15 maio 2013

O BASTÃO DO “TEM QUE SER!”





No alvor da senescência,
Em sonhos ou acordado ainda ouço
O eco imperativo: “Você tem que ser!”
Vejo-me bem pequeno,
Nem pensava em ser dono de mim,
Pois do desejo dos pais, era objeto.



Nos meus três filhos,
Arquivado no inconsciente familiar
O “Tem Que Ser!” ancestral ressoa.
Num porão bem secreto,
Não cessa de se repetir a ordem primeva:
“Tem que ser!”, vovô! diz, minha neta.



Passar de mão o legado  
Na corrida de revezamento dos tempos.
O da frente na lida, já mui extenuado,
O mais novo a correr, impulsiona.
Por que esse bastão do “Tem Que Ser!”
Nunca despenca, e é sempre repassado?



É a égide do desejo
Que em nome do pai, o filho nomeia,
Mesmo que ao “Tem que Ser” resista,
Lá num canto ele reverbera.
Quando a dívida simbólica tento repelir,
A ‘metáfora paterna’ grita noutro lugar.
(versos de cunho Lacaniano)

Por Levi B. Santos 
Guarabira, 15 de maio de 2013



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11 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Pois é, Levi. A corrida não pode acabar. Passar o bastão está intimamente relacionado com a existência. Reflete o nosso desejo de viver.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

O importante é que, ao prosseguirmos na corrida, passando o bastão adiante, não usemos de trapaças. Que não tenhamos como meta ganhar a corrida, mas continuar sempre prosseguindo. Um passo após o outro.

Levi B. Santos disse...

É isso aí, meu caro Rodrigo

A expressão “Tem Que Ser!” que ouvíamos dos nossos pais e mestres, representavam os desejos impositivos daqueles que nos moldaram.

Ainda hoje repetimos para nossos filhos, e os filhos para os nossos netos, esse imperativo dos desejos primevos, que estão simbolizados tanto numa Vara de Condão, como num Bastão. Sentimos, mas não sabemos por que sentimos essa vontade louca de passar para o mais novo, a mensagem primeva do “Tem Que Ser!” embutida no rolo de pergaminho e gravado numa era em que não tínhamos consciência, como tão bem definiu a psicanalista de formação lacaniana, Betty Milan, nesse pequeno mas valioso trecho do seu livro “Carta ao Filho”:

“A gente pode esquecer os ancestrais. O desejo deles nunca esquece a gente.”

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Entendi! Não é o ser de existir, mas sim de ter que aceitar as imposições paternas nas escolhas tomadas pelos filhos.

Curiosamente, na história de Abraão, pode não ter sido isso que aconteceu com ele quando recebeu o chamado de sair da casa do seu pai e ir em busca da terra da promessa.

Mas voltando ao assunto, penso que o motivo é que há um nós o desejo de controlar a descendência e querermos que o nosso filho conquiste o que não alcançamos para que nos sintamos consolados de nossas frustrações. Quem sabe não é a maneira egocêntrica que muitos encontram de continuar vivos neste mundo através dos filhos depois que morrerem? Como bem colocou, é uma "vontade louca".

ABraços.

Levi B. Santos disse...

“...querermos que o nosso filho conquiste o que não alcançamos para que nos sintamos consolados de nossas frustrações. Quem sabe não é a maneira egocêntrica que muitos encontram de continuar vivos neste mundo através dos filhos depois que morrerem?” (Rodrigo)

Acredito, Rodrigo, que não há algo mais forte que a ligação entre pais e filhos. Os poços de memórias dos nossos antepassados nunca deixam de emitir ressonâncias em nós.

Você citou o caso de Abraão. A odisseia de Abraão, em consonância com os versos que postei, evidencia a passagem de bastão (mensagem imperativa) percebida pelo patriarca como uma “imago paterna” a falar: “SAI!”.

No seu imaginário Abraão vislumbrava algo melhor para si. Corroborando com os versos postados, o futuro patriarca estava ali a receber o bastão do “Tem Que Ser!”, o qual, mais tarde seria repassado entre sua numerosa prole.

A história de nossa vida é forjada do material de nossa ancestralidade. Por mais que teimamos apagar, as lembranças do passado ainda são banhadas e afogadas em nostalgia, ilusões, orgulho e paixões.

Lacan, dizia que o que funda o sujeito é o desejo de tal mãe ou de tal pai. Ou dos tutores da geração que o precederam. Quando “abandonamos” a mãe e o pai para fazer aliança com um desconhecido(a), a marca da “imago paterna”, sem que tomemos consciência, nunca deixa de emitir suas ressonâncias, como explicitei na última estrofe:

Quando a dívida simbólica tento repelir,/A ‘metáfora paterna’ grita noutro lugar

Eduardo Medeiros disse...

Belíssimo poema psicanalítico, Levi!!!!

Mas em diga uma coisa, "bom poeta", o "tem que ser" representa aquilo que nossos pais "determinaram" que fossemos, baseado também no seu comentário que

Lacan, dizia que o que funda o sujeito é o desejo de tal mãe ou de tal pai. ?

