07 maio 2007

CORRAM - QUE AQUI TEM DENGUE!





Chovera torrencialmente durante todo o dia daquele Sábado. Ao iniciar a noite, a chuva deu uma trégua, o bastante para minha esposa, meu filho caçula e sua namorada animarem-se para comparecer a um estudo e um ensaio musical na igreja, como acontece de praxe todos os finais de semana.

Fui levá-los de carro até o templo, de forma apressada, pois já estava passando das vinte horas. Lá chegando, para a nossa surpresa, a igreja estava praticamente vazia. Estirei meu pescoço duro de artrose por entre a janela do automóvel e avistei apenas o porteiro ao lado da porta de entrada. Minha esposa, porém, saiu resoluta para o interior do templo, sem aceder a minha argumentação de que não haveria trabalho naquela noite, pois pelo meu relógio já passava das oito e trinta da noite e não tinha um “pé de cristão” ali dentro.

O meu filho e sua namorada não titubearam um só minuto, resolveram voltar comigo para casa. No caminho, ele pediu para ficar no centro da cidade, perto de uma pracinha. Pelo olhar dos dois, pude concluir que, na falta do trabalho espiritual resolveram dar uma namoradinha. O lado espiritual, desta feita, ficaria para o domingo. Dessa maneira, estaria feito o equilíbrio entre a “carne” e o “espírito” de que tanto falou o apóstolo Paulo em suas cartas.

Estava eu muito bem sentado em uma poltrona da sala de minha casa, no exato momento em que caía um “toró” daqueles. Nem vinte minutos fazia que tinha chegado a casa, e estava lendo restos de noticias de alguns jornais do dia, quando de repente irrompe minha mulher no meio da sala, parecendo um pinto ensopado de água. Toda molhada, mas com um ar de satisfação, como quem tinha saído vitoriosa de uma grande enrascada. Foi logo dizendo com a voz ofegante, com o ar de quem tinha acabado de levar um enorme susto:

─ Meu filho, escapamos de pegar uma “dengue” daquelas.

Joguei os meus jornais para o lado e perguntei, já querendo rir:

─ Como? Eu lhe deixei na igreja, imaginando que mesmo na falta dos alunos para o estudo bíblico, você iria orar por um bom pedaço de tempo!

Não, olha o que aconteceu ─ diz ela com os olhos esbugalhados. ─ Eu estava com uma amiga minha, no subsolo da igreja( recinto destinado aos estudos bíblicos), olhando uma para a cara da outra sem ter o que fazer. Sentado lá mais na frente estavam dois encabulados irmãos de fé, também “paradões” como duas estátuas, em um constrangido silêncio. Foi quando a minha amiga cochichou ao meu ouvido: “não fica bem para a gente ficar aqui, sem assunto, olhando para esses dois homens. Vamos embora?”. Neste mesmo momento em que conversávamos, um dos homens deu um pulo de lado, gritando:

─ Corram! Que aqui está empestado de mosquito da “dengue”.

Segundo minha esposa, aquilo tinha sido a providencial “senha” que Deus mandara para todos saírem dali em desabalada carreira, justificando dessa forma a interessante fuga. Eu, a essas alturas estava embolando de rir, pelo acontecimento trágico e ao mesmo tempo cômico. Ora, pensava eu com os meus botões: “quem já viu um negócio desses?. “Fugirem de um local sagrado, para poderem se refugiar em um lugar mais seguro do que a própria igreja”?.

É mais um dos paradoxos existenciais humanos ─ concluí já refeito do riso. Porém cheguei a conjeturar comigo mesmo: “eles estavam no subsolo, um lugar úmido, de pouca luz e de aspecto sombrio, que na verdade tinha tudo, menos aquela áurea sublime do interior da igreja, por isso, foram tolhidos pelo medo”. Penso que se estivessem na nave da igreja, eles não iriam de maneira nenhuma temer a “dengue”. Caso isso viesse acontecer, seria o cúmulo dos paradoxos. Foi nesse momento que me lembrei do que tinha lido algumas vezes no Velho Testamento: “o lugar chamado de ‘profano’, era exatamente em um determinado local fora do templo”, ratificando o que se diz sempre nas pregações: “que de fora, ficarão os cães”. Refletindo dessa forma, a minha mente fazia uma justificação para a inusitada debandada dos medrosos personagens daquele local obscuro, que servia mais para ensaios, aulas e almoços festivos, que para estudos bíblicos.

Continuava a chover naquela noite e a minha mente insone, por alguns minutos, vagueava, criando suposições que tinham a ‘dúvida’ como fonte de toda especulação. E eu pensava: “Será que os que não tinham ido à igreja tinham ficado em casa assistindo novelas na TV?” “Ou será que a torrencial chuva de inicio de inverno, afugentara a todos para as suas alcovas de cobertores macios e bem quentinhos?”.

Veio-me então outro pensamento: “Como foi inocente o irmão, ao dar o brado para todos correrem dos mosquitos da ‘dengue’, em plena noite, quando, de há muito, se sabe que o fatídico mosquito só pica as pessoas durante à tardinha”. “Por que o irmão confundira o inseto transmissor da dengue com a popular ‘muriçoca’?”.

Do mesmo modo que de uma terra úmida e fértil brotam os mais variados tipos de vegetação, assim estava a minha imaginação a brotar todo tipo de pensamento: “Será que o citado irmão não dera uma cochilada, e tivera uma visão dos perigosos mosquitos transmissores dessa temível doença? Nesse caso, fazendo uma interpretação literal do sonho, ele não mentira, uma vez, que o mosquito da dengue tem as pernas listradas na cor branca e preta, e a muriçoca tem as pernas de uma só cor”. "Ou será que esse irmão para sair do embaraçoso e angustiante silêncio, inventara essa história de dengue como um álibi para a inusitada fuga”?

O certo é que não houve nem estudo, nem ensaio musical naquela noite fria de inverno. As portas da igreja se abriram e se fecharam sem que nada acontecesse, a não ser a enigmática historia não decifrada dos “mosquitos-fantasma” da “dengue”, a espantar os quatro membros que ali estavam inseguros na penumbra fria e silenciosa do porão do templo.

Pelo resto da noite chuvosa tive sonhos assombrosos, de um zoológico enorme contendo inúmeras jaulas, com insetos gigantes a me atordoarem o sono. Eu podia ver, lá estavam os mesmos mosquitos que o irmão vira em sua visão no subsolo da igreja. Só que no meu sonho, os “mosquitos-fantasma” portavam enormes e cabeludas patas listradas de branco e preto, dirigindo-se ameaçadoramente em minha direção.

Acordei na madrugada de domingo com o corpo cansado e todo dolorido. E pensei por último: “Estou com dengue”. Verifiquei a minha temperatura: estava em trinta e seis graus. Fiquei aliviado. Minha esposa ao meu lado roncava a sono solto. Tranquilizei-me com a certeza de que o mosquito da dengue não me picara.

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