Tudo começou com a frase pronunciada pelo vice-presidente da República, Michel Temer, de que havia ficado chocado com as algemas colocadas em um ex-deputado do seu partido, na ocasião em que foi preso pela Polícia Federal. Um nobre foi algemado junto com mais 36 pessoas lotadas no Ministério do Turismo, pelo crime de desvios de cerca de 30 milhões de reais, segundo reportagem da revista Veja, sob o título: “Turismo na Lama” (edição 2230).
Mas olhando bem, o nobre vice-presidente nada fez de temerário. Ele simplesmente agiu em consonância com a nossa herança cultural. Para ver se tenho ou não razão, recordemos um pouco de nossa colonização em um trecho retirado do artigo − “O STF e o Símbolo das Algemas” — originalmente publicado pelo editor do blog “Ensaios & Prosas” —, no dia 23 de agosto de 2008:
“Qualquer estudante do primeiro grau ao ler ou ouvir a palavra ‘algema’, irá associar esse instrumento repressor ao tempo da escravidão, onde os pesados grilhões de ferro que limitavam a liberdade do indivíduo eram destinados aos escravos e não aos seus senhores. As algemas combinavam perfeitamente com os pulsos musculosos e nus dos escravos, e não com os antebraços cobertos pela indumentária de puro linho branco reservada aos barões”.
“As algemas colocadas em um “joão-ninguém” não gritam e nem criam tanta celeuma quanto os grilhões atados às mãos de um nobre parceiro da República. Pelo contrário, a insensibilidade ao se algemar um desvalido, por fazer parte intrínseca de nossa triste história, já não suscita nas autoridades as mesmas reações de constrangimento”.
O exemplo de Pero Vaz de Caminha, é uma prova inequívoca de que o procedimento de lotear e pilhar as riquezas da nação brasileira vem de muito longe. José Júlio Senna, em seu sensacional livro – “Os Parceiros do Rei” − Editora Topbooks (página 170), conta que o “primeiro cronista” da descoberta do “Gigante adormecido em berço esplêndido” (Brasil), no trecho final de sua carta à D. Manuel (rei de Portugal) relatando o novo mundo descoberto, não se esqueceu de, secretamente, pedir uma graça especial: enviar de Portugal o seu genro, Jorge de Osório, para se locupletar nas terras ricas e belas de Santa Cruz.
Não importa que estejam em época de bonança ou em tempos de crise, os senhores da nossa república sempre foram pródigos em distribuir benesses a custa do tesouro público. Laurentino Gomes, em seu best seller, 1808 (página 189) faz uma referência de como nos tempos de João VI se executavam os ataques aos cofres do império: “O historiador Luiz Felipe Alencastro conta que, além da família real, 276 fidalgos e dignatários régios recebiam verba anual de custeio e representação paga em moedas de ouro e prata retiradas do tesouro real do Rio de Janeiro. Acrescenta ainda, o autor, que mais de 2.000 funcionários reais exerciam funções relacionadas à Coroa. Um dos padres, recebia o equivalente hoje a 14.000 reais só para confessar a rainha. Em 1808, enquanto a sede do governo dos Estados Unidos em Washington tinha 1.000 funcionários, a comitiva de D. João VI tinha 15.000 portugueses, ou seja, a corte portuguesa no Brasil era 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana. Fique claro que, para fugir da censura, o primeiro jornal brasileiro, o Correio Brasiliense, junto a seu editor, foi despachado para a Inglaterra para não incomodar o príncipe regente, João VI.
Mas já se fala hoje, no meio republicano, em medidas para controlar o ímpeto da imprensa. Que essa mordaça nunca venha a ser empreendida, pois, se assim acontecesse ficaríamos sem um meio de expor a nossa indignação, e, cartas como essa abaixo, publicada pelo jornal “O GLOBO” (1° caderno – pág. 08) – de 12 de agosto, sobre os "Parceiros do Rei" instalados no Ministério do Turismo reagindo a atuação da Polícia Federal, jamais chegariam ao conhecimento do país de ponta a ponta:
“Milhões de reais são desviados dos cofres públicos, num escândalo que envolve vários altos funcionários do governo, e o que se discute é se a Polícia Federal abusou no uso de algemas! Que falta de vergonha na cara.” (Roberto Schweitzer – Florianópolis, SC)
Por Levi B. Santos
Guarabira, 16 de agosto de 2011
Imagem: cloviscunha.blogspot.com
10 comentários:
Prezado Levi,
Boa discussão é esta, não!?
