandiosidade significante de um silêncio, que naquele instante não deveria ser quebrado por palavras.

Ele e ela, com certeza pressentiram que em momentos sublimes como aqueles, não havia o que se perguntar, como, também, nada se tinha a responder, até porque a experiência transcendental de cada um, é por si, inexprimível ou indescritível. O silêncio falou mais alto naquela noite, para que a singularidade que varia de ser para ser, fosse preservada.

Depois de algum tempo ele conseguiu por fim apaziguar o sono, certo de que os mistérios da noite são para se curtir no silêncio.

O misterioso toque do seu celular, altas horas da noite, servira de inspiração para uma crônica que escreveria no dia seguinte.

Conto por: Levi B. Santos

Guarabira, 02 de Outubro de 2007