Alteridade significa entender que uma pessoa é constituída ou
intermediada a partir da história do outro. Para entrar nesse campo se faz
necessário compreender o conceito de singularidade.
Singularidade vem da palavra “singular”, que significa “o que é
único”, em contraposição ao que é plural.
Respeitar a singularidade do outro começa pela compreensão de que cada
indivíduo tem a sua percepção própria de vivenciar seus desejos, que passa,
automaticamente, pelo reconhecimento de que cada ser humano tem seu estilo ou
ritmo peculiar de existência. Cada indivíduo tem a sua marca sentimental
indelével, impossível de ser duplicada no outro.
A Alteridade pressupõe o diálogo com o outro (diferente), sem que
haja a possibilidade de um transformar o outro. A percepção de que a
homogeneização dos indivíduos em seu modo de pensar possa ser alcançada é o
estopim de todo mal estar na civilização, e das intermináveis, infrutíferas e
utópicas missões em prol de um só tipo de rebanho e um só tipo de pastor.
A própria Torah
adverte que não se deve afligir ou constranger o estrangeiro (Êxodo 23:9). Não
constranger implica em respeitar a individualidade, acolhendo e não repelindo a singularidade
dos desejos e sentimentos do seu oposto. Aniquilo psicologicamente o outro
quando apresento a minha experiência histórica como a única verdadeira a ser
seguida.
O filósofo, Derrida, em seu estudo sobre a “diffèrance”
questiona a auto-suficiência do discurso de um só caminho, convocando a nos
deter sobre a ambiguidade dos signos dentro de cada ser, evidenciando, com
isso, que não há representação auto-suficiente ou mais verdadeira que a do
outro.
A repressão da universalidade, simbolizada na
psicologia pelo arquétipo patriarcal,
deu lugar à expressão da criatividade interior que leva em conta a singularidade do sujeito. Segundo Jung,
“é a consciência da alteridade que deixa
acontecer as polaridades do “eu” dialeticamente com as polaridades do outro”.
Alteridade, enfim, significa
acolher o outro em sua diferença. E isso só se consegue entendendo que a singularidade ― que diz respeito à
experiência particular do sujeito com os seus desejos ―, é única e não se repete
com as mesmas nuances, no outro.
Entre as várias lições
tiradas do mito de “Caim e Abel”, aprendemos,
também, a de que não se deve oprimir o estrangeiro, que por sua estranheza é
marginalizado.
Estamos, de certa forma,
sentenciados a dialogar com as nossas estranhezas refletidas em cada encontro
que entabulamos com o outro. O mito de “Caim
e Abel”, que poderia ser denominada de “Parábola do Avesso da Alteridade”, quer mostrar, sobretudo, a
percepção de que existe um “Eu” e um
“TU” igualmente pessoais e ao mesmo
tempo distintos em suas subjetividades. Nesse caso, a alteridade nada mais seria que
olhar um pouco de si com os olhos do outro.
Apesar de reconhecer que esse olhar
é sempre míope, pelo menos, poderíamos através de sua opacidade ou imprecisão, ter
uma tênue percepção de que a destruição do outro seria o nosso próprio
suicídio.
Por
Levi B. Santos
Guarabira,
10 de junho de 2013
6 comentários:
Nobre Amigo Levi,
Muito bom seu texto. Não há o que acrescentar, concordo em gênero, numero e 'degrau' kkkk Irei compartilhar em minha Page do Boteco. Vou linkar a Page in box para você. Se ainda não curtiu, curta e compartilhe conosco e contribua com suas ideias.
Abraço.
Levi, certas coisas nunca são demais serem repetidas para serem melhor compreendidas. Essa noção que você brilhantemente e oportunamente revisita de forma singular contribui para superar nossa dificuldade de lidar com a alteridade.
Matheus, você tem toda razão essa merece um link.
Lembrando, que a compreensão dessa noção não exclui nossa necessidade de buscar consensos, que viabilizem o nosso modo de vida comunal de uma forma digna.
Abraços.
Ih! Não achei o botão de linkar. Que pena. Gosto de compartilhar boas ideias.
Claro, objetivo, verdadeiro e desejável. Funciona se os dois lados acatarem. Mas...
A Alteridade não pode ser um valor absoluto. Quando o outro tenta impingir suas ideias por meio da violência ou quando isso se dá a nível geopolítico, como manter o discurso diante da ação?
e aí, Levi? rss
A pulsão ou instinto de destruir a identidade do outro por se ver incomodado por ela já é, em si, o contrário de alteridade. Cada um de nós é um “eu” somente por que há um conceito do outro. O homem em estado de guerra está subvertido por forças primitivas destrutivas contra o que é portador de outra identidade.
Mas há um meio de, em parte, controlar a pulsão de morte (Thanatos), que está embutido no jogo do “Eu posso mais que ele”: quando cada um de nós assimilarmos que só existe um eu porque há um outro. E isso passa pela internalização de que a singularidade do outro (diferente da nossa), é que determina o que somos, como está bem explícito no trecho final do ensaio que postei:
“...a alteridade nada mais seria que olhar um pouco de si com os olhos do outro. Apesar de reconhecer que esse olhar é sempre míope, pelo menos, poderíamos através de sua opacidade ou imprecisão, ter uma tênue percepção de que a destruição do outro seria o nosso próprio suicídio”.
Deixo aqui para os confrades, uma indagação:
E se os diferentes deuses, no imaginário humano, não brigassem tanto entre si pelo poder de ser o mais verdadeiro, o que seria da religião?
Excelente texto, Levi!
É esse respeito pela singularidade do outro que o mundo tanto precisa.
Aplico o que escreveu também à Evangelização. Anunciar as Boas Novas de Cristo não significa impor um ponto de vista ou lutar pelo convencimento dos receptores de que a minha doutrina seria a correta. Antes, a missão evangelizadora é um diálogo. Algo que muitos séculos depois de Jesus e dos apóstolos, a Igreja precisa reaprender.
No meio familiar, precisamos muito construir relações em que os pais e o cônjuge tornem-se capazes de respeitar a singularidade do outro. Criar filhos com esta nova visão torna-se um grande desafio, assim como o amor do homem pela mulher. Pois, se a nossa singularidade sofreu abuso na infância, devemos estar atentos para não perpetuarmos o ciclo em reação aos nossos descendentes.
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