Como sabe, sou advogado e posso desde já compartilhar o quanto sou contrário ao uso de algemas, exceto se a pessoa que tem sua liberdade cerceada for de uma periculosidade capaz de agredir fisicamente, matar, tentar fugir ou pegar numa arma. Assim, sendo, acho que procedimentos deste tipo devem ser uma exceção, não regra.
Por outro lado, acho que o fato de alguém estar sendo preso, não é motivo para que o indivíduo seja humilhado a ponto de ficar algemado como um animal.
Certamente que são dois casos distintos. Um é o desvio do dinheiro público (coisa que só podemos combater quando se descobre o rombo de um político ou funcionário) e outra coisa é o uso indiscriminado de algemas pela Polícia.
Meu desejo é que, no futuro, tenhamos penas mais leves e mais adequadas para a ressocialização das pessoas (algume não é pena). Daí penso que tanto os procedimentos como as penalidades aplicadas precisam ser revistos.
Assim, quem sabe uma ocasião dessas, onde possa haver interesse próprios dos homens que fazem as leis, não poderemos discutir e negociar uma outra questão que é a restrição do uso das algemas?
Abração!
Corrigindo!
A frase que escrevi entre parêntesis é: algema não é pena.
Outra questão que seria interessante colocar é se as penas restritivas de liberdade de locomoção, como as prisões, podem mesmo ser eficazes cotnra os crimes do colarinho branco? Ou será que elas não funcionam mais para que o pobre, envolvido com outros crimes, sinta-se de alguma maneira vingado só porque vê um político indo algemado num camburão?
Entendo que é muito pior para um político sofrer com a perda dos bens, ter seu nome inscrito no SPC/SERASA e ainda ficar inelegível. A prisão não tem a mínima eficácia nestes casos e acaba contribuindo para aumentar a corrupção carcerária onde o sujeito preso acaba pagando para ter privilêgios na cadeia.
Rodrigo
Este país é uma verdadeira piada de mau gosto.
Enquanto milhões de brasileiros passam fome, morando debaixo de viadutos, dividindo espaços com baratas e roedores, sendo atendidos em chiqueiros com rótulos de hospitais, as autoridades de Brasília estão filosofando em reuniões intermináveis sobre o uso de algemas naqueles que abertamente riem de nossa cara, assaltando os cofres públicos em plena luz do dia, deixando transparecer que querem mais é o acobertamento dos crimes de apropriação indébita dos recursos do tesouro, ao deixar em segundo plano os atos criminosos dos seus pares, atos já banalizados por eles mesmos, como coisa corriqueira.
Aos heróicos defensores da coisa pública (a Polícia Federal e os do ministério público) eles ameaçam com transferências e outras punições, como essa de não fazer a correção salarial dos policiais nos últimos dois anos.
E eles ainda têm a ousadia de dizer a frente de nossa cara:
“Que indignação! Que falta de respeito! Já não se pode roubar com dignidade, que a imprensa começa a nos perseguir como se fôssemos traficantes de favelas que são de forma justa algemados!".
Definitivamente, os brasileiros sérios não merecem essa gentalha que habita os porões enlameados do Congresso Nacional.
Levi,
Compreendo a sua indignação e concordo que eles só estão preocupados mesmo com a questão das algemas porque a humilhação tem afetado os seus pares (ou comparsas). Pois, do contrário, talvez nem estariam se importando com o fato dos pobres estarem sendo tratados pela polícia como animais (e não fundo não estão se importando).
Porém, se tais homens, legislando em causa própria, conseguirem restringir o uso das algemas, será bem positrivo no meu ponto de vista.
Claro que eu não me conforme apenas com uma mini-reforma no sistema dentro deste nível. Quero mais é ver uma REVOLUÇÃO ÉTICA-CIDADÃ acontecendo neste país. Quero que o povo brasileiro deixe de colocar no poder estes bandidos! Quero que haja uma distribuição mais justa da riqueza nacional! Quero que o meio ambiente comece a ser de fato respeitado!
Contudo, enquanto falta um ambiente propício para promovermos mudanças mais profundas, prefiro agir com estratégia e buscar oportunidades para que a sociedade brasileira possa se tornar mais humanizada.
Abraços.
Hum! Já vi que sou má mesmo Rodrigão. Por mim não só a algema, mas também uma estampa bem grande dizendo: EU sou ladrão dos cofres público.
Se temos uma cultura hoje de corrupção, somos nós os acomodados brasileiros os mais culpados e poque não dizer que esta corja é exatamente o extrato da sociedade?
