Nas nações supostamente democráticas, muito se tem debatido sobre ética na política. Aqui nas terras de D. João VI a vivência demonstra com tons fortes que os conselhos de ética em política ao invés de lutarem pela transparência de suas ações, caminham mais no sentido de abafar os delitos cometidos por seus próprios membros.
Mas será que existe mesmo um abismo intransponível entre a política e a ética?
O cientista político, Noberto Bobbio (falecido em 2004) foi de longe quem mais se aprofundou no estudo nas relações da moral com a política. Ele diz no seu livro “Elogio da Serenidade” (página 50) que, “o problema das relações entre ética e política é mais grave porque a experiência histórica mostrou, que o político pode se comportar de modo diferente da moral comum, que um ato ilícito em moral pode ser considerado e apreciado como lícito em política, em suma, que a política obedece a um código de regras ou sistema normativo que não se coaduna, e em parte é incompatível com o código de regras ou sistema normativo de conduta moral”.
Mais adiante (na página 90) o cientista político italiano, afirma: “Não há esfera política sem conflitos. Ninguém pode esperar levar a melhor num conflito sem recorrer à arte do fingimento, do engano, do mascaramento das próprias intenções. A “finta”, o “mentir” fazem parte da suprema estratégia para enganar o adversário. Não há política sem o uso do segredo. O segredo não só tolera como exige a mentira. Ficar preso ao segredo significa ter o dever de não revelá-lo, o dever de não revelá-lo implica o dever de mentir”.
Segundo Bobbio, a tradicional máxima Salus Rei Publicae Suprema Lex – a ‘Salvação do Estado é a Lei suprema’, se explica dessa maneira: “A separação entre a moral política nasce do fato de que a conduta política é guiada pela máxima de que ‘os fins justificam os meios’. Nesse caso, o bem público, o bem comum ou coletivo é tão superior ao bem do indivíduo, que acaba por justificar a violação das regras morais fundamentais que valem para os indivíduos”.
Há quem traduza o episódio da tentação de Cristo, relatada nos evangelhos, como uma metáfora que mostra claramente uma faceta intrínseca ou inseparável dos fundamentos da política. No mito cristão, há um messias que em uma de suas crises existenciais (tentação) chega a desejar, talvez num nível inconsciente, o poder político. O “Tudo isso será meu, se eu aceitar o código do “toma lá dá cá” – deve ter passado por Sua imaginação. E o “posso, mas não devo” – pilar básico e central da ética, deve ter rechaçado a sua vontade de, quem sabe, tornar-se chefe de uma facção política de um sofrido proletariado urbano, que em Jerusalém proporcionara-Lhe uma entrada triunfal digna de um grande revolucionário, que enfim, iria livrar os oprimidos do jugo romano.
Os evangelhos dão a entender que Cristo já percebia a inconciliabilidade entre a ética e a política do seu tempo. Recusou enveredar pelos meandros do poder político que ele denominava “O Reino desse Mundo”. Trezentos anos depois de sua morte, o imperador Constantino numa atitude totalmente diversa, e destruindo tudo que o Mestre plantara em seus ensinamentos, selou um pacto político com a igreja, acordo esse, que dura até os dias de hoje. Ora, o que a maioria dos negociadores “cristãos” sempre desejou inconscientemente, foi sentar à mesa do rei. Mas para isso, a ética que é incompatível com a política teve que ser jogada às favas.
Constantino, um exemplo de cristão político “nota dez” do nosso tempo, mudou as diretrizes de Cristo, reforçou de forma inteligente o seu poder, tanto é, que atenuou a crise do Estado com a colaboração da “santa igreja”, realizando àquilo que Cristo não conseguira: premiar os apóstolos ainda nessa frágil vida terrena, alçando-os aos mais altos cargos do império (consulados, prefeitura de Roma, Prefeitura do Pretório).
Pablo Henrique de Jesus, em sua tese de mestrado que versou sobre “A Cisão Entre Ética e Política na Filosofia de Hannah Arendt” , assim escreveu:
“A política, e considerando junto com ela todas as referências conceituais que lhe competem, é um fenômeno estritamente mundano, ao passo que a ética pode-se dizer, considerada estritamente na relação de seus princípios fundamentais, é um evento que de toda sorte compete exclusivamente à vida interna da consciência. [...] É aí que se situa, pode-se dizer, o motivo principal da cisão entre a vida ética e a vida política do ser humano”.
