Deputado
Donadon – ajoelhado no Congresso
Dois
meses atrás, as ruas dos grandes centros do nosso país foram tomadas por
protestos pedindo o fim da corrupção, o fim dos desvios de dinheiro público
através de licitações fraudulentas, o fim da impunidade e do descaso no trato
da coisa pública por parte dos dirigentes da nação. Os minguados orçamentos
destinados à educação, à saúde e ao transporte público, em contraste com os
gastos astronômicos que o Governo Federal torrou nas obras e reformas dos
estádios de futebol para a Copa do Mundo de 2014, foram responsáveis pela explosão
da indignação popular na recente Copa das Confederações (conhecida no mundo
inteiro como a Copa das Manifestações).
Mas
não é que o Congresso, nesta semana, deu um tapa na cara de todos que saíram às
ruas na Copa das Confederações, ao absolver um deputado condenado pelo STF a 13
anos de detenção. Para o inepto Congresso o deputado com direitos políticos
cassados e em regime de prisão fechada no presídio da Papuda, continua deputado
(vide link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=164960)
Para
conhecer as raízes do paradoxo dos paradoxos de nossa republiqueta basta
dirigir o olhar para trás, e revisitar fatos da História recente do Brasil:
Alguns anos depois de derrubada a Monarquia pelo marechal alagoano, Deodoro
da Fonseca (proclamador da República), Floriano Peixoto, seu vice e conterrâneo, mergulhou o país numa guerra civil de ponta a ponta. O paradoxo republicano ficou bastante evidenciado
também na Política do “Café
com Leite” (1894 à 1930): através de um recurso, hoje, usado e abusado ―
o tráfico de influência −, os governadores de São Paulo e Minas Gerais puseram
no poder a mesma oligarquia dos tempos da Monarquia. Em pouco mais de cem anos
de nossa história republicana, o que podemos observar é que o fisiologismo tem
sido uma constante entre os donos do poder ― uma arma indestrutível para manter
“tudo
como dantes no quartel D’Abrantes”.
Voltando
ao caso do “deputado-preso-mas-não-cassado”:
até que um dos ministros do STF (corte escolhida pelos que estão no topo do poder
republicano), numa estocada bem humorada, deu-me um pouco de alento,
estimulando-me ao riso. Disse, risonhamente, o ministro Marco Aurélio: “Os
reeducandos da Papuda estão homenageados”, numa clara alusão ao
deputado que continua deputado, agora, com exercício no presídio da Papuda.
Aliás, o deputado Donadon (de Rondônia) já fez reivindicações sérias para
melhorar as condições dos presos, penso, como nunca tenha feito em sua vida de
parlamentar. Disse ele: “a alimentação
de lá é muito ruim” ― “a água do chuveiro acaba enquanto se está ainda
ensaboado” (Jornal
Correio Brasiliense)
Façamos então, uma incursão pela Filosofia
política de Noberto Bobbio (1909 – 2004)
na tentativa de entender esta nossa herança “maligno-fisiologista-republicana”.
O cientista político italiano, reconhecido mundialmente, no seu antológico
livro – “O Filósofo e a Política”, sobre
a arte de fazer política, faz menção à obra “O Príncipe” de Maquiavel: “aqueles que têm em mãos o destino do Estado
precisam combinar as características do leão
e da raposa, ou seja, força e astúcia. São duas características que nada têm a ver com a
finalidade do bem público; referem-se exclusivamente ao objetivo imediato de
conservar o poder, independentemente do uso público ou privado que o governante
queira fazer deste poder.” (página 142).
Mas
será mesmo que a astúcia (o lado
raposa da política) tem o poder de intuir em nós, a piedade ou a comoção? Digo
isto, porque fiquei tocado lá dentro de mim, quando pela televisão ví o
deputado Donadon mostrar as marcas ainda não cicatrizadas de algemas que
foram impostas em seus punhos. Emocionei-me no final da sessão
que o livrou da cassação, quando, esboçando um olhar de reverência, ajoelhado e
de mãos postas para cima, disse trêmulo em sua prece: “agradeço a Deus que a justiça está
sendo feita nesta casa.”
P.S.:
Acho
que Freud,
vivo fosse, saberia muito bem explicar o “porquê” de nossa alma ser tão
republicana. (rsrs)
Por Levi B. Santos