A casa que me viu de calças curtas
com uma pelota de borracha à tiracolo, caminhando pela rua de barro batido, a
fim de jogar as “peladas” que sempre aconteciam ao entardecer, está vazia. A
sala está vazia de gente e do som, vazia das modinhas que durante todos os dias
ouvia pelo rádio da marca “Pyonner”.
A cadeira-poltrona de balanço toda
em madeira de lei já não mais existe. Nela, balançando-me para lá e para cá,
embalava os meus pensamentos e sonhos de 50 anos atrás, ouvindo os famosos
cartões sonoros que os ouvintes das emissoras de rádio pediam; eram velhas canções
de Núbia Lafayette, Maysa, Altemar Dutra, Anísio Silva, Orlando Dias e Nelson Gonçalves, entre outras.
Mês de maio, mês das mães, lembro-me
bem, os meus ouvidos eram encharcados pela dolente música dedicada às mães, na
voz de Ângela Maria, que falava de um “avental todo sujo de ovo”.
Muitos acontecimentos fantásticos
daquele pedaço de tempo meio esquecido, hoje, afloram à minha cabeça. A casa que aos
domingos se enchia de odores vindo da cozinha onde as inseparáveis Bazinha
e Bia
pilotavam com esmero e carinho, caçarolas cheias de iguarias em um fogão de
quatro bocas, agora, deu lugar ao silêncio. Silêncio tamanho que, da sala onde estava repousando em um sofá, me permitia
ouvir o rumor dos ventos a roçar as folhas de uma velha goiabeira lá no fundo
do quintal.
Visitei
a casa vazia, faz quinze dias. Apesar de estar fechada, sem a presença de sua dona,
senti no ar, ainda o suave perfume de antigamente exalando dos móveis e das toalhas
antigas estendidas sobre a mesa, alinhadas em curvaturas impensáveis de tão
perfeitas, ansiando tocar macias nossos rostos... ―, farrapos de lembranças que
evocam o repasto farto em que eu e a minha faminta família, com apetite incomum devorávamos. Dá água na boca só em pensar nas saborosas galinhas caipiras e nas inigualáveis pamonhas e canjicas de milho verde, em meio a uma condescendente
alegria para com a mãe de todos que ali nos servia.
Nos
domingos que a visitávamos, os colóquios se estendiam até noite alta, quando,
como crianças sapecas em algazarra, éramos postos a correr contrariados da
casa: “Vão todos para suas casas, já é muito tarde. Já se divertiram
muito” ― gritava, Bazinha, cerrando portas e janelas
que rangiam seus queixumes a nos despedir para fora de suas entranhas. No
entanto, com a teima das picardias infantes, demorávamos na calçada da casa, a
expandir as últimas tagarelas e surdas gargalhadas sob lufadas de um vento noturno
mais ameno.
Com
o olhar vago para uma bucólica praça da cidadezinha de nome peculiarmente indígena,
Cuitegi, a velha Bazinha,
aos 86 anos de idade, hoje, mora com a filha. Está agora sob o cuidado dos
filhos, mas longe da casa vazia que não lhe sai da cabeça.
Semanalmente,
filhos, genros e noras a visitam no seu novo ninho. Com a saúde muito abalada,
vive passivamente e meio tristonha olhando o tempo passar pela janela. Já não
podendo mais nos servir como antes o fazia, apenas dirige-nos seu olhar de
desassossego, o qual vem sempre acompanhado da já gasta frase: “É, eu
acho que vim cedo demais”.
Quem,
como eu, viveu sua meninice e juventude na casa n° 1242 da rua João Pessoa – Alagoa Grande, não pode
deixar de sentir um frio nas vértebras, quando adentra a casa que um dia foi
tão cheia de alegria e de histórias, e hoje, se encontra como um patrimônio
desolado, sem seus antigos inquilinos.
Amanhã é o primeiro domingo, dia das
mães, em que na casa vazia de emoções não haverá regozijo nem vozes apaixonadas
a dialogar e a contar suas peripécias; não se terá aquele clima de inflamadas
discussões familiares.
O tempo passa e, com sua cortina de espessa fumaça, dissipa tudo,
menos o sentimento nostálgico que, em
momentos como estes, á maneira de um forte vendaval, desarma-nos, fazendo
investir em nosso peito toda sua força descomunal.