Maquiavel, na sua maior obra, “O Príncipe”, já dava a entender que, “o objetivo principal de um político, não é apenas conquistar o poder político do Estado, mas se manter lá, a qualquer custo, não importa o que ele tenha que fazer para se manter lá no poder”.
E o leitor e eleitor amigo o que me diz?
Por Levi B. Santos
Guarabira, 30 de julho de 2011
7 comentários:
levi, diante de tão fortes argumentos de tão privilegiadas cabeças, o que dizer a não ser concordar? parece que o poder político(assim como o religioso)possui um poder extraordinário em corromper caráteres até então ilibados.
jesus, ao rejeitar o poder político já estava se precavendo da corrupção?
se eu, eduardo, e você, levi, estivéssemos lá, no meio das entranhas do poder em brasília, conseguiríamos nos manter éticos?
levi, mudando de assunto...
eu convidei a elídia para fazer parte da confraria e ela aceitou. não sei se você a conhece. estamos precisando de uma cabeça feminina por lá não acha? rs
Edu
Prefiro ser tentado no deserto do que lá em Brasília. (rsrs)
Salomão, apesar de político e poderoso (talvez decepcionado) nos deixou esse grande antídoto para quem quiser se precaver da picada da “mosca azul”:
“não me dês nem a pobreza nem a riqueza: dá-me só o pão que me é necessário”
(Provérbios 30: 7-9)
EDU
Quanto a aceitação de Elídia na Confraria, tens o meu voto favorável.
Tenho a impressão que o Rodrigo, Altamirando, Gabriel, Herrera, Edson e Márcio,(que são os que estão em atividade) não se oporão.
Prezado Levi,
Acho que o Pablo Henrique de Jesus de certa maneira alimenta esta dicotomia entre ética e política.
Concordo com ele quando diz ser a ética "um evento que de toda sorte compete exclusivamente à vida interna da consciência". Porém, o que seria o "mundano"? Será que na construção da realidade e nas relações estabelecidas entre os seres humanos a ética vai sempre estar ausente?
Não vejo desta forma e penso ser possível conciliar a ética com a política e com tudo o que fazemos.
A análise do Bobbio é ótima! E eu acrescentaria que, no meio político (assim como nos demais meios corporativos), somos capazes de estabelecer um código próprio. E aí a moral política vai acabar se diferenciando da moral do cidadão comum de modo que é mais ofensivo entre os políticos profissionais negar a nomeação de um cargo para um colaborador de campanha, por mais incompetente que o cara seja, do que descumprir as promessas feitas ao povo durante o discurso dirigido às massas. Aliás, saber manipular o eleitor é entendido como um ato de maestria entre os políticos. Uma expressão da inteligência.
Contudo, percebo que o comportamento anti-ético dos políticos deve-se ao fato de que, no Brasil (e também naquelas "nações supostamente democráticas") o poder ainda pertence a uma minoria. Sejam as minorias econômicas ou políticas. Logo, o que vai necessariamente acontecer é que os tais políticos precisarão manter em segredo aquilo que fazem, escondendo que estão governando para as elites e não para a população.
Evidentemente que, se o sistema mudar, e o cidadão reivindicar e assumir a sua responsabilidade pela gestão da coisa pública, veremos um novo comportamento na política. Aí o cidadão estará praticando política diretamente e precisará ser mais transparente . É o que defendo a princípio para as cidades do nosso país, conforme o debate suscitado em julho no blogue da Confraria dos Pensadores Fora da Gaiola acerca das Câmaras Municipais.
Ainda assim, não me iludo achando que numa democracia ampliada, ou mesmo na democracia direta, haveria perfeição. Pois em tal caso o que veríamos seria um controle da maioria sobre a coisa pública, sendo que, dentro da maioria, pessoas com interesses afins iriam se agrupar e criar manobras de todos os tipos. E este conflito eu considero natural e fundamental para a evolução da consciência humana. Até compreendermos que não seremos plenamente felizes explorando o outro.
Ah! Sobre Cristo e a política, considero muito boa a análise feita no texto. E de fato o Senhor Jesus soube se manter íntegro diante da tentação ministerial de ganhar o mundo adequando-se aos governos dos reis.
