05 maio 2010

RELIGIÃO ─ AMBIVALÊNCIA E NOSTALGIA



Disse a “religião” a sua arquiinimiga Filosofia: “Tu és o derradeiro poder dos impotentes”.

O princípio de qualquer religião pode ser resumido nessa frase: “Deus está no céu, e tudo está errado no mundo”. Ela decretou uma lei obrigatória a de restaurar a harmonia que um dia existiu no próprio homem, quando ele era só céu e não tinha consciência, quando ele era uma extensão da sua bondosa mãe.


Então, o homem foi expulso do jardim da inocência, nascendo para o desgosto que se põe sempre a sua frente. Lá dentro do peito sente o eterno desejo de retornar a sua onipotência fetal, e, a ânsia por esse poder o deixa dependente de uma luta inglória, na esperança de um dia restaurar a noite dos desejos roubados pelos deuses.


O Olho soberano da religião passa a perseguir esse homem por montanhas vales e prados. Suas manhãs de felicidades quando adulava as pradarias verdes e os riachos de águas cristalinas, são transformadas, agora, em manhã feias, sem a magia do existir por existir, compelindo-o a ser perfeito quando não existe razão nenhuma para se supor que algum dia acontecerá tal fato. Ele não tem outra solução a não ser caminhar, mais duvidando que acreditando, espera que o desgosto posto a sua frente dê lugar ao regozijo que ficou para trás.


A religião o anima: “é questão de tempo camarada!” ele escuta dentro de si. É na faculdade do mundo que ele inicia seu aprendizado, caindo aqui e acolá, aos trancos e barrancos. Para enfrentar acontecimentos desagradáveis, mortes, fracassos e desgraças ele se mune de um mundo imaginário denominado por ele de “Minha Realidade”. No átrio de entrada desse mundo ele lê, está lá escrito: “Às pessoas que desejam a imortalidade como compensação pelas injustiças do existir”. Mas esse homem que formou família e criou a sociedade traduz agora o letreiro em sua própria realidade existencial. Diz ele em sua imaginação: “Depois da morte encontrarei aqueles que de fato me amaram”. Sente uma ligeira satisfação com esse último desejo.


A sua caminhada é sempre para frente. Caminhar, ou olhar para trás lhe é impossível, pois se transformaria em um nada, em uma estátua de sal. Assim caminha, sabendo que tudo aquilo que lhe parece maligno, que lhe parece pecado, um dia terminará.


A Providência benevolente diz lá no fundo de sua alma que ele tem que se exaurir diuturnamente, pois só os homens bons serão felizes depois da morte. E esse homem se debruça sobre os livros sagrados, catando as experiências perfeitas que aparentemente não têm uma mácula de imperfeição, e, tenta reproduzi-las em seu ser. Dia após dia experimenta o contrário, mas algo lá dentro de si diz, que as decepções não são para se contar a ninguém. Nunca que ele vá dizer que seus dias são vazios, que perfeição existe só nos livros de metafísica.


Depois de uma série de experiências e muitos sofrimentos, esse homem já velho parece não mais acreditar que o ser humano possa levar as suas lembranças, os seus hábitos, os seus amores, os seus filhos e amigos para a outra vida prometida pela “religião”.


Com o tempo esse homem começa a desconfiar da “religião”, quando a virtude social passou a ser excluída da ética cristã. Passa a desconfiar dos seus sacerdotes que até hoje pensam que um adúltero é mais demoníaco do que um político que aceita propina, não atentando para perceber que nesse último caso, os prejuízos são mil vezes maiores.


Esse homem tenta livrar-se das amarras da “religião”, porque conseguiu entender, enfim, que o instinto de rebanho não passa de impulsos de uma submissão doentia e covarde. Entendeu, enfim, que o propósito da “religião” está enraizado na tendência que as crianças têm de se agrupar quando estão com medo, e de procurar uma autoridade que lhe dê sensação de segurança. Entendeu que a principal fonte da “religião” é o medo.


Não foi o Espírito Divino, mas sim a baixa auto-estima que plantou nele a semente do ideal de perfeição. Na pulsão de se assemelhar aos anjos, em sonhos, ele vê Deus lhe aparecendo de vestes brancas e compridas, mas com as feições duras e o olhar grave de seu pai. Em sua confusão onírica ele vê Deus e seu autoritário pai, fundidos em uma só imagem. Partindo do ser de duplo corpo ele ouve as ameaças e reprovações iguais àquelas que seu pai fazia em seus aterrorizantes sermões, depois do jantar: “Não faça, não diga, não questione, não desobedeça, não ouse pensar nada além de mim.”


