O senador e professor
universitário, Cristovam Buarque, trinta dias antes da deflagração dos protestos
que varreram o país de ponta a ponta, fez um vaticinante discurso no plenário
do senado. Por achá-lo antológico, resolvi não só guardá-lo, como divulgá-lo
nesse espaço.
Talvez, a fala ou o “mea culpa”
desse educador, possa servir de referência para aquele que deseja entender algumas das
reais causas desse mega-movimento, popularmente cognominado de “Copa das Manifestações” que, partindo
das redes sociais, atingiu às ruas sem a necessidade da UNE, das centrais
sindicais e dos encamisados líderes políticos com seus jargões e bandeiras
partidárias multicoloridas.
O Risco da Letargia
(Por Cristovam Buarque)
Um país pode dormir em berço
esplêndido, mas seu povo e suas lideranças não têm o direito de ficarem
letárgicos quando seu futuro está ameaçado. Mas estamos sofrendo de letargia
diante do esgotamento de um ciclo histórico que exige mudança de rumo.
Guarabira, 24 de junho de 2013
É visível que nossa democracia está
fragilizada por causa da corrupção, da desmoralização dos partidos
tradicionais, do uso de “pacotes” elaborado conforme os interesses do momento,
do elevado custo de campanhas, transformadas em batalhas de marqueteiros e advogados,
e do financiamento corruptor destas campanhas milionárias. Outro fato que
demonstra esta fragilidade é o controle do Legislativo pelo Executivo e a
insólita disputa entre Legislativo e Judiciário.
É visível o risco da perda do controle da
inflação. Uma das conquistas da democracia foi o Plano Real, adotado por
unanimidade pelas lideranças políticas nacionais e todos os governos dede 1994.
Agora, elas parecem abandonar esta grande conquista. E o povo parece manter-se
letárgico, sem despertar para o risco do monstro da inflação e suas
consequências desestabilizadoras de todas as políticas, especialmente as
sociais e econômicas.
Também estamos letárgicos
diante da desmoralização de outra grande conquista da democracia: a
transferência de renda. Estamos letárgicos também diante do risco do aumento
real do salário mínimo, agora ameaçados pela volta da inflação e pelo risco de
que sirva como indutor de mais inflação. Estamos letárgicos diante da aceitação
de bolsas como instrumentos permanentes sem compromisso com a abolição da
pobreza. Os brasileiros, especialmente os beneficiários das bolsas, ainda não
se despertaram para um tempo em que se livrarão delas. E as lideranças
políticas, especialmente as que se consideram de esquerda, parecem considerar
que o Brasil já fez sua revolução, ao distribuir um mínimo de sua imensa renda
para os pobres, mesmo mantendo o modelo social e econômico concentrador. É
preciso despertar para a necessidade de que qualquer brasileiro e sua família
estejam independentes da necessidade de bolsa.
Nosso povo e líderes também
estão letárgicos diante do claro atraso da nossa economia que, mesmo quando
cresce, faz como há cinco séculos, por meio da exportação de commodities, e há
60 anos por intermédio da produção industrial de bens sem conteúdo cientifico e
tecnológico. É preciso despertar para o fato de estarmos aceitando no século
XXI uma economia de meados do século XX.
A letargia fica mais grave
porque as eleições presidenciais são o momento de despertar, mas até agora não
se vê qualquer dos candidatos com propostas que permitam reorientar o país.
Nenhum deles parece estar interessado em despertar o povo da letargia diante de
uma sexta economia baseada em commodities, de uma sociedade não emancipadora,
de volta da inflação e de uma democracia acanhada e instável, que parece ser de
brincadeira.
É muito arriscado ficar
dormindo enquanto o mundo inteiro se mexe, mesmo quando em crise de crescimento
na produção.