Meu amigo, acho que preciso de entender como advogado. Será?
Olá, Guiomar,
Tempos atrás, um juiz do Paraná aplicou uma pena alternativa contra uma jovem que havia subtraído coisa alheia. De acordo com a sentença do magistrado, ela tinha que andar com uma placa pela cidade com uma mensagem confessando o crime.
A meu ver, coisas deste tipo não resolvem, não previnem e nem ressocializam o indivíduo. Aliás, só degradam a condição da pessoa, aniquilando com a sua dignidade.
Neste sentido, entendo que, se as algemas não forem necessárias, é melhor não se fazer o uso delas. Pois, pior que tenha sido o delito, entendo que as penas e os procedimentos devem ser proporcionais à conduta ilícita praticada e sempre com uma finalidade terapêutica.
Assim, da mesma maneira que a cadeia não deve ser vista como a pena que irá solucionar certos problemas por privar a liberdade de ir e vir do indivíduo, o mesmo posso dizer em relação ao vexame.
Vale a pena lembrar o tratamento digno dispensado por Jesus em relação à mulher que fora apanhada em adultério (João 8.1-11) e também quanto a Judas em que o nosso Senhor não expôs publicamente o apóstolo que haveria de traí-lo na noite da Ceia. Aliás, como um verdadeiro príncipe, Jesus disse pra Judas que "aquilo que tinha para fazer, que praticasse logo", o que, no entender dos discípulos, parecia ser a distribuição de alguma esmola ou doação aos pobres.
Portanto, é preciso que as penas e os procedimentos policiais respeitem a imagem, a intimidade e a privacidade do indivíduo, além do pouco de honra que lhe resta.
rodrigo, ao citar jesus você está confundindo alhos com bugalhos. o que a mulher adúltera e judas têm haver com a prática criminosa de roubar o seu e o meu dinheiro?
seria cômico se não fosse trágico o temer ficar indignado com as algemas nos seus protegidos.
político que fosse descoberto roubando dinheiro público em falcatruas e esquemas deveriam ficar inelegíveis para sempre, devolver o que roubou ao cofres públicos e irem em cana por no mínimo uns 10 anos.
mas a certeza da impunidade é tão grande que esses caras roubam, renunciam e depois voltam como senadores, deputados...o padrinho do mensalão deve voltar em 2014.
levi, se você disponibilizar uns textos seus com temáticas bíblicas e psicanalíticas para eu postar lá no caminhos da teologia eu ficaria agradecido.
você deve ter muitos textos com esse temática por aqui, não? se você me sugerir alguns, eu levo para lá.
estou na campanha "não deixem meu blog de teologia morrer"
kkkkkkkk
Rodrigão, há uma diferença astronômica, entre esta pobre(talvez),garota que cometeu um furto, e um cabra safado político que é eleito após enganar milhares de eleitores, prometendo mudar a vida de cada um deles.
Você diz:"entendo que as penas e os procedimentos devem ser proporcionais à conduta ilícita praticada e sempre com uma finalidade terapêutica."
Neste caso eu diria: com uma finalidade PUNITIVA BEM PESADA!Tanto quanto o roubo de cada salafrário desses.
Querido, o caso da mulher pecadora está bem distante do que fazem esses canalhas. A esses, Jesus certamente diria: raça de víboras, sepulcro caiados...
Ame, mas justiça seja feita. Beijão.
"político que fosse descoberto roubando dinheiro público em falcatruas e esquemas deveriam ficar inelegíveis para sempre, devolver o que roubou ao cofres públicos e irem em cana por no mínimo uns 10 anos." (Eduardo)
Prezados Eduardo e Guiomar,
Entendo que prisão é uma pena exremamente violenta e arcaica. Algo que só se justifica em casos extremos quando o indivíduo não pode conviver em sociedade e não deveria se prestar para fins punitivos, mas sim preventivos (evitar que um criminoso potencialmente agressivo volte a reincidir na sua prática delituosa).
Assim, por mais que nos revolte, casos de corrupção não deveriam ser apenasdos com prisões, mas com outras medidas que considero ainda mais eficazes tipo a inelegibilidade ou a perda de bens.
Infelizmente, é muito difícil mudar isto na sociedade. Pois, assim como na Idade Média a tortura era banalizada, as pessoas pessoas de hoje simplesmente já vivem acostumadas com a prisão as algemas, de modo que as consideram normais.
Abraços.
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