14 julho 2013

O Touro, a Criança e o 'Homem Maduro'.




O filósofo alemão que estudou com Husserl, Paul Ludwig Landsberg (1901 -1944), morto pela Gestapo num campo de concentração em Oranienburg (Brandemburgo- Alemanha) nos legou um instigante livro ― “Ensaio Sobre a Experiência da Morte”. No VIII capítulo, encimado pelo título, “Intermezzo tauromáquico”, o indigitado autor faz uma analogia digna de registro, inter-relacionando os momentos da inocente felicidade primeva com o desaguar da angústia existencial humana, que tem na morte ou no morrer, o seu ápice.

Ele recorreu a uma tourada, daquelas espanholas, para inserir pontos de intersecções metafóricas entre o touro que entra na arena e a criança que sai do corpo da mãe para em um pequeno espaço de tempo deslumbrar-se com um mundo fantástico a seu redor, sem ter a mínima idéia do que vem pela frente.

O autor germânico, que filosoficamente denomina a morte como a “presença-ausente” e o morto como a “ausência-presente”, inicia o seu brilhante ensaio metafórico falando da “criança-homem”, até chegar ao “homem maduro” dentro de sua  arena existencial:

“O touro que entra na arena não sabe nada do que o espera. Contente, ele foge da escuridão da cela e sente a plenitude de sua vitalidade de jovem atleta. Ofuscado pela súbita claridade, sente-se senhor do círculo fechado que se torna seu mundo e que ainda lhe aparece uma planície sem limite. Seu rabo chicoteia a areia vigorosamente. Ele percorre a arena em todos os sentidos, sem outra consciência além da alegria de sua força. ― Assim a criança sai do corpo da mãe e logo começa a brincar num mundo luminoso que a deixa ainda ignorar seu destino e seus perigos.

Chegam os primeiros adversários. Ainda é um jogo. Para o touro o combate é natural. A luta intensifica seu sentimento da vida e das próprias forças. As pequenas dificuldades iniciais só lhe aumentam a raiva. É a cólera do forte que atinge o auge da irritação. A luta desperta e revela o animal vigoroso que a vida cotidiana dissimulava. Nenhum sentimento desagradável além do jogo. Mas, aos poucos, aparece um elemento doloroso. O jogo é uma cilada. O adversário é muito esperto, provoca e se esquiva. Apesar de mais fraco o adversário se torna mais forte por que é mau. O pano vermelho torna-se um vexame, deixa de ser uma boa ocasião para lutar. ― Assim, o adolescente na escola e alhures faz suas primeiras experiências num mundo astuto contra o qual a sinceridade de sua força nada pode. Mas as canseiras da juventude não são graves.

Para o touro, o mais sério começa com a entrada dos inimigos centauros. Os picadores o atacam do alto de seus cavalos com piques que ferem de longe. O touro ataca e sua fúria se transforma, aumenta. É a cólera amargurada, magnífica, alucinante, na qual o cúmulo do frenesi vem secretamente da vitória sobre a desesperança vital, cólera que se fortifica por uma contínua vitória sobre a desesperança. É o inocente, é o pobre cavalo velho que sofre principalmente com tal encarniçamento. O picador manhoso vai embora depois dessa tarefa sangrenta. ― Assim, o homem entra na luta séria da vida. Jamais vencerá o mal. Se destrói algum adversário, só destruiu um inocente. Existem apenas inocentes; nossos adversários são as máscaras desse mal que nunca mataremos. ― Assim, o homem maduro chega ao sucesso e à glória no momento em que já está enfraquecido pelos ferimentos da vida. E a glória deste mundo nada mais é que uma ferida íntima, um enfeite tradicional e quase ridículo, um simulacro de vitória. O homem não venceu”.

P.S.:

Nessa tourada que não é bem no plano físico, o animal faz o papel da criança e do homem maduro(?). O Homem mesmo sabendo que no fundo de sua alma é também touro, faz o papel da divindade, pois sabe antecipadamente o que vai acontecer: sabe atacar e se esquivar, assim como percebe o momento de dar o golpe fatal.

Que o internauta ao ler esse metafórico e poético texto, possa viajar e revisitar os afetos tauromáquicos, que são seus e de mais ninguém.


Guarabira, 14 de julho de 2013

Site da Imagem: astrologiaeradeaquario.blogspot

5 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Talvez seja necessário para poder nos situarmos na vida a participação desta "tourada". Numa etapa mais madura, o homem começa a repensar os seus métodos violentos de luta, passando a compreender melhor a si próprio, mas, querendo ou não, acaba passando o seu "bastão" para a geração que vem depois dele afim de que entrem na "arena" também. Seja como for, nunca nos afastamos totalmente do ambiente de conflito e buscamos novas maneiras de lidar com ele. Partimos deixando muita coisa ainda por ser resolvida. Abraços.

Levi B. Santos disse...

Caro Rodrigo

Nesse poético e psicanalítico ensaio, o touro, o homem
(domador), a arena e o público sedento de sangue e de salvação tem tudo a ver com os nossos afetos. Ou não?

Alguns podem ver no toureiro o símbolo de Deus ou do Diabo. (rsrs)

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Prezado Levi,

Compartilho ser possível a aplicação do raciocínio dentro da dimensão que o amigo colocou. E que, em tal caso, seriam mesmo projeções dos nossos afetos. Mas quando esses sentimentos são direcionados para as arenas, coitados dos touros...

Abraços.

Eduardo Medeiros disse...

Levi, sempre que leio textos assim, que nos lembram que o embate já está perdido, afinal de contas, todo mundo sabe o final do filme da sua vida, me vem o desejo de enquanto o The End não aparece na tela, o filme deve pelo menos, servir para alguma coisa; nem que seja para emocionar ou fazer rir a quem lhe assiste.

Ou será que estou sendo muito romântico...? rss

Levi B. Santos disse...

Não esqueça, Edu, que para os cristãos o "THE END" não é o fim e sim o começo da Vida.(rsrs)

Mas para o poeta existencialista, Rainer Maria Rilke: "...Vivemos sempre nos despedindo".