Um grande amigo enviou-me recentemente um interessante slide animado, via internet. Nele, uma velhinha demonstra de modo bastante sentimental, como se tornou um “estorvo” no meio da família.
No dizer da vovó do “slide”, seus filhos e netos já não lhe davam mais afagos. Sentia-se rejeitada, ao ver que no seu dia-a-dia, eles não mais a valorizavam. Sua vida, ultimamente, vinha sendo passada despercebida por todos, e isto lhe causava muita tristeza. Por não mais a olharem como antigamente, ela concluía que eles não estavam mais notando a sua presença naquele ambiente, como se ela mesma, tivesse sido transformada em um ser invisível. Após narrar toda sua odisséia repleta de ressentimentos, sublinhando a ingratidão que estava sofrendo por parte da família, ela, no final, ao que parece, resolveu dar uma abrupta olhada reflexiva para dentro de si. Fez então uma conclusão emblemática, que me chamou muito a atenção. Assisti por mais de uma vez ao slide, concentrando-me mais no desfecho da história, em que a vovó fez uma abordagem carregada de significação. Em forma de pergunta, revelou toda a verdade cristalina e insofismável de seu próprio ser: “QUE CULPA ELES TÊM DE QUE EU ME TENHA TORNADO INVISÍVEL?”. Em outras palavras, a velhinha quis dizer: “Se eles não me vêem, é porque me tornei invisível”. Graças! ─ ela chegara à verdadeira e sábia conclusão de que o problema não estava nos filhos e nos netos, mas sim nela. Entendeu que os filhos, agora crescidos, não podiam enxergá-la, porque ela mesma, com o passar dos anos, é que tinha ficado INVISÍVEL para eles.
O que é visível para nós, é aquilo que vemos pelos olhos físicos. Por esses olhos, avistamos apenas o exterior do objeto que está em nosso campo visual; vemos simplesmente a casca do fruto; é o revestimento externo, aquilo que enxergamos. Quando passamos a viver unicamente em função daquilo que é visível, ao tentarmos enfrentar os "reveses da vida", somos dominados pela sensação de que estamos sendo injustiçados e incompreendidos.
O psicanalista Jung foi quem mais estudou os arquétipos de nossa psique. Ele encontrou na criatura humana, uma face que todos nós temos, e às vezes não sabemos que temos, e que ele denominou de “Persona”. É a máscara social, é o papel de padrões de conduta que desempenhamos socialmente. No dizer de Jung, “todos nós vivemos papéis o tempo todo. O risco é nos identificarmos demais com os nossos papéis, e nos distanciarmos da nossa natureza e da nossa integridade”. Ao realizar o nosso papel, o nosso ideal de ser vivente, necessitamos da presença do outro. No entanto, o que devemos ter em mente é que não podemos fazer do nosso semelhante, um “objeto” dos nossos desejos. Quando assim o fazemos, nos surpreendemos ao constatar que esse outro, tem suas individualidades e particularidades próprias, que os nossos olhos comuns não podem enxergar. Entre nós e os outros existe sempre um vazio, sempre uma incógnita, pois, como bem disse Pascal: “o coração tem razões que a nossa própria razão desconhece”.
Quando o outro com quem convivemos, em um determinado momento, deixa de corresponder àquilo que desejávamos, ficamos então acabrunhados e decepcionados. Isto, porque nos acostumamos a fazer dele, apenas um receptáculo, um vaso para deposição dos nossos anseios. O que acontece quando o outro não nos corresponde? Passamos a racionalizar que ele não está mais nos vendo. Não está mais nos considerando. Ficamos solitários, nus, invisíveis, quando o outro deixa de ser objeto em nosso proveito. Porém, em tudo isso, há um lado positivo que pode amenizar a solidão de nossa invisibilidade, é que este estado de coisas nos estimula a um olhar mais profundo para dentro de nós. Aí então, é quando a nossa mente se abre para entender que não é o outro que não nos vê; nós é que nos tornamos invisíveis para ele.
Alguém poderá argumentar: e o amor, aonde fica?
Ora, existe uma grande diferença entre apego (alienação) e amor. Na alienação ou apego, o fato de discordar, deixa uma ferida, uma mágoa, uma cicatriz permanente, como se na discordância um estivesse levando o pedaço do outro. O amor, como bem frisou o apóstolo Paulo: “[...] é paciente, é benigno. O amor não inveja, não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. ( Coríntios 13 : 4 à 7)”.
Existe o grande perigo da queixa lamuriosa dos pais com relação aos filhos, se transformar em ressentimento, o que significa atribuir ao outro a responsabilidade pelo que lhe faz sofrer. Esse sentimento advém, por exemplo, quando os pais fazem dos filhos objetos, ou um investimento, do qual não obtiveram beneficios. Há pais que dizem, que o fazem por amor. Obviamente, nada há de amor que justifique esse procedimento, porque o amor não busca seus próprios interesses.
Se chegarmos à velhice, sem os queixumes de que nos tornamos INVISÍVEIS para os outros, partiremos desta vida mais aliviados e em paz conosco mesmos. Para isso, resta tão somente, não culpabilizar os outros pelas nossas frustrações, até mesmo, porque cada um vai dar conta de si mesmo a Deus. Faz parte da nossa existência, as situações difíceis do nosso caminhar, carregadas de obstáculos aparentemente intransponíveis. Cabe a cada um de nós, a responsabilidade de, sem apontar alguém como culpado, tomar a cruz e seguir em frente.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 30 de Março de 2008
Um comentário:
Levi, neste texto voc� traduz de
uma maneira formid�vel a grande dist�ncia, entre a gera�o jovem e
os seus ascendentes. Eles n�o percebem que tudo � presente, passado e futuro. Ou seja, como posso falar do "agora", sem ter as
extremidades, como apoio.
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