Já em relação a Constantino, compreeendi o que colocou. Mas apenas gostaria de compartilhar minha visão neste caso. É que pra mim, a suposta conversão parece ter sido uma manobra anteriormente planejada em que o cristianismo naquela época nada mais era do que a expressão das elites gregas afim de que o poder político do Império Romano fosse dividido. Tanto é que Constantino tranferiu a capital para Bizâncio, na Península Anatólia, cidade que, em sua homenagem, passou a se chamar Constantinopla (hoje é Istambul). Portanto, Constantino foi a expressão das elites gregas anatolianas. Não um imperador que procurou consolidar a força do Império aliando-se aos cristãos (em Roma e na parte ocidental do Império os cristãos ainda eram minoria).
Bem, isto muda bastante a visão que temos dos cristãos antes de Constantino e também da ideia de que a Igreja jamais deveria ter participado do poder político. Pois, na verdade, o erro foi a maneira como a Igreja se prestou para participar da política, prostando-se e adorando aquilo que se opõe à ética (lembrando aqui das palavras do diabo a Jesus: "tudo isto te darei se prostado me adorares").
Como profilaxia, eu proponho que os autênticos seguidores de Jesus passem a se interessar cada vez mais pela política e que busquem influenciar a sociedade com os valores do Reino. Aliás, a própria palavra igreja (gr. ekklesia) foi tomada de empréstimo de um vocábulo político pelos escritores do 1º Evangelho ao tentarem transmitir aos destinatários da mensagem a proposta de Jesus (Mt 16.18-19). E o objetivo seria a formação de assembléias que discutiriam justamente os valores do Reino dentro da sociedade, de modo que, se érmanecessem na ética, as "portas do inferno" não poderiam prevalecer.
Infelizmente, não é o que tem acontecido na maioria dessas "igrejas" que se vê por aí, onde muitas tornaram-se o "trono de Satanás", lembrando aqui da crítica feita à igreja em Pérgamo do Apocalipse.
Ora, no fundo as igrejas sempre serão organizações políticas, mesmo que queiram tratar só do "espiritual". Então, cabe a discussão sobre que tipo de atuação política as igrejas devem ter.
Abraços.
"parece que o poder político(assim como o religioso)possui um poder extraordinário em corromper caráteres até então ilibados" (Eduardo)
Entendo que não seria o poder político e religioso que corrompe, mas sim o mal que reside na concupiscência humana. E isto tem a ver com o despreparo evolutivo da consciência. Um problema que todos nós temos e que precisamos superar através do cuidado com as coisas pequenas ("seja fiel no pouco que sobre o muito te colocarei").
"jesus, ao rejeitar o poder político já estava se precavendo da corrupção?"
Aí que tá, Edu! Jesus não rejeitou ao poder político. Ele se recusou-se a trilhar o caminho largo da corrupção e não negociou o propósito do seu ministério.
"se eu, eduardo, e você, levi, estivéssemos lá, no meio das entranhas do poder em brasília, conseguiríamos nos manter éticos?"
Antes de responder eu indagaria sobre quem consegue se manter ético numa vida simples?
Mas se aprendermos a dirigir um fusquinha, quem sabe algum dia não poderemos conduzir uma carreta?
Acho que é preciso tentar ser ético em Brasília também. Mas aí eu sugiro que antes façamos o exercício de irmos ao "deserto" para que a nossa consciência seja confrontada. Aí, conhecendo-nos melhor, poderemos saber até onde será possível suportar uma tentação real e comprometedora.
Felizmente Jesus se saiu bem, conforme os Evangelhos. Ele recusou as bajulações dos homens, disse cosia que desagradava gente importante, não entrou no jogo da elite religiosa da época, nem no de Pilatos ou de Herodes. Também, em relação às massas, Jesus não fzia tudo o que o povo queria. Não consentiu que fizessem dele um rei pelos métodos que contrariavam o seu propósito ministerial, disse palavras duras aos que tinham crido nele e perdeu até discípulos por isto.
Realmente é preferível ser tentado no "deserto" do que em Brasília. Mas a tentação no deserto tem todo um motivo que é a capacitação do homem para agir na esfera real.
Contam os evangelhos sinóticos, que após o batismo de Jesus, foi o Espírito quem o levou ao deserto para ser tentado pelo diabo. E, com isto, conclui-se que o confronto idealizado das nossas consciências com os valores dispersores e contrários ao Reino acaba tornando-se algo benéfico.
Abraços.
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