Os dois pais reunidos em um, aparentemente, eliminavam a tensão indefinível reinante no coração desse homem, transformando-o numa criatura avessa, fruto do colonialismo do céu na terra


Foi na sua infância, que a ambivalência e a contradição, começaram a fazer parte intrínseca de sua relação conturbada com o pai. Às vezes encontrava abrigo na relação com ele, outras vezes sentia o peso de sua hostilidade como um abismo a lhe querer tragar.


Agora adulto, sente seu ego ainda a viver num permanente estado de dependência. A autoridade religiosa, substitutiva de seu genitor, exerce sobre ele a mesma pressão, e tal como na infância fica apreensivo em por em risco o amor de seu senhor supremo. É a espera da recompensa que o faz assumir os tormentos de uma renúncia mediada pelo medo. Vivendo entre a fé e a dúvida, esse homem nem mergulha no abismo de si mesmo, nem se abriga no seio de sua religião, pois, teme que ela considere mortíferos ou pecaminosos os instintos selvagens entranhados em sua alma.


Ele diz que o mundo imaginário já faz parte de si, por precisar dele para viver. Então, se veste com uma roupa que não é sua, e, seguindo um roteiro já traçado, ensaia com tremor um ritual de dança para aplacar a ira do seu deus.


Na solidão do seu quarto, a religião veiculada pela nostalgia do pai, às vezes, o faz cantar uma velha canção, sem saber que o seu canto era uma forma de se dirigir a Deus uma prece.


Ouça agora, caro leitor, a nostálgica canção desse homem:



13 comentários:

Esdras Gregório disse...

Levi a cada cinco dias antes de eu abrir meus e-mails ou ler alguma coisa na internet eu posto meu texto. Portanto eu não tinha lido o seu Artigo antes de escolher minha postagem: “Império do medo”.

Digo isso, pois dizemos as mesmas coisas de forma diferente, foi incrível quando eu li o seu escrito, parecia que nós combinamos o assunto.

Antes de eu votar outro dia para continuar o dialogo, quero apenas falar sobre estea frase: “Vivendo entre a fé e a dúvida, esse homem nem mergulha no abismo de si mesmo, nem se abriga no seio de sua religião, pois, teme que ela considere mortíferos ou pecaminosos os instintos selvagens entranhados em sua alma.”

Toda alma religiosa tem a sua duvida e apesar de ele não conseguir viver plenamente as coisas que acredita ele crê num: “si for verdade”

Pois é este “si for verdade” que prende um homem racional aos costumes ridículos e doutrinas mitológicas. Porque se for verdade mesmo ele acredita que ele estando no caminho, mesmo que sujo de poeira ele ira entrar na porta da salvação.

Portanto o medo de ser verdade o céu e o inferno, e não a certeza é que faz um homem ser escravo da religião, não sendo um ser autêntico onde as suas convicções correspondem a suas experiências de vida.

Levi B. Santos disse...

Gresder, meu "alter-ego"

Estávamos debatendo sobre "intercessão" lá na Sala do Eduardo, e surge essa grande coincidência nos nossos textos(realçado ainda mais pela música que postei). Será que isso foi obra do acaso?

Uma coisa eu sei, na linguagem mítica vétero-testamentária, o que aconteceu conosco seria escrito dessa forma, nas escrituras sagradas:

"E o Esdras foi transportado em espírito de Campinas para a Paraiba, de maneira que os de Campinas viram o "milagre" do seu aparecimento no mesmo instante em que os paraibanos o viam".
Muitos ficaram admirados e se prostraram de joelhos, pois, em suas mentes naturais, não podiam entender o que deus ali estava realizando".

O acontecimento (coincidência ou acaso)é narrado de acordo com as épocas. Cada época tem a sua linguagem explicando o mesmo fato.

Na verdade,por nos identificarmos, ultimamente, em muitas ideias, estávamos já amadurecidos para a postagem de um texto "messiânico". (rsrs)

Aí, o herege do Levi, já entra com a sua racionalização, para tirar toda a conotação milagrosa da coincidência textual. (rsrs)

Por favor, chamem o Hubner para explicar esse mistério!!!

Eduardo Medeiros disse...

Levi e GResder, vocês estão vibrando na mesma sintonia...Logo, o universo é movido pelas interações dos pensamentos e mesclam-se numa sincronicidade mística mas profundamente real.

Putz, tô virando mesmo um místico idealista...haaaa

Levi, pobre do personagem do teu magnífico texto como bem observou o seu amigo de vibração.

Quando é que vamos mudar o arquetípico de deus como pai e vamos por no lugar o arquetípico suave e feminino da mãe?

