As guerras de hoje, no fundo, são as mesmas de outrora. O ódio que as move vem do mesmo núcleo estrutural. Mudaram os personagens, mas a natureza humana continua a mesma. No lugar de armas toscas como lanças e espadas bíblicas usadas contra os inimigos de antigamente, temos hoje armas sofisticadas, como foguetes teleguiados que atingem o alvo com precisão milimétrica. As desculpas e razões para explicar a intolerância entre as gentes continuam sendo as mesmas dos primórdios. Enfim, nada mudou debaixo do sol como bem disse o autor de Eclesiastes. A incessante busca dos prazeres que consome a maior parte da vida do homem é a mesma dos tempos remotos. Ela tem a mesma seiva de milênios de anos atrás. Os canais por onde deságua a agressividade latente que está em cada um de nós, em nada difere da dos tempos passados. Mudaram as formas externas, porém por dentro, tudo continua igual.
Será que a hipocrisia que Cristo tanto combateu entre as lideranças de seu povo, não é a mesma de hoje?
O longo capítulo de Mateus 23 (Ai de vós hipócritas) proferido por um Cristo indignado contra os Fariseus e Escribas de sua época, por acaso, não ressoa hoje como no passado? Os atuais dirigentes e líderes dos povos sedentos de justiça não estão a reeditar os fatos do passado? Se a história é cíclica, ela se repete. Ficando claro e evidente que os fariseus e escribas de hoje continuam agindo e semeando a discórdia como faziam os seus antepassados. Todas as tiranias (as atuais e as de ontem) fazem parte da história de alguns indivíduos, ou grupos no poder, que se servem dos recursos da violência para inconscientemente exteriorizar os seus sentimentos mais animalescos.
Raciocinando bem, o tempo não passa; nós é que passamos por ele. O que vemos hoje como novidade, já foi no passado, como disse sabiamente o autor do livro de Eclesiastes (1:9): “ o que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há de novo debaixo do sol.”
Entra ano e sai ano, mas a caminhada implacável do tempo sempre é a mesma. O que notamos exteriormente em nós de mudança, são apenas as marcas visíveis e indeléveis que o tempo vai deixando em nossos corpos, à medida que passamos por ele. Em todo o tempo as virtudes, as vicissitudes e aflições são as nossas companheiras indissociáveis. Se nos despirmos dos trajes das representações no grande teatro da nossa vida de relacionamentos, e mergulharmos em nós mesmos, é que poderemos perceber os instintos mais rudes que estão escondidos lá no mais profundo do nosso ser, nesse tenebroso e escuro oceano chamado pelo pai da psicanálise de “inconsciente”. O apóstolo Paulo num dos seus profundos mergulhos em si mesmo, reconheceu que nele não habitava bem algum (Rom. 7:18). Para logo depois exclamar: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”(Rom. 7:24)
O homem criou fórmulas para encaixotar o tempo em calendários astronômicos e lunares. E numa tentativa de dar forma a mudança dos dias iguais, englobou o girar constante do tempo em semanas, meses, anos, décadas, séculos e milênios. Quis transubstanciar o vazio do nada, lhe dando “carne e ossos” para chamá-lo de “tempo”.
O nosso calendário não marca o tempo. Ele marca sim, os acontecimentos cíclicos, repetitivos de nossa vida de relacionamento, sob o rótulo de “história da humanidade”. Marca os fatos agradáveis e prazerosos. Marca também os fatos violentos, as guerras e conflitos que, na verdade, nada mais são do que as conseqüências nefastas das pulsões destrutivas que habitam as profundezas da natureza humana.
Muito embora saibamos que o tempo não passa, amanhã estaremos trocando de calendário. Não tendo o poder de interferir na rotação da terra, continuaremos embalados no carrossel do tempo, o qual nos fará circular pelos mesmos lugares, ouvindo os mesmos discursos e cantilenas, vendo as mesmas paisagens, o mesmo ceu e as mesmas cores.
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 31 de Dezembro de 2008