Foi
por volta de 1955 que, Herbert Marcuse (1898 ― 1979) com
seu livro “Eros e a Civilização”,
tentou unir Freud e Marx, provocando no mundo todo um
acalorado debate. O alemão Marcuse, da escola de Frankfurt, via
nos conceitos freudianos a oportunidade de ouro para fazer o homem feliz. Ele,
utopicamente, pensava que a infelicidade seria então banida pela correção de
situações históricas sociais, em consonância com o apregoado ideal utópico do milenarismo
cristão de paz e felicidade eterna.
Freud,
que costumava olhar para dentro do ser, e não para fatores externos, já via que
a ambição do homem por uma felicidade geral e ausência de guerra, era em si, um
mecanismo de defesa contra recalques internalizados no mais profundo porão da
psique. Estava em jogo a velha suposição religiosa de que o “mal” poderia ser
expulso do sujeito para resolver o seu conflito interno, composto de afetos
ambivalentes ou ambíguos.
Aqui,
entre nós, o enjoado e virulento Paulo Francis, por essa época, lia
intensamente as obras de Freud. Daniel Piza ―, biógrafo
de Francis
(Editora Relume Dumará) ― afirma que ele tinha aderido à
esquerda socialista por uma reação passional (mecanismo de defesa psíquico).
Segundo a psicanálise, por trás das abrasivas racionalizações do sujeito, se
esconde a chama inexpugnável da emoção. O agitado jornalista carioca em pauta,
em sua memorável obra, “Trinta Anos Esta
Noite”, já se mostrava mais sereno e refeito da ilusão de um Brasil
grandioso e anti-capitalista. Através de uma dolorosa auto-análise conseguiu
com clareza enxergar os seus erros políticos e viu seu mundo ilusório cair. Dos
40 para os 50 anos de idade, ele se dividira entre as duas referências
intelectuais: Marx e Freud. “Francis ficava extasiado admirando o realismo de Freud, sua noção de
indivíduo como um torvelinho de ansiedades [...]. É simbólico que, após o golpe
militar ele tenha levado para seu refúgio em Ipanema- RJ um livro de Freud ― ‘As
Três Palestras Introdutórias à Psicanálise’. Freud passaria a ser a sua
referência intelectual após o fiasco esquerdista de 1961-1964” ― escreveu, Daniel Piza.
Entre
1950 e 1960 o elo entre as doutrinas
desses dois expoentes (Freud e Marx) que marcaram época no mundo científico, foi
cansativamente explorado. “Tanto o
freudismo quanto o marxismo, a primeira vista, preconizavam a libertação do
homem. A Psicanálise visando à transformação do sujeito através da exploração
do seu inconsciente; e o Marxismo visando transformar a sociedade através da
luta coletiva”. (Elisabeth Roudinesco)
Freud
não via com bons olhos a interligação entre as duas instâncias, tanto é que,
sobre o regime socialista, chegou a afirmar: “...tentam resolver os problemas da sociedade, mas não percebem que os
problemas começam na própria natureza humana”.
“Todos os psicanalistas que aderiram
ao Marxismo foram expulsos ou marginalizados pela Associação Internacional de
Psicanálise” ― Cita a psicanalista, Elisabeth Roudinesco, em seu livro “Dicionário
de Psicanálise” (Editora Zahar – pág. 281).
O
objetivo de Freud não era de fundo político-ideológico. O conflito humano
em seu nascedouro não estaria entre classes e sim entre afetos internos da
psique. Para o marxismo, as atitudes intelectuais e éticas dos indivíduos derivavam
das relações econômicas entre eles, e, de forma alguma, levava em consideração
os fatores psicológicos que têm na infância seu apogeu de reações ambivalentes
frente a primeira autoridade, que é o pai ou tutor. “A psicanálise freudiana ao colocar sua ênfase no mundo interno como
principal responsável por aquilo que o homem se torna, relega o meio externo a
um papel quase irrelevante” (Freud e Reich – Claudio de Mello Wagner – pág.
59 – Summus Editorial)
Trotski,
querendo puxar brasa para sua sardinha, argumentava que a psicanálise era
materialista, dando preferência às experiências do russo Ivan Pavlov (1849 ―1936). A descoberta do reflexo condicionado pavloniano
foi a senha para se declarar que a psicologia era compatível com o Marxismo. Segundo
a historiadora da psicanálise, Elisabeth Roudinesco (Dicionário de
Psicanálise), “o modelo Pavloniano
dominava a psicologia na Rússia, e, por volta de 1930, a psicanálise freudiana
foi erradicada da URSS para não atrapalhar os marxistas. Os livros de Freud foram relegados ao ostracismo, em
benefício das obras de fundo neurológico baseadas nos reflexos condicionados
que Pavlov experimentara em cães ― no que ficou conhecido como ‘freudismo
reflexológico’”.
Para
os marxistas que estavam acostumados a confiar na objetividade, no que era
visível e palpável, foi um golpe tremendo, a descoberta do inconsciente por Freud.