Ao invés da autoridade paterna, do paradoxo de sentir-se protegido e ao mesmo tempo devedor de uma vida impecável diante do pai, ao invés da busca neurótica da aprovação do pai...

O útero quente e gostoso da mãe que protege com seu corpo, o peito onde podemos nos fortalecer sem dar nada em troca, o olhar carinhoso e a mão protetora quando o pai reinvidica sua autoridade em castigar...

Cairíamos numa religião complexo de Édipo? Melhor do que a religião que tenta em vão agradar ao pai...

Tô delirando, mestre...heeee

Levi B. Santos disse...

Caro Eduardo

Já que você falou na figura feminina acolhedora da mãe, em contraste com a rigidez da autoridade paterna, gostaria de lembrar que no cristianismo há uma figura feminina na Trindade, que simbolicamente é representada por uma pomba.

Na arte cristã, a imagem da "pomba" é gradativamente substituída pela imagem da mulher pura e casta, exemplificada pela "Virgem Maria - mãe de Deus", antítese da pecadora Eva.

Será que também estou a delirar? (rsrsrs)

Anônimo disse...

Levi, uma história triste, mas real. E pior ainda quando nem ao fim da vida se chega a esse conhecimento que você expõe no seu texto.

O Deus é mesmo uma figura masculina, projeção (?) do pai humano. Um Deus mãe seria certamente mais bondoso, mais compreensivo, sempre disposto a acolher o filho em seus braços, por mais "pecador" que este fosse...

Oseias B. Ferreira disse...

No gnosticismo temos uma representatividade feminina, digamos assim. Textos antiquíssimos, como o do "Evangelhode Tomé", por exemplo, exploram o "lado feminino de Deus" e o associam à "terceira pessoa da trindade".

Eduardo Medeiros disse...

Levi, você está certo. O catolicismo resolveu o problema da ausência da afetividade feminina na figura de nossa senhora maria: aparecida, dos navagante, do bom parto, do carmo, etc etc etc Fizeram de Maria a oniprente presença da suavidade de mãe.

Gosto muito das cenas do julgamento no filme Auto da Compadecida. Se não fosse a grande mãe "Montenegro" onde estariam agora joão Grilo e os seus amigos??

Esdras Gregório disse...

Edurdo antes de ler seu comentário e o do Levi eu também pensei exatamente isso e ia pedir para o Levi escrever um post específico sobre como se consolidou Maria como a figura feminina que faltava na divindade.

Portanto eu não preço, mas imploro a você Levi para fazer uma dissertação sobre essa maravilhosa mãe que o catolicismo deu aos pequeninos na fé. Eu pensei em fazer, mas não seria eu a pessoa mais indicada para essa missão.

Guiomar Barba disse...

Não podemos esquecer que Jesus suspirou: "Quantas vezes quis te acolher debaixo das minhas asas, assim como a galinha acolhe seus pintinhos e não o quiseste! ..."

Todo o amor do coração de uma mãe não provém do seu criador? Ele sabe como precisamos também de um Deus cheio de paternidade...

Abrço.

Levi B. Santos disse...

Prezados Oseias, Gresder e Eduardo

Estava pensando, depois do J. Lima, escrever na Confraria um texto sobre a figura feminina no imaginário religioso cristão.

Estava pensando num título assim:

"A Mãe Cheia de Graça do Cristianismo Medieval"

É melhor esperar a minha vez na fila de postagem na C.P.F.G., ou postar no meu próprio blog, imediatamente?

Respondam-me...

Abçs,

Levi B. Santos

Esdras Gregório disse...

Levi se seu texto é digno de uma boa polemica e é motivo de um bom e extenso bate papo, espera que a sua vez já esta chegando na confraria, pois lá se reúne mais almas famintas da “palavra” rsrs

Eduardo Medeiros disse...

Levi, fico com o gresder, posta lá na confraria. O JL também seria perfeito para escrever sobre o tema proposto.

Querida amiga Gui, de fato, Jesus possuía essa alma feminina que acolhe debaixo das asas.

O problema, é que deus não é masculino nem feminino, mas os judeus o viram como masculino, como um severo pai.

Que bom que Jesus nos mostrou o outro lado da divindade...

um beijo

Levi B. Santos disse...

Prezada Guiomar


De fato, essa frase dita por Cristo: "...Como uma galinha junta os pintinhos seus debaixo das asas", traduzindo psicanaliticamente,nada mais é do que a expressão do arquétipo matriarcal presente em Seu inconsciente.

Que o próximo texto que irei postar lá na Confraria, nos estimule a explorar com profundidade esse emblemático tema, inerente a nossa própria formação psíquica e religiosa.

Aguardemos...

Abraços,

Levi B. Santos