A nossa despedida vai ser na Igreja Central de Jaguaribe em João Pessoa. Olhem, espero vocês lá como sem falta” ─ dizia-me o casal Leni (minha irmã) e seu esposo João Camilo, há poucos dias.
Irão assumir um trabalho de missões na Bolívia ─ lugar muito distante, de uma cultura e língua diferentes da nossa. Não posso negar que esta decisão nos surpreendeu, deixando Bazinha (a nossa mãe), Davi (meu irmão) Luza (minha esposa) e Célia (minha cunhada) que formam a parentela mais próxima, meio ressabiada, acostumados que fomos a viver sempre juntos, desde os tempos de meninos. Vivíamos no “bom sentido” à semelhança do seriado da TV Globo: “A grande família”.
Há umas duas semanas, eu fazia uma analogia com o que o evangelista S. João escreveu sobre Cristo lá na Palestina ( João 1, 11), dizendo para João Camilo em tom de brincadeira: “É, você veio para os seus (Paraibanos), mas os seus, ( principalmente os ‘pessoenses’) não o receberam”. Contudo, lá naquele mundão longínquo, os “hermanos” bolivianos estarão a sua espera de braços abertos.
Quanta coragem! Especialmente da parte de Leni. Em um sonho que Camilo me contou há alguns meses, ela aparecia só com água pela cintura, não mergulhada por inteiro como ele, no mar aventuroso do ideal evangélico. João via sempre a sua esposa com a água pela cintura em seus sonhos espirituais. Acho que a despedida se torna mais dolorosa e dura, para quem não está mergulhado até a cabeça. Mas, cá comigo, penso que a parte mais difícil ficou com a mulher, que pela sua própria natureza, tem a sua razão primordial de existir, representada pelo apego a casa, aos seus móveis escolhidos com tanto esmero, seus quadros, seu quarto, e por fim ao filho e as filhas que foram geradas dentro de si. Imagino como foi doloroso para ela, ter que se desfazer de tudo que possuía de bens materiais, digo isso, não pelo valor monetário, e sim pelo valor simbólico da cada objeto. A cada móvel que saia de sua casa, ia embora uma parte de sua história vivida com amor e intensidade. Lembro-me muito bem da bela e lustrosa mesa da sala de jantar, tendo ao redor lindas e confortáveis cadeiras. Em ocasiões como essas, parece que até os móveis de casa são dotados de sentimentos, de tão acostumados ficamos com eles, vendo-os todos os dias por um longo período de tempo. Era em torno daquela mesa que ela sentava sempre com o esposo e os filhos. Aconchegada no belo e macio sofá de cetim ela contava sempre o que havia de melhor para o esposo.
A despedida do casal João-Lena, após todos esses longos anos de convivência juntos no mesmo ninho familiar, certamente, vai fazer o comboio de cordas do coração de todos nós gemer uma música saudosa. O camarada João é um antigo guerreiro calejado na arte de governar, administrar e solucionar grandes “abacaxis”. Vendo por este lado, concluo ser mais fácil para ele superar a dor da separação dos amigos. Contudo, quando ele, por qualquer motivo, se mostrar cansado, creio que a Leni não fraquejará em substituí-lo no comando, como fez a Débora da Biblia (sem querer tirar a coragem peculiar do sexo forte).
Quanto à velha Bazinha (nossa mãe), vamos ter que respeitar com paciência, certos posicionamentos seus. Seu coração de mãe tem razões que a nossa própria razão desconhece. Há alguns dias, na hora do tradicional almoço (a dois) das quintas feiras em que faço atendimento médico em A. Grande, ela, como mãe extremosa, disse racionalmente para mim uma grande verdade: “é muito bom mandar o filho do outro para pregar lá no fim do mundo”. “Todos ficam contentes, mas ninguém quer mandar o seu filho. Não é tão bom! Por que o chefe não manda o... ... ...( final censurado).
Quanto a mim, não gosto de despedidas, apesar de saber que a “despedida” é também uma “chegada”. A despedida é como um barco que vai se afastando da gente. Quem está nele, em pouco tempo, só nos verá como simples pontinhos no horizonte. Para os que estão aguardando do outro lado do mundo é uma “chegada”. Para nós, que aqui ficamos é uma “partida”.
Quando desaparecermos do horizonte de vocês, outros pontinhos aparecerão do outro lado do mundo, e crescerão à medida que o barco for chegando a Santa Cruz de La Sierra.
Ao se afastarem do nosso convívio, encontrarão o fascinante lugar que tanto sonharam. Então, a vida, essa imensa “roda” que não pára de girar, trará para vocês um novo ciclo de amizades e experiências, que substituirão os dramas e comédias da “Grande Família” que aqui fica.
Lá nas noites frias dos “Andes”, quando a saudade apertar, na certa, Leni cantará acompanhada do seu violão, a canção: “o exilado” (hino 36 da Harpa Cristã). Então, de olhos úmidos e fechados, por um instante, viajará na imaginação até João Pessoa e Alagoa Grande ─ seus dois torrões de memoráveis e gratificantes momentos.
Ainda bem, que para o nosso consolo: “DEUS CRIOU A INTERNET”.
Crônica por Levi B. Santos. Guarabira, 06 de maio de 2007
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