Isso significa dizer que se fossemos criados por outros pais que não os nossos seríamos pessoas totalmente diferentes do que somos hoje?
Não sobra nenhuma influência em nossa formação daquilo que somos sem "ter que ser"?
Ou definitivamente somos apenas o "ter que ser" que recebemos na "corrida"?

não sei se minhas perguntas são pertinentes, mas essas questões sempre me deixam cheios de questionamentos. rss

Levi B. Santos disse...

Isso significa dizer que se fossemos criados por outros pais que não os nossos seríamos pessoas totalmente diferentes do que somos hoje?

Do ponto de vista da psicanálise (principalmente a Lacaniana), Edu, eu diria SIM a sua pergunta acima.


“Não sobra nenhuma influência em nossa formação daquilo que somos sem "ter que ser"? Ou definitivamente somos apenas o "ter que ser" que recebemos na "corrida"?”

Grande parte do que somos hoje foi forjado nos primeiros cinco anos de vida. Nossos pais ou tutores foram os primeiros a dar sentido de valor aos nossos primeiros sucessos e fracassos. Pais, que como gigantes, domaram nossos medos imaginários e de certa forma consolaram nossos dissabores. Fomos receptáculos de seus anseios, daquilo que eles desejavam para nós.

Como meninos e meninas em crescimento andamos nas pegadas dos pais. Desse período não nos lembramos de quase nada, porque muita coisa ficou arquivada no inconsciente. Quer em em sonhos, quer em atos falhos, quer em projetos de vida, nas artes, aqui ou acolá, na trama de nossos pensamentos somos pegos repetindo o clima da linguagem dos nossos pais.
Para a tenra criança, os pais são os detentores do saber e da verdade.

Depois com o nosso desenvolvimento nos deparamos com a realidade de que o desejo dos pais são paradoxais aos nossos. É aí que surgem os conflitos e as contestações, que nos transformam em seres reativos.

Apesar, de hoje, termos uma visão completamente diferente da dos nossos avós e pais, no nosso caminhar terrestre há sempre algo do caráter paterno encerrado em nossos conceitos, racionalizações e nas entrelinhas do que escrevemos.

Na energia que disponibilizamos para realizar argumentações e racionalizações, estão sempre presentes, de modo quase imperceptível, impulsos devolvidos para o presente(sob a forma de rebeldia) que foram recalcados em nossa infância, como também impulsos ou desejos de sermos gratificados naquilo que fazemos hoje perante os outros ― uma espécie de ressonância do desejo de ser acolhido pelos pais quando bem pequenos nos submetíamos aos seus caprichos.

Bem, me esforcei para ser entendido. Agora é com você. (rsrsrs)

Eduardo Medeiros disse...

Levi, você foi bem claro.


Outra questão que eu gostaria de abordar: como é que o desejo dos filhos de serem independentes dos pais pode influenciar nessa sistema psíquico?

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Levi,

Concordo com sua análise sobre Abraão. Se prestarmos a atenção em sua história, o pai do patriarca SAIU de Ur, no sul da Mesopotâmia, e foi para Harã. Alguns supõem que Naor, irmão de Abrão, teria sido o primogênito nesta família e que, portanto, receberia a porção hereditária maior, segundo os costumes antigos do Oriente Próximo. Então, por algum motivo, Abrão sabia que um dia precisaria SAIR e evitar conflitos de seus pastores com os do irmão por causa do rebanho como houve entre ele e o sobrinho Ló quando estavam já em Canaã. Repare que Ló também teve que SAIR e, posteriormente, Ismael, e os filhos de Quetura apartando-se de Isaque. Também Jacó SAIU da companhia de Esaú e da casa paterna até que toda a nação de Israel se incia pelas míticas doze tribos "confederadas".

Contudo, é certo que as mudanças acontecem no decorrer das gerações. Num determinado momento, o homem decide escrever a própria história e aí o "tem que ser" deve dividir o espaço com o "eu quero ser". E percebermos a origem do estímulo que conduz nossas ações torna-se algo importante neste permanente caminhar.

Levi B. Santos disse...

Edu e Rodrigo


A Lei do “ Tem Que Ser” e o DESEJO do “Eu Quero Ser” constituem os dois pólos do nosso paradoxo existencial, ou o trágico da existência, que fundamenta a nossa eterna ambivalência.

O grito de Cristo relatado nos evangelhos, “Porque me Abandonaste?”, representa em si, uma não conformação (ou reação) ao “Tem Que Ser” em função da anseio do ideal do ego de independência. O “Contudo Seja feita a Vossa vontade” de Cristo ― metáfora representativa do arquétipo Patriarcal ―, parece apontar para algo de inconsciente que nos determina ou nos influencia nostalgicamente pela vida afora, como demonstram esses dois versos pinçados de uma postagem que publiquei no meu blog em 2008:

http://levibronze.blogspot.com.br/2008/01/vozes-ancestrais.html


Cada riso, lágrima ou pranto,
São expressões que vem lá de trás.
Se repetem a maneira de um rito,
Estes ecos, esta voz, estes ais.
E me queima com ferro e fogo,
Evocando os meus ancestrais.


Esta voz que em mim se duplica,
Enquanto vivo, não me deixará.
Ela é um selo que comigo fica,
É minha marca, é meu DNA.
Com sussurros à alma suplica,
Em meio ao eco de vozes no ar.



Eduardo Medeiros disse...

Ok, Levi, por hora, esse assunto está bem esclarecido, mas com certeza, ele voltará por aqui, não é? rss