Foi
Nicolau
Maquiavel (1469 – 1527), que editou o extravagante manual político ― “O Príncipe” ―, ainda em voga em nossas
plagas, cujo conteúdo está repleto de astutas lições marqueteiras sobre como
devem agir os reis, imperadores e príncipes, diante das massas sublevadas. Esse
conselheiro político, diante da situação de inconformismo do povo, fez ver como
as autoridades opressoras de sua época deveriam comportar-se: ante o povo
insatisfeito deveriam lançar mão de medidas que apesar de ter fundo ilusório ―
pudessem ter o condão de deixar as massas momentaneamente satisfeitas ou
anestesiadas.
A
frase maquiavélica usada para desviar a atenção da população do real problema
de descaso no campo da Saúde Pública eu encontrei bem no miolo do discurso de
lançamento do “Programa Mais Médicos”
da atodoarda base aliada de um Governo que está, fale-se a verdade, com a
cabeça inteira na campanha pela reeleição:
“Mas nós precisamos
admitir, honestamente, que algo deve ser feito para que todos os brasileiros
tenham direito a um médico, e é disso que se trata, se trata de garantir que
todos os brasileiros tenham direito a um médico” ―
disse a presidenta, omitindo a gravidade do gargalo entupido de uma garrafa,
denominada SUS.
Aos
sessenta e seis anos, como médico ginecologista, quero aqui enfatizar que fornecer
uma medicina de qualidade, independe da distribuição de médicos generalistas
indiscriminadamente por nossos rincões, como quem oferece pirulitos para
agradar crianças. As pessoas, cara
presidenta, estão protestando nas ruas justamente por não aceitar mais os
ditames do manual de Maquiavel. Elas parecem, presidenta,
que resolveram deixar de ser massa de manobra. Tentar tapar o sol com uma
peneira, escondendo da população os verdadeiros gargalos do sistema perverso
dos atuais serviços de saúde, é o mesmo que brincar com fogo. Entenda, cara presidenta,
que as pessoas desassistidas estão mandando-lhe um recado duríssimo: não aceitam
mais profissionais de saúde a passar mezinhas e medidas paliativas, fazendo de
conta que estão tratando-as. Elas já sabem, presidenta, que estão a necessitar de cuidados de médicos especialistas.
Elas já entendem o que faz um gastrenterologista, um colposcopista, um
cardiologista, um reumatologista, um urologista, um nefrologista, um
infectologista, um neurologista, um endocrinologista, um cancerologista como o
que recentemente fez com sucesso o seu tratamento.
Já
se foi aquele tempo, cara presidenta, em que como urgentista numa Maternidade recebia
louvores e aprovação por fazer a anestesia, a cesariana e os cuidados ao recém-nato
da parturiente tendo apenas uma auxiliar de enfermagem ao meu lado no centro
cirúrgico.
Sabia,
cara presidenta, que no linguajar nordestino, uma das frases que mais ouço em
minhas atividades na Prevenção do Câncer Cérvico Uterino, é esta: “nós
não somos mais bestas!”?
No
meu campo de atuação, cara presidenta, as pessoas não aceitam mais saber que é
suspeita de ser portadora de Neoplasia Epitelial Cervical e ter que esperar
cerca de três meses para receber o resultado de sua biópsia de Colo uterino.
É
triste, cara presidenta, constatar que seu “Programa
Mais Médicos”, a meu ver de franca aparência eleitoreira, esteja esvaziando
as policlínicas municipais, impedindo os médicos especialistas de, semanalmente
ou quinzenalmente, saírem de grandes centros populacionais, para prestar um
atendimento condigno às pacientes que não têm meios de tratar de suas específicas
patologias longe da cidade onde residem.
Por Levi B.
Santos (CRM/PB 900)