03 fevereiro 2008

TIMÓTEO - UM DOENTE DE FÉ NÃO FINGIDA




Não acredito que a razão e a fé ou a Ciência e a Religião estejam fadadas a serem eternamente entidades antagônicas. Tem que haver um meio termo, temos que recriar um terreno propício para que estas duas irmãs (razão e fé) possam dialogar, sem que nenhuma delas venha perder a sua particularidade ou identidade.


A Ciência, cujo trabalho de pesquisa tem como desiderato o fato de que para cada efeito existe uma causa determinante, tem como elemento sempre presente, a “dúvida”. Sendo assim, ela suspeita sempre daquilo que o homem intuitivamente denomina de “mistério”. O mistério revelado, explicado ─ deixa de ser mistério. Alguns religiosos acham que à medida que a Ciência desvenda mistérios, o campo da fé vai sendo minado, e o crente acostumado a acreditar que um determinado fato é intocável, perderá o estímulo, ao tomar consciência de que foi encontrada a “causa” daquilo que antes, para ele, era inexplicável. O Cientista, mesmo ao descobrir um medicamento para cura de determinado mal, não pára de trabalhar, pois é de sua própria natureza estar sempre pensando que no futuro uma outra substância mais potente deverá desbancar a que está na moda hoje.


Nos primórdios do Cristianismo em Alexandria, a primeira escola bíblica foi combatida com ferocidade, pois os partidários da fé e dos mistérios não admitiam em hipótese alguma a Santa Palavra ser objeto de estudo. O estudo, a investigação e o debate eram para eles coisas da vã filosofia, e não poderiam ser aplicadas às coisas “sagradas”. A História registra que Alexandria, sede da cultura da época, possuía o maior acervo de livros do mundo em sua majestosa biblioteca. Nos primeiros embates a razão foi à pique, pois os guerreiros da fé queimaram a quase totalidade dos livros ali existentes. Era para eles totalmente incompatível a convivência pacífica entre a fé e a razão.


A medicina do mundo antigo, muito rudimentar, estava a cargo dos feiticeiros, e as doenças eram em sua grande maioria consideradas como resultado de atuações demoníacas. Passados mais de dois mil anos do início da Era Cristã, os Psiquiatras e Psicanalistas que tratam as doenças da alma ou da mente, são ainda vistos como inimigos da religião. Tanto a religião como a Psiquiatria trabalham num mesmo campo, sendo os partidários da fé os mais renhidos e intolerantes guerreiros, os quais, não aceitam a análise científica das doenças da alma.


Dessa maneira foi criado um grande fosso que impediu, e ainda impede o intercâmbio entre as instâncias da Ciência e da Religião. O Apóstolo Paulo, falando sobre seu maior amigo e filho espiritual Timóteo, o definiu como sendo portador de uma Fé não fingida (II Timóteo 1: 05). Paulo não vacilou e nem se sentiu constrangido ou diminuído em sua fé, ao se fazer de médico, quando aconselhou Timóteo a não beber só água, mas, também um pouco de vinho devido as suas freqüentes enfermidades (I Timóteo 5: 23). Era assim que a Medicina daquela época tratava as doenças do Aparelho Digestivo, e Paulo vendo o sofrimento físico do seu mais amado amigo, não titubeou em ajudá-lo, fazendo-o da melhor maneira que estava a seu alcance naquele momento. É, portanto, inadmissível concluir que, só por esse fato, estes dois apóstolos tão dedicados na missão de expandir o Cristianismo tivessem fraquejado na fé, ao recorrer a este procedimento que para alguns era uma atitude pagã.


Na atualidade, deve soar estranho ao ouvido dos empedernidos defensores da fé, que o apóstolo da estirpe de Paulo tenha escrito essa parte do final da segunda carta a Timóteo: “[...] quanto a Trófimo deixei-o DOENTE em Mileto”. E a fé? ─ dirão os imediatistas dos espetaculosos milagres. Hoje, algumas seitas poderosas da mídia religiosa talvez diagnosticassem o caso de Timóteo, como de encostos ou maldições que deveriam ser urgentemente quebradas. Para estes, a fé não fingida que habitava em Timóteo não poderia ser a fé genuína que soluciona tudo num abrir e fechar de olhos ─ , de que se dizem autênticos representantes.


Parece-me que, o que falta para um frutífero diálogo entre Ciência e Religião é um pouco de bom senso e reflexão. Há pouco mais de setenta anos, dois grandes personagens da História faziam este intercâmbio de forma exemplar. Freud e o Pastor Pfister faziam parte do seleto grupo que fundou a Psicanálise. Trocaram maravilhosas correspondências durante trinta anos dentro de um clima de sincera amizade. As inúmeras cartas trocadas entre eles irradiavam um entusiasmo e um calor humano nunca visto entre um Pastor e um Cientista. O pastor Pfister assim descreveu sua passagem pela Psicanálise: “[...] Experimentei como a neurose altera a prática cristã do devoto. Os dogmas são monstruosamente ressaltados, transformando-se por vezes em fetichismo dogmático. Desta forma, de uma religião de amor, o Cristianismo transformou-se, talvez até na maioria das vezes em uma religião de angústia perante os dogmas”.


Que os modernos guias espirituais de hoje, sem querer arrefecer a fé de muitos, possam ter a humildade de proceder como o Apóstolo Paulo, que usou a medicina alternativa para aliviar as dores do seu maior amigo do peito, o qual, apesar de ser um homem de fé não fingida, convivia com enfermidades de natureza possivelmente gastroenterológicas. Doenças estas, diga-se de passagem, nunca consideradas como de origem demoníaca pela igreja primitiva.






Ensaio por: Levi B. Santos


Guarabira, 03 de Fevereiro de 2008


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