05 agosto 2011

O Velho Violão

O blog “Ensaios & Prosas” está completando neste mês de agosto 5 anos de atividade. Para rememorar o tempo em que me iniciava na arte de blogar, decidi republicar uma das primeiras crônicas que postei (agosto de 2006).
Trata-se da narrativa do triste destino que, sem a minha autorização, deram a um velho violão de braço e bojo quebrados - velho amigo e confidente de minhas antigas farras, que por um triz não foi parar no caminhão do lixo. Por sinal, ele ainda se encontra bem guardado no canto de um quartinho no fundo do quintal de minha casa.


O VELHO VIOLÃO


Ao chegar à minha casa, vindo do trabalho, surpreendi-me ao te encontrar, meu antigo companheiro de grandes aventuras, combalido, de braço quebrado e cordas enferrujadas em desalinho, com o teu bojo a despregar lascas de madeira, ainda de pé, encostado a uma pilastra do grande portão da garagem, esperando o Caminhão do lixo que te levaria a um triste destino.

Entre os objetos lá do quartinho, no fundo do quintal, foste o único sentenciado e condenado a ser enviado para o “Lixão”. Certamente julgado por alguém, que te considerou um estorvo entre as relíquias acumuladas ao teu redor, as quais foram consideradas de mais valia.

Quem sabe, se antes de chegares a tua ingrata morada, outras mãos te pegariam, te apalpariam, e após uma complicada reforma, voltarias a alegrar ambientes de um outro dono. Uma coisa eu sei: a tua história por estes trinta e dois anos em que viveste ao meu lado, o teu novo patrão jamais saberia.

Nos desvãos de minha vida, por todo esse tempo, arranquei de ti muitas canções alegres, e algumas tristes. Tal qual uma esposa me acompanhaste na tristeza e na alegria. O teu som se fazia ouvir entre aplausos. Eras cobiçado pela tua postura e beleza. Os que te ouviam admirados, diziam ao te ver de pertinho: É um majestoso instrumento, um “Di Giórgio”. A tua superfície brilhava e refletia tudo ao teu redor, como se fosse um espelho. Tinha um cuidado especial para não seres arranhado em tua tez macia.

Não...! Não posso te dar tão infame destino! Por duas vezes colei as tuas partes quebradas e voltaste a alegrar a minha casa, pelas mãos dos meus três filhos, que cresceram na arte da música, dedilhando as tuas cordas.

Viajaste por tantos recantos do meu Estado, que eu perdi a conta. Em clubes, igrejas, praias e residências de amigos. Em festas de aniversários e outras comemorações, desde os idos de 1974, quando iniciava a minha vida de médico. Lembro-me ainda, no silêncio das minhas noites de insônia, quando a tua voz ficava mais pungente e suave, e, como um bálsamo, fazia-me flutuar em devaneios de um tempo que não volta mais.

O menor tributo que eu poderia te prestar, o fiz imediatamente, ordenando:

Recolham o que resta deste violão ao quartinho! Algum dia haverá conserto para ele.

Dei-te as costas, e saí, na esperança de que futuramente pudesse extrair de tuas cordas sons dolentes. Sons que me acalmavam o espírito nas noites enluaradas e frias de outono, que me inspiravam a tocar as velhas e nostálgicas canções, que nos meus quinze anos, ouvia ao lado de meu pai em sua vitrola antiga, de discos de setenta e oito rotações.


Crônica por Levi B. Santos.

Guarabira, 17 de julho de 2006

“Nossa memória é um mundo mais perfeito que o universo: ela devolve a vida àquilo que não existe mais” (Guy de Maupassant)


3 comentários:

Eduardo Medeiros disse...

levi, parabéns pela marca alcançada de 5 anos de boas prosas e reflexões. emocionante o teu relato de amor ao teu velho violão. um amigo assim não merecia de fato, tal destino cruel. fizeste bem em salvá-lo e mantê-lo por perto.

sei bem o apego que músicos têm por seus instrumentos. eu que não sou músico, mas me atrevo a dedilhar também um violão desde os meus 16 anos, posso entender bem seus sentimentos.

depois de longos 8 anos sem ter violão em casa, comprei um novinho mês passado. preciso tirar a ferrugem dos dedos. faço questão de passar uma cultura musical sólida para o eduardinho (pelo menos a cultura musical que eu tenho que não é lá grande coisa mas dá pro gasto).

que ele aprenda a tocar um violão, um teclado ou outro instrumento. que ele conheça alguns dos grandes cantores e compositores esquecidos desde país e que tenha um ouvido capaz de se deleitar com boa música.

e que ele jamais chame de boa música, essas coisas que se houve hoje em dia.

Nel Santos disse...

Olá Leví, Parabéns pela publicação. Momento esse inesquecível, Seu companheiro de muitas datas e historia "O Velho Violão". Quantas recordações, não amigo?... Vale apena externar mais uma vez aquele sentimento que você trouxe ao longo dos anos. Uma recordação, uma nostalgia envolvente. Confesso que me emocionei em Lê a sua crônica!... Parabéns amigo! Não despreze o seu Violão.
Abraços;
Nel Santos.

Nel Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.