Feliz
dia das Mães
Por Levi B. Santos
Guarabira, 12 de maio de 2012
FOTO: O Editor do blog com a esposa, a Nora, e a Mãe (Bazinha) com a primeira bisneta nos braços
FOTO: O Editor do blog com a esposa, a Nora, e a Mãe (Bazinha) com a primeira bisneta nos braços
10 comentários:
Você quase me fez chorar. De toda saudade que fica, a maior saudade é da D. Bazinha (nome pelo qual mami me chamava carinhosamente. Ela sim, guarda no oceano do coração cada pedacinho da vida e desfia dia a dia estas lembranças, com a certeza que não verá se repetir nem mesmo na vida dos seus rebentos, alguns fios. Esta foi a história que é bem dela.
Desfrute-a, até que a natureza baixe a cortina para ela.
Beijo pra você e feliz dia das madres para todos os seus.
Nossa, que coisa Levi!Essa nostalgia eu sinto quando vou á casa que foi da minha avó. Linda a sua narrativa, adentrei essa casa vazia contigo.
Um grande abraço e Feliz dia das mães para as mães de tua vida.
Fica com Deus
O melhor texto que li este ano vindo desse teu talento extraordinário, grande escriba!
Você me deixou cheio de saudades de um tempo que eu pareço ter sido vivido somente em sonhos, pois foi assim que senti o que você escreveu: um sonho distante mas que ainda provoca tantos eflúvios de emoções.
p.s. adoro a palavra "eflúvios"..rsssss
Pois é, Guiomar, Edu e Mariani
O grande problema que nós os filhos de D. Bazinha estamos enfrentando, é que ela, a nossa mãe, não consegue esquecer um só momento a casa vazia, cheia de tantas boas e sofridas recordações que ficaram para trás.
A sua vontade de voltar para lá é extremamente forte, mas o corpo já não obedece a vontade do espírito. Continua sonhando todas as noites com o seu ninho antigo.
Amanhã, seu dia, farei de tudo aqui na minha casa (Guarabira) para tentar aplacar a sua obsessão pelo lugar antigo, palco dos maiores momentos e das maiores emoções por ela vividas.
Nos meus devaneios chego até pensar que a casa antiga que agora está fechada foi talhada da mesma substância das suas histórias.
Nós, os poetas chorões que tanto falamos no sentimento re-ligare compreendemos muito bem a razão, o motivo ou o “por quê” desses "eflúvios", desse ETERNO RETORNO a invadir o nosso imaginário, solapando as nossas frágeis resistências psíquicas.
Tenham vocês, também, um dia das mães de gratas recordações.
E então, Levi, como ficou o coração da matriarca?
A matriarca Bazinha teve um dia das mês na santa paz, Edu.
Não falou um só momento na casa vazia que tanta falta lhe faz. (rsrs)
Nossa Tio... Essa realmente deu vontade de chorar... e muita saudade.. Conseguistes escrever a saudade e a dor dela por não ficar mais em sua casa... Minha querida vó...
Muitas saudades!
Beijos
Carolline Bronzeado
Cuiabá
Carol
A velha Bazinha, sua avó, teve um alegre dia das mães aqui em Guarabira, junto aos filhos.
Me parece que ela, aos poucos, está se adaptando ao novo ninho, apesar de sempre que me encontra ir logo perguntando: Quando é que você vai a Alagoa Grande? (rsrs)
Carol
A velha Bazinha, sua avó, teve um alegre dia das mães aqui em Guarabira, junto aos filhos.
Me parece que ela, aos poucos, está se adaptando ao novo ninho, apesar de sempre que me encontra ir logo perguntando: Quando é que você vai a Alagoa Grande? (rsrs)
Boa Tarde, Meu nome é Renato Levi Bronziado, sou filho do SrºLevi Bronziado aqui do Rio de Janeiro. Por não ter nenhum contato com os familiares da localidade de vocês, peço a gentileza , e com a máxima urgência, que o Dr. Levi Bronziado, faça contato conosco aqui no Rio de Janeiro .
pelos tels. 21-7890-0364/9804-1492.
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