Recusaram o método psicanalítico porque ele conferia a fala e as palavras do
analisado uma interpretação que ia de encontro às racionalizações da
consciência. Freud foi muito perseguido
porque as suas incursões pelo mundo instintivo das pessoas mudaram radicalmente
o modo como as pessoas se compreendiam.
Para ele, o mal-estar na civilização não decorria de fatores econômicos
ou externos; era sim, resultado de uma motivação inconsciente. O marxismo nunca
aceitou os conceitos freudianos de que todos nós trazemos, internamente,
princípios ou arquétipos dos quais não temos consciência, e que exercem uma
poderosa influência sobre nós.
Por Levi B.
Santos
Guarabira,
23 de março de 2014
OBRAS CONSULTADAS:
1.
Eros
e a Civilização – Herbert Marcuse–
Editora LTC
2.
Dicionário
de Psicanálise – Elisabeth Roudinesco
– Zahar Editora
3.
Freud
e Reich – Claudio de Melo Wagner –
Summus Editora
4.
Paulo
Francis (biografia) – Daniel Piza –
Editora Relume Dumará.
5 comentários:
Caro Levi,
Muito bom o tema que escolheu!
Talvez não tenha havido o tal elo de Freud com as ideias anteriores de Marx, mas os pensadores posteriores certamente viram algum proveito em extrair aprendizados de ambos. Neste sentido é que o freudismo e o marxismo se conciliam. Ou seja, quando Freud já não estava mais aqui para reclamar... (rsrsrs)
Abraços.
Caro Rodrigo
Freud com a descoberta do inconsciente abordou aspectos que Marx desconhecia.
Freud tinha no indivíduo a meta central do seu trabalho científico. Marx, ao contrário, dizia que o que determina o indivíduo é o seu ser social inscrito nos meios de produção.
A natureza do conflito humano em Freud derivava de um complexo familiar que tinha origem na mais remota infância.
Marx percebia que o conflito humano tinha nas forças sociais e os modos de produção e distribuição, a sua principal causa.
Na abordagem do complexo de Édipo, das neuroses, do narcisismo, Freud levava em consideração a relação do indivíduo consigo mesmo, e jamais buscou transformar o mundo para ser agradável e cômoda para os indivíduos coletivamente.
Em outras palavras, para Freud, o que contavam eram as manifestações intrapsíquicas e não os condicionamentos da vida material da sociedade
Prezado Levi,
Concordo com sua análise.
Mas então o que teria levado pensadores posteriores a pinçar um pouco de cada um desses "inconciliáveis" filósofos?
O que talvez parecesse inviável na época de Freud, eis que para os pensadores mais contemporâneos a nós tornou-se possível.
Não seria isto uma síntese entre das visões de mundo que, embora não fossem totalmente opostas, tinham métodos diferentes de investigação da realidade?
Numa análise mais atual sobre o ser humano, não podemos dizer que tanto o complexo familiar, quanto as forças sociais, os modos de produção e de distribuição influenciam o indivíduo? Ou seja, ao invés de um excluir o outro, tem-se aí uma contribuição de vários lados interagindo com o sujeito e suas escolhas de maneira que as manifestações intrapsíquicas não seriam totalmente independentes dos condicionamentos da vida material da sociedade.
Assim sendo, eu ousaria dizer que, se desejamos construir um futuro melhor (o sonhado ideal cristão do Reino de Deus), torna-se necessário que a geração do presente saiba preparar um ambiente social e familiar para as gerações do futuro. Isso vai indubitavelmente auxiliar no indispensável processo evolutivo pelo qual passa a consciência.
Abraços.
“ desejamos construir um futuro melhor - o sonhado ideal cristão do Reino de Deus” . (Rodrigo)
Freud via nesse sonho uma ilusão. Marx, inconscientemente queria concretizar esse reino aqui mesmo. Nesse sentido, Rodrigo, o marxismo tem muito a ver com o cristianismo, apesar do Joshua dizer que, “... pobres sempre tereis.” (rsrs)
O problema é que para falar de REINO, se tem que levar em consideração os SÚDITOS. Ou seja, não há Rei sem súditos ― Inclusive no estruturalismo que Freud fez da Psique. (rsrs)
Freud dizia que o DESEJO nunca é plenamente realizado. Marx afirmava que a necessidade pode ser satisfeita plenamente.
Freud fazia diferença entre tomar um vinho de safra especial em um copo de plástico, e tomá-lo em uma taça de cristal. Para Marx que não fazia distinção entre satisfação e desejo, tudo eram a mesma coisa.
Para Freud a satisfação era a mesma, mas o prazer mudava num caso e noutro. (rsrs)
Levi, texto bem elucidativo sobre a impossibilidade de harmonizar Marx com Freud. E o marxismo, autoritário e opressivo como sempre foi, tinha mesmo que banir Freud do império soviético.
Mas parece claro que nessa, Freud ganhou